MG – Anistia: Nova data para o memorial

Dezenas de pessoas participaram ontem de ato, em Belo Horizonte, para pressionar pelo início das obras do centro histórico que vai abrigar documentos referentes aos anos da ditadura militar

Marcelo da Fonseca

Os relatos de familiares que perderam parentes no período da ditadura e de ex-militantes que participaram da luta contra o regime militar, reforçaram os pedidos para que as obras do Memorial da Anistia saiam do papel. No lançamento da Associação dos Amigos do Memorial, que aconteceu ontem na antiga Faculdade de Ciências Humanas (Fafich), no Bairro Santo Antônio – local onde funcionará o centro histórico, integrantes do grupo de implantação anunciaram que até 2012 o centro já estará pronto para receber o público. O grupo vai acompanhar de perto o andamento das obras, previstas para começar nos próximos meses, com a recuperação do antigo teatro, a construção de um anexo administrativo e uma praça para integrar os 3,8 mil metros quadrados de área. As pessoas que participaram do lançamento, entre elas vereadores e deputados, assinaram uma lista, declarando apoio ao memorial.

A expectativa é de que o centro seja entregue na nova data estabelecida pelo Ministério da Justiça. “Os alvarás já estão liberados, as plantas de construção já foram elaboradas com acompanhamento do ministério e também o conteúdo que será apresentado ao público. O objetivo é que este local seja também um centro para pesquisas e estudos sobre o período. Será uma forma de ajudar aquelas famílias que ainda não tiveram resposta sobre o que aconteceu com parentes, reunindo os casos já investigados e podem conter informações importantes para casos ainda não explicados”, afirma Sueli Belato, vice-presidente da Comissão Nacional da Anistia.

A construção do memorial foi autorizada pelo ex-ministro da Justiça Tarso Genro, em 2009, e a previsão inicial era de que o centro entraria em funcionamento no ano passado. Na época, foi autorizada a liberação de R$ 5 milhões para as obras, no entanto, até o mês passado foi feita apenas a reforma do telhado do antigo teatro, sem qualquer sinal do início das obras de construção no novo prédio. Além disso, há lixo e entulhos espalhados pelo lote. “A troca de ministros pode ter atrapalhado o andamento das obras, com outras questões entrando como prioridade. Mas, pela mobilização dos envolvidos e a grande importância que o local terá para a cidade o projeto voltou a caminhar. Demos apoio total desde o início das conversas sobre o memorial e colaboramos com a questão do terreno e do licenciamento para as obras”, destacou o prefeito Marcio Lacerda.

INCÔMODO

A falta de um memorial incomoda ex-presos políticos e ativistas que participaram na luta pela democratização do país. Eles apontam exemplos de outros países sul-americanos, como Chile e Argentina, que já criaram centros para preservar documentos, fotos, testemunhos e dossiês que relatam os fatos dos regimes autoritários em cada país. “O Brasil precisa de um memorial como este. Até hoje não temos um lugar para lembrar o que aconteceu durante um período tão obscuro na nossa história. Em São Paulo existe o Memorial da Resistência, porém é uma exposição muito restrita ao estado. Precisamos de um símbolo nacional. São 65 mil processos ligados aos crimes da ditadura, e muitas pessoas até hoje sofrem com a falta de memória sobre esse período”, diz Sueli.
O ex-vereador e membro do comitê de implantação, Betinho Duarte, garante que o memorial terá também um significado simbólico, pela história de lutas e mobilização dos estudantes da universidade no período da ditadura militar. “Estou muito otimista para que o projeto saia do papel. Será um patrimônio para toda a sociedade, e recebê-lo em BH nos deixa muito orgulhoso. Não podemos deixar que uma obra tão importante atrase”, afirma.

Para não ser esquecido

Para Maria Leonora Pereira Marques, 82 anos, o memorial vai significar mais do que um centro para pesquisas e estudos sobre um dos períodos mais marcantes da história política do Brasil. Mãe de Paulo Roberto Pereira Marques, ex-militante do movimento comunista que desapareceu na década de 1970 durante a Guerrilha do Araguaia, ela espera que a luta de seu filho não seja esquecida. “É muito difícil não poder nem mesmo contar o que aconteceu com o Paulinho. Fiquei 10 anos sem saber se meu filho estava vivo ou morto. Só em 1996 reconheceram que ele estava entre as vítimas da ditadura, mesmo assim sem certeza do ano que ele morreu. Pode ter sido em 1974 ou 1975, segundo os atestados apresentados pelo governo”, conta Maria.

A última vez que viu o filho, ainda adolescente, foi no início dos anos 1970, quando ele viajou com integrantes do partido do PCdoB para participar de protestos contra o regime militar. Depois, foram mais de 20 anos de expectativa para revê-lo, sem qualquer informação de seu paradeiro. “O pior de tudo era não poder falar dele. As pessoas mudavam de assunto, com medo do que poderiam se envolver com alguma coisa ilegal e serem presas também. Foi uma dor reprimida por muito tempo e até hoje não sei o que aconteceu com ele”, diz.

A irmã de Paulo, Fátima Pereira Marques, acompanhou de perto a movimentação do irmão durante anos de luta contra a ditadura e lamenta o destino dos jovens que participavam do partido comunista. “Ainda era muito nova, tinha 15 anos quando meu irmão entrou no PCdoB, mas sabia das reuniões que aconteciam lá em casa. Os jovens daquele grupo tinham ideias e opiniões sobre a realidade do Brasil e defendiam mudanças. A guerrilha do Araguaia foi um símbolo muito forte de união daqueles que não aceitavam o regime”, afirma Fátima.

ESTADO DE MINAS, 15-5-2011. Enviada por José Carlos.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.