Caríssimo eucalipto,
Quero lhe contar a história de MaÍra, uma menina de sete anos. É uma das dezenas de crianças que ocupam a quadra de esporte de Barra do Riacho, distrito de Aracruz. Na quarta feira passada (18/05/2011) centenas de policiais militares invadiram o loteamento onde seus pais haviam construído uma casinha. Perdeu tudo. Sua casa foi derrubada por retro escavadeiras a mando da prefeitura. Agora não tem lugar para onde ir. Na quadra de esporte conta o terror daquele dia através do desenho. Na folha de caderno pintou um helicóptero jogando bombas e o povo correndo para não ser atingido. Na parte baixa da folha desenhou o caixão de dona Santa, morta durante a operação após ter passado mal, e um policial que atira em sua direção. Não sei se vai conseguir esquecer aquela dramática experiência? Talvez, se agora estivesse morando numa outra casa, o trauma fosse menor, mas naquela quadra onde dezenas de pessoas se amontoam de qualquer jeito não deve ser fácil esquecer.
Confesso-lhe que não conheço bem a história daquela ocupação. Não sei quem a liderou e se todas as famílias que aí estavam não tinham como pagar o aluguel. De qualquer jeito o tempo foi passando e o povo foi construindo suas casas. Várias famílias se endividaram para realizar o sonho da casa própria. Mas de uma hora pra outra o sonho foi esmagado por uma operação policial muito violenta. A fúria que foi utilizada naquele dia para demolir as casas daquelas famílias enterrou a alegria da demolição do presídio de Novo Horizonte que acontecera dois dias antes.
Eu sei que a Prefeitura de Aracruz está com um projeto para a construção de casas para famílias de baixa renda naquele terreno, mas será que não dava para pensar numa outra solução? Milhares de hectares de terra naquela região estão ocupados por você, amigo eucalipto. Por quilômetros e quilômetros só dá você. É você que toma conta de tudo. Inclusive você fede para caramba quando está sendo transformado em celulose. Será que você não poderia ter cedido um pouco de seu espaço para a construção das casas da Prefeitura e ter deixado o loteamento Nova Esperança para Maíra e suas coleguinhas?
Confesso que estou com muita raiva de você. Por muito tempo expulsou os índios de suas terras. Também eles tiveram que encarar balas de borracha e bombas de efeito moral na luta para te botar para correr e garantir o direito de permanecer em seu território. Ainda está tomando conta das terras dos quilombolas. Com o avançar de tuas plantações, o povo está se amontoando nas periferias das grandes cidades. Quando vai parar de tomar conta de tudo? Não teria sido mais fácil erradicar você no lugar de arrancar a força aquelas famílias empobrecidas? Bastava só um pequeno pedaço das terras que você ocupa. Quando vai devolver a terra ao povo capixaba, somente quando a reduzirá a deserto? Eu sei que você é útil. De você arrancamos a matéria prima de onde produzimos o papel. Mas é melhor ficar sem papel do que ficar sem chão onde morar e de terra para cultivar os produtos para alegrar nossas mesas. Não acho que precise chegar a tanto. Basta que você desista de tomar conta de tudo. Se deixar mais espaço para as casas de Maíra e suas coleguinhas, a convivência vai ser bem melhor. Acredito que se isso acontecer, Maíra vai deixar você enfeitar o quintal de sua casa e naquela folha de caderno, no lugar de pintar o helicóptero da PM, vai desenhar você como seu melhor amigo.
Pe. Saverio Paolillo (Pe. Xavier)
Missionário Comboniano
Pastoral do Menor Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo
Rede AICA – Atendimento Integrado à Criança e ao Adolescente