Primeiros assassinatos ambientais depois da Rio+20

Fabiana Frayssinet, da IPS

Longe dos pavilhões que abrigaram a conferência ambiental mais ambiciosa das duas últimas décadas, a Rio+20, uma aldeia de pescadores da região metropolitana do Rio de Janeiro mostrou que o preço de denunciar crimes ecológicos pode ser uma execução extrajudicial. A aldeia localizada na praia de Mauá, município de Magé, 84 quilômetros ao norte do Rio de Janeiro, não teve tempo de avaliar os resultados da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada entre 20 e 22 de junho.

Precisamente no dia 22, quando os chefes de Estado assinavam um documento questionado por sua indefinição em temas cruciais como a proteção dos oceanos, dois pescadores e ativistas ambientais que lutavam por essa causa, Almir Nogueira e João Luiz Telles não voltaram para casa. O corpo de Nogueira foi encontrado dois dias depois, submerso e amarrado ao seu barco, diante de uma praia próxima. O de Telles apareceu em 25 de junho, com mãos e pés amarrados em posição fetal, na costa de outro município próximo.

Ambos tinham sinais de terem sido mortos por afogamento. “Se são homens do mar, vão morrer no mar. Este é o recado que estão enviando”, disse entre soluços Alexandre Anderson, presidente da Associação de Homens e Mulheres do Mar (Ahomar), em um ato de repúdio, no dia 29, para cobrar das autoridades uma investigação imediata. As vítimas eram membros dessa organização de dois mil pescadores artesanais que lutam contra a contaminação do mar, seu habitat e fonte de sustento de várias gerações, na Baía de Guanabara.

A Ahomar denuncia os impactos socioambientais de grandes indústrias. Desde 2007, protesta contra as obras do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, um dos maiores investimentos da Petrobras e do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e de sua sucessora, Dilma Rousseff. A Ahomar afirma que as obras executadas pelas empresas GDK e Oceânica, contratadas pela Petrobras, reduziram a pesca em 80%, entre outros danos para a saúde humana, fauna e flora.

Os pescadores sofrem ameaças e assassinatos desde que, em 2009, ocuparam com seus barcos as obras dos gasodutos submarinos e terrestres de gás natural e liquefeito e gás liquefeito de petróleo. As ameaças se intensificaram no final de 2011, quando voltaram a se mobilizar contra a decisão do Instituto Estatal de Meio Ambiente, de retomar uma proposta, descartada durante o processo de licença ambiental, de transformar um dos afluentes da baía, o Rio Guaxindiba, em uma hidrovia para transporte de equipamentos. O posto policial perto da sede da Ahomar foi desativado. Beneficiado por um programa de proteção dos defensores dos direitos humanos, Anderson tem escolta policial permanente, mas mesmo assim sofre ameaças e atentados.

“Queremos preservar esse ambiente porque somos parte dele. Os pescadores são parte da Baía de Guanabara. Mas não queremos morrer respirando sua água”, afirmou Anderson. Em 2009, o tesoureiro da Ahomar, Paulo Souza, foi atacado diante de sua família e morto com cinco tiros na cabeça, como denunciou na época uma reportagem da IPS. No ano seguinte, outro fundador da organização, Márcio Amaro, foi assassinado em sua casa, na frente da mãe e da esposa. Nenhum destes crimes foi esclarecido.

“É lamentável que consigamos reunir toda esta imprensa diante de mais dois cadáveres, que este seja o requisito para chamar a atenção para um problema que se arrasta há tanto tempo”, ressaltou no ato de repúdio o deputado do Partido Socialismo e Liberdade, Marcelo Freixo, presidente da comissão de direitos humanos da Assembleia do Rio de Janeiro. “Espero que na próxima vez que nos reunirmos aqui não seja pela morte de Alexandre”, afirmou indignado.

Pouco depois do ato, Anderson foi novamente intimidado diante de sua casa. Desde então, não é possível comunicar-se com ele por telefone. “Já não estamos falando de insegurança, mas de pessoas que morreram em razão de sua militância, por sua legítima resistência em defesa da Baía de Guanabara”, declarou à IPS a ativista Sandra Carvalho, da organização Justiça Global. Os denunciantes pedem que as mortes, “com claros sinais de execução”, sejam investigadas pela polícia e pela justiça federal.

“Peço que as autoridades investiguem muito, porque já conseguiram o que queriam. Tiraram de sua casa os homens do mar”, destacou Anderson. Depois das mortes, as embarcações não voltaram para a água. Ninguém se atreve a aventurar-se no mar, que antes era “refúgio” dos pescadores quando “algo ruim acontecia na casa ou na praia. Hoje só temos o caminho do cemitério”, lamentou.

Organizações de direitos humanos não duvidam que estes sejam “crimes políticos”. Freixo disse à IPS que as empresas responsáveis pelas obras às vezes apelam para firmas de segurança que se valem de “intimidações, ameaças e até mortes”. Entretanto, o deputado e atual candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, acredita que não se trata de “mortes encomendadas” pela Petrobras. Porém, enfatizou, nem por isso a empresa “pode fingir que não tem nenhuma relação com o caso. O investimento é da Petrobras e a responsabilidade sobre quem contrata é dela”, opinou.

Na Ahomar, todos sabem quem são os assassinos, contou Anderson. “São pessoas que ganham muito dinheiro com este processo de industrialização da Baía de Guanabara, com trabalhos de segurança, transporte hidroviário e terrestre. Que estão dentro do governo estadual e municipal e inclusive na segurança pública”, denunciou. Em Magé, como em outros municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, atuam grupos dessa natureza conhecidos como “milícias”, integrados por agentes de segurança do Estado, ativos ou aposentados, com apoio de setores políticos locais, como demonstrou uma investigação parlamentar encabeçada por Freixo. Inclusive, o deputado tem escolta policial porque recebeu ameaças em razão de suas denúncias contra essas organizações mafiosas.

Diante do pedido de uma resposta por parte da Petrobras, a empresa enviou um comunicado onde diz desconhecer as mortes e repudiar qualquer ameaça aos pescadores. Também destaca que o processo de licenciamento ambiental no Brasil considera todos os impactos ecológicos e as comunidades. Além disso, “um rigoroso estudo de impactos antecede a licença dos empreendimentos e o órgão licenciador estabelece medidas compensatórias e fiscaliza sua realização”, diz o comunicado. A Petrobras é uma “empresa social e ambientalmente responsável que exige de seus fornecedores a mesma postura”, ressalta a nota.

A próxima assembleia de pescadores discutirá se desiste da luta ou, ao contrário, adota medidas como interceptar a passagem de navios. A luta da Ahomar é uma batalha “dos pescadores artesanais contra o capital petroleiro”, segundo a presidente da comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro, Margarida Pressburger. Anderson a define de outra maneira: não é Davi contra Golias, mas “contra o próprio diabo”.

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