A vida e a obra do poeta Patativa do Assaré, a relevância dos seus poemas, o significado político dos seus atos e a sua imensa contribuição à cultura brasileira. Dono de um ritmo poético de musicalidade única, mestre maior da arte da versificação e com um vocabulário que vai do dialeto da língua nordestina aos clássicos da língua portuguesa, Patativa do Assaré é a síntese do saber popular versus saber erudito. Patativa do Assaré consegue, com arte e beleza, unir a denúncia social com o lirismo. Aço e rosa. Quem lê ou escuta a poesia de Patativa do Assaré pensa, emociona-se e conscientiza-se do mundo, porque na sua poesia estão presentes todas as lutas e esperanças do povo; estão reunidas palavras e idéias que se erguem com a dignidade guerreira dos justos, contra todas as formas de obscurantismos e de exploração do homem. No ano de 2001, Patativa do Assaré foi escolhido como um dos mais importantes cearenses do século XX.
PATATIVA E A CULTURA POPULAR
Rosemberg Cariry
A cultura popular nordestina é uma cultura diversificada, rica e complexa, que vem plasmando-se, através dos séculos, com a contribuição de muitos povos e de muitas culturas, desde o processo de colonização até a contemporaneidade. Esta cultura popular, regional e universal ao mesmo tempo, é inesgotável fonte de renovação para os mais importantes movimentos culturais e artísticos do País. Impossível citar todos os nomes nos diversos campos das artes. Escritores, poetas, artistas e pensadores de todo o País têm obras fertilizadas com os signos da cultura nordestina. Se esta cultura pode oferecer elementos para a construção das artes contemporâneas e eruditas é porque tem a capacidade de também gerar seus próprios artistas, escritores e poetas, inseridos na vida cotidiana. E aqui falamos de artistas genuinamente populares, nascidos no seio do povo, aplaudidos e amados por esse mesmo povo. Como exemplo maior da força comunicativa e social da nossa poesia popular, temos Patativa do Assaré, um dos maiores poetas populares brasileiros de todos os tempos, síntese de todas essas vertentes, profundo elo que une o passado ao presente, projetando-se para o futuro.
Mesmo hoje, após a sua morte, Patativa do Assaré é tido como uma referência literária popular já clássica. A sua poética foi estudada em centros acadêmicos na Europa e no Brasil, e o reconhecimento oficial veio através das muitas homenagens que recebeu de importantes instituições acadêmicas como o título de doutor “Honoris Causa” da Universidade Regional do Cariri, da Universidade Estadual do Ceará e da Universidade Federal do Ceará. Em 1995, recebeu das mãos do Presidente da República, em ato público no Teatro José de Alencar, prêmio do Mérito Cultural do Ministério da Cultura, além de dezenas de outras comendas e títulos, em todo o País.
Basta dizer que, Mesmo quando ainda era violeiro e encantava os sertões com o som da sua viola e a beleza de seus versos improvisados, a sua fama já chegava aos salões literários das grandes cidades, e a sua obra despertava o interesse de renomados escritores e intelectuais brasileiros. Patativa do Assaré é um cristão primitivo e radical que bebeu na fonte do melhor humanismo. Se o Brasil não tem ainda o seu poeta-nacional, que simbolize e expresse o sentimento de nação, como Garcia Lorca na Espanha, Pablo Neruda no Chile, Camões em Portugal ou Nazin Hikmet na Turquia, o Nordeste, popular e rebelado, tem o seu: PATATIVA DO ASSARÉ.
Realizar um filme documentário sobre Patativa do Assaré foi desvendar não apenas a biografia e a obra de um poeta, mas mergulhar no vasto oceano da cultura coletiva e tatear os caminhos onde a história individual se encontra com o destino histórico de todo um povo. Para elaboração deste trabalho, foram pesquisadas muitas fontes escritas e da tradição oral; muitos registros audiovisuais e iconográficos. Todo este material, rico de informações e de suportes variados, destaca a relevância da obra patativiana, o significado político dos seus atos e a sua imensa contribuição à cultura brasileira.
Patativa do Assaré participou de importantes momentos políticos brasileiros: Ligas Camponesas, resistência à ditadura militar, campanha pela Anistia e pelas Diretas Já. Na aérea cultural, foi homenageado pela Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (1979) e participou ainda dos principais movimentos culturais do seu tempo: Movimento de Cultura Popular (MCP – Recife), Festivais de Música Popular Brasileira, Grupo de Arte Por Exemplo, Movimento Nação Cariri e Encontro das Culturas Populares do nordeste, entre tantos outros. A partir de 1970, Patativa do Assaré passou a simbolizar para os jovens nordestinos uma voz da resistência e das lutas democráticas. Além da imagem “oficial” do poeta, o documentário mostrará aspectos do trabalho na roça, do cotidiano com a família e com os amigos, no sítio Serra de Santana e na cidade de Assaré, onde era chamado pelo nome carinhoso de “Senhorzinho”.
O FILME
A narrativa histórica e biográfica se inicia com o velório de Patativa do Assaré (2002) e, a partir daí, é contada a sua vida, com referências a acontecimentos pessoais e históricos. A cronologia dos acontecimentos políticos e culturais brasileiros, bem como os fatos marcantes da vida do poeta, redimensionados pela mediação da sua poesia, é intercalada com depoimentos e análises críticas da sua obra, de forma a fornecer um panorama amplo e de compreensão profunda da poética patativiana e do universo da cultura popular.
O filme é o resultado de muitos anos de vivências e pesquisas. Filmamos e gravamos ao longo de 27 anos. Amigo e compadre do poeta, fui registrando em cinema (super-8, 16mm e 35mm) e em vídeo (S-VHS, Hi-8, U-Matic, Betacam, Digital Vídeo), desde o ano de 1978, muitos aspectos da vida do poeta: o cotidiano na roça e na cidade do Assaré, os recitais, as entrevistas coletivas, as participações em movimentos sociais e políticos, os depoimentos, as gravações de discos em estúdio, os shows com outros cantores, as festas de aniversário, as doenças, os internamentos, até o momento final: a sua morte. Este imenso esforço de preservação da memória do maior poeta popular brasileiro de todos os tempos resultou em mais de cem horas de imagens de grande valor documental, cultural/estético e, sobretudo, humano. A este arquivo, vieram juntar-se muitas outras horas de gravações em vídeo coletadas em TVs do Nordeste e do Sudeste e em arquivos particulares espalhados por todo o País.
Além das imagens documentais de Patativa e dos acontecimentos históricos, foram usados também jornais de época, reportagens de TVs, registros de feira, programas de rádio, recortes de jornais, shows musicais, textos narrativos, poemas e canções. Todo esse material jornalístico e documental, de arquivos, de cinematecas e de TVs, constitui parte da narrativa, muitas vezes, como “complexo virtual”, em que as imagens da ficção (representações do cotidiano do poeta) são montadas com as imagens documentais de arquivos, de tal forma que a ficção não se separe do cotidiano, nem o sonho se separe da realidade. É, por exemplo, o caso dos seus poemas, que vão carregando de significado as imagens históricas do tempo da ditadura militar. O processo de pós-produção digital permitiu que imagens de arquivo e imagens gravadas em vídeo digital, imagens velhas e danificadas, sons novos e sons antigos, fossem trabalhados em seus contrastes, cores e texturas, dando ao filme uma estética bem determinada.
No filme, a realidade ordinária é transfigurada pela poética das velhas imagens e pela oralidade das palavras. As palavras do poeta Patativa revelam e dão novos significados às imagens, e, assim, palavras e imagens nos mostram a história e a vida, na qual nos inserimos, como membros que somos desta fabulosa comunidade de destino que chamamos Brasil. O equilíbrio entre as imagens de arquivo, do cotidiano do poeta, da cultura popular e dos acontecimentos sociais e políticos dão ao documentário um ritmo uma viva pulsação de emoções e idéias. Alguns poemas mais importantes, como A Morte de Nanã e A Triste Partida, são apresentados com poucos cortes, por conta sua importância poética e densidade dramática. A idéia é fazer com que o filme tenha a singeleza e importância de um conversa de roda, de uma narrativa popular feita por um poeta-mestre, destas que a gente escuta sentado nas calçadas das casas sertanejas, ao anoitecer, enquanto se espera a fresca do vento Aracati.
O filme documentário Patativa do Assaré – Ave Poesia é, portanto, uma obra importante na preservação para gerações futuras de aspectos fundamentais da vida e da obra desse poeta popular que se transformou em um patrimônio cultural e afetivo do povo brasileiro.
FICHA TÉCNICA:
Roteiro, Direção e Montagem: Rosemberg Cariry
Produção Executiva: Petrus Cariry e Teta Maia
Fotografia: Jackson Bantim, Ronaldo Nunes, Beto Bola, Kin, Rivelino Mourão, Luiz Carlos Salatiel e Fernando Garcia.
Trilha Sonora: Patativa do Assaré, Fagner, Fausto Nilo, Mário Mesquita, Ricardo Bezerra, Pingo de Fortaleza, Irmãos Aniceto e outros.
Edição Digital: Kin, Débora Lima e Felipe Lobovsky
Edição de Som e finalização: Kin
Mixagem: Érico Paiva (Sapão)
Produção de finalização: Severino Dadá
Coordenação de Produção: Adriana Amaral e Bárbara Cariry
Enviada por José Carlos.
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