Juventude e mobilidade

Campos sociais da religião, da linguagem e da política passam por forte pressão para mudança no mundo contemporâneo, afetando sobretudo os jovens. Vencer a apatia é o grande desafio

J. B. Libanio

Juventude e mobilidade soam pleonasmo. Ninguém muda tanto e tão rapidamente como o jovem. A juventude de hoje insere-se, de modo plural, no movimento que agita vários setores da vida da sociedade, como a religião, a linguagem e a política.

No lapso das últimas décadas, assistimos, no mundo religioso da juventude, a profunda transformação paradoxal. Partiu-se, no caso do Brasil, de prática predominantemente católica tradicional. A família gozava ainda de estabilidade e transmitia espontaneamente práticas religiosas aos filhos e esses as seguiam, pelo menos, até atingirem a idade madura. A cultura circundante tradicional protegia a continuidade na fé. Havia crises e abandono precoce da religião, mas não se configurava fenômeno amplo.

Na década de 60, atravessaram o mundo jovem surtos de rebeldia social e religiosa. Os Beatles na Inglaterra quebraram ritos tradicionais não só na música, mas no trajar, no comportar-se social e religiosamente. Rodaram pelo mundo frases da entrevista de John Lennon em que ele ousara dizer: “O cristianismo vai desaparecer e encolher. Eu não preciso discutir isso, eu estou certo e eu vou provar agora. Nós somos mais populares que Jesus agora, eu não sei qual será o primeiro – o rock ‘n’ roll ou o cristianismo. Jesus estava certo, mas seus discípulos eram grossos e ordinários”.

Tais frases repercutiram fortemente e provocaram ataques violentos por parte de setores religiosos: queima de discos, ameaça de morte. Embora se tivessem seguido pedidos de desculpa e explicações por parte do ídolo britânico, o fato já mostrava que no mundo jovem soavam vozes antirreligiosas de ruptura com o mundo sagrado. Algo que tinha suas contradições, pois esses mesmos Beatles fizeram experiência religiosa de meditação transcendental na Índia. Nos EUA, os hippies manifestavam-se por meio de gestos de extrema liberdade em face do establishment. A rebelião estudantil de Maio de 68 explode na França com o famoso mote: “É proibido proibir”.

No momento, o giroscópio da piedade captou mudança de movimento. Depois de onda secular, de engajamentos políticos de cunho materialista e marxista, novos movimentos religiosos de diferentes cores e tradições atraem jovens. Eles mostram vigor extraordinário. No mundo católico, os encontros com o papa, iniciados por João Paulo II e que Bento XVI prossegue, têm mobilizado até milhões deles. E o próximo Encontro Internacional com Bento XVI está programado para o ano que vem no Brasil.

Esse fenômeno religioso tem tocado muitos jovens, mas de modo diferente da posição tradicional. Buscam neles consolo, prazer estético, encontros afetivos, exterioridades, satisfação de desejos internos. Em grupos menores, existem também os rigoristas e até fanáticos. Numa palavra, vale a percepção de que no meio jovem quanto às experiências religiosas Epur si muove, parafraseando a lendária frase de Galileu Galilei a respeito do movimento da terra no Tribunal da Inquisição.

A linguagem na boca dos jovens sofre transformações profundas. Linguistas disputam entre a posição de salvaguarda da linguagem, opondo-se ao linguajar à margem da gramática e semântica tradicionais a fim de conservar a autêntica língua portuguesa e a de tolerância por força do fato de a língua ser viva. Ironicamente, comentava certo jornalista carioca depois de escutar conversa entre jovens: “Faz tempo que não se fala português em Ipanema”. Encontramo-nos em face de fato irrefreável na mobilidade linguística juvenil por obra da invasão dos meios de comunicação. A internet oferece gama de programas de acesso à informação e à comunicação em grupos virtuais e faz circular, com enorme velocidade, termos, expressões e significados novos. As palavras entre os jovens deslocam-se facilmente no campo semântico de modo que para entendê-los faz falta estar continuamente plugado nesse mundo da comunicação.

Talvez a maior transformação aconteça na grafia. Deixam-se de lado as regras primárias da escrita comum para adotar outros sinais gráficos, abreviações. A escrita aproxima-se cada vez mais da pronúncia, diminuindo as distâncias entre os sons e as letras. Portanto, mobilidade impensável décadas atrás. Com dificuldade vislumbramos para onde caminha a língua portuguesa nesse mar de mudanças no meio do universo jovem. O mundo acadêmico com as monografias, dissertações e teses defronta-se com o grave problema da redação. Que exigir dos novos escritores?

Participação – Juventude e política ocupa outro campo de reflexão. A mobilidade não se mostra menor. Lá nos idos rurais, a política se engravatava com homens profissionais. Não existia espaço para jovens. Inclusive a lei limitava a idade para os diferentes cargos políticos. A escola disciplinava. O ensinamento bancário não permitia agilidade mental para o jovem mover-se na sociedade. Os adultos temiam a concorrência juvenil e proviam estruturas para retê-los mais tempo na família, na escola ou em trabalho desprofissionalizado sem nenhum alcance político.

A industrialização mobilizou-os para a política por diversas razões. Sofriam o peso da opressão dos patrões. Sentiram necessidade de organizarem-se a fim de reivindicar melhores condições de trabalho. Sem política não se alcança nada. Além disso, os movimentos estudantis caminharam na década de 60 para crescente conscientização e engajamento político. Houve momentos áureos em que o ministro da Educação ouvia os estudantes antes de baixar portarias. Os políticos oficiais se aproximavam deles para obter respaldo popular.

Depois dos anos de turbulência política no meio jovem, caiu sobre eles e sobre todo o país o silêncio da ditadura militar. Restringiram-se à vida de estudo, salpicada com atividades beneficentes e assistencialistas no tempo de férias. Para tal, o governo brasileiro organizou, sob a coordenação do Ministério da Defesa em articulação com o Ministério da Educação, o famoso Projeto Rondon. Tal iniciativa mobilizou centenas de milhares de jovens no período entre 1967 e 1989. Amorteceu-lhes, porém, a consciência da luta política no sentido de mudar o regime.

Vieram, então, os agitados momentos da redemocratização do país. O movimento civil da Diretas Já reivindicava eleições presidenciais diretas no Brasil em 1983-1984. Embora a possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil, proposta pela Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso, tenha sido rejeitada, a eleição indireta do Tancredo Neves serviu de pequeno bálsamo de esperança. A juventude esquentou politicamente na disputa eleitoral entre Lula e Collor. O PT, como partido que programava novo tipo de oposição ao sistema vigente, conseguiu mobilizá-los nos seus inícios.

No momento, a mobilidade juvenil caminha para certa apatia política. Grassa desânimo em face da classe política. Abrem-se para os jovens outros campos de atuação, antes social que política no sentido estrito: movimento ecológico, consciência negra e lutas no campo da liberdade sexual e da liberação da maconha.

A desmobilização política em face da mudança do sistema sofre do impacto da cultura pós-moderna hedonista, presentista, materialista. O gozo do presente obnubila a perspectiva de futuro. E o presente tem pouca força de mover os ânimos. Marcuse já em 1967 escrevia O fim da utopia por causa da tirania da tecnologia somada com a afirmação dos valores da competência, do sucesso no mercado de trabalho. Nesse contexto social, a consciência política, que, na década de 60, atingira pique de criticidade, sofre agora de intrigante paradoxo. De um lado, investe energia contra valores tradicionais no campo da família, da sexualidade, da vida acadêmica e religiosa. As normas e regras institucionais caem sob suspeita. No entanto, assumem sofregamente a cultura midiática, a forte americanização de costumes, o isolamento diante da internet nas inúmeras ofertas de participação virtual. Buscam estabilidade e fogem da insegurança, do risco. Permanecem mais tempo na casa dos pais, retardam os compromissos familiares e mesmo profissionais, prolongando os estudos, desde que subsidiados por bolsas do Estado ou pelo financiamento dos pais.

Crítica e acomodação se harmonizam. A mobilidade muda de qualidade. A grave crise econômica nos países centrais terá, certamente, graves reflexos sobre nós, embora ainda não sentidos com agudeza. Fica a interrogação: baterá sobre nossa juventude a onda dos “indignados” da Espanha, dos jovens gregos em gigantescos protestos, da mobilização em países muçulmanos, do Occupy Wall Street? E a mobilidade política se inclinará de novo para o compromisso em crítica ao sistema? Quem viver verá.

J. B. Libanio é teólogo, escritor e professor da Faculdade Jesuísta de Filosofia e Teologia

http://impresso.em.com.br/app/noticia/toda-semana/pensar/2012/07/07/interna_pensar,42252/juventude-e-mobilidade.shtml. Enviada por José Carlos.

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