Mbarakay – Violência e Dor , por Egon Heck

“Eu estava trabalhando na fazenda do Rodrigues, quando o grupo Kaiowá Guarani do Mbarakaí, do cacique Alipio Aquino começou a adoecer de sarampo. No começo a gente ia ao velório. Era uma criança enterrada de manhã, depois de tarde já era outra. Depois foram morrendo tanta criança que a gente já não podia mais acompanhar tudo”. (Rosalino – Avá Tupã Xirinó)

Este fato, narrado por Rosalino, ocorreu em 1974, há uns 16 quilômetros da cidade de Iguatemi, no cone sul do Mato Grosso do Sul, região de fronteira com o Paraguai. Os sobreviventes foram levados por pastores da Igreja Evangélica Presbiteriana para a Reserva Indígena de Sassoró. Ará Verá Bydu estava entre eles.

Sentado num banquinho, juntamente com sua esposa Loide, Ará Verá inicia sua narrativa de dor, sofrimentos e mortes. O relato é entrecortado por momentos de muita emoção e lágrimas.  Ao lembrar as duas voltas ao tekohá Mbarakaí, a imediata expulsão por grupos de pistoleiros e fazendeiros, ele relata minuciosamente os ataques sofridos e as drásticas conseqüências para o seu grupo, que apenas retornara à sua terra tradicional na esperança de que possa voltar a viver em paz e com tranqüilidade.

As retomadas e os despejos

Às 3h15 de um bonito dia de inverno, 15 de julho de 2003, apareceu, repentinamente, um grande número de pistoleiros que cercaram os barracos e começaram a atirar, quebrar tudo, batendo nas pessoas e depois jogando combustível, queimando todos os barracos. Nós mal tínhamos feitos os barracos, comenta Ará Verá. Como resultado desse cruel despejo ele fala de dois casais de velhos e duas crianças que desapareceram, não tendo notícias deles até hoje. “A gente não pôde mais voltar lá para saber alguma notícia dos desaparecidos”, dentre os quais cita Ramon Fernandes, Elena Borivon, ambos idosos, e Cleide, que há época tinha oito anos. Relata ainda as conseqüências do ataque a vários membros do grupo: Osni Riquelme perdeu a vista por causa das coronhadas na cabeça, Francisco Benites teve dois dedos cortados, Andresa Silva ficou com a mão aleijada em função das pancadas…” Diante de toda a violência não conseguem permanecer em seu tekohá. O grupo ficou disperso em várias áreas na região.

Em uma nova tentativa de retomar o espaço de vida onde cresceu e viveu com seus parentes, hoje aos 50 anos narra com lágrimas mais uma ação de violência: “As cinco da manhã do dia 9 de dezembro de 2009, novo ataque ao grupo do tekohá Mbaraká’y. Novamente cercados por pistoleiros, foram rapidamente dominados, espancados e despejados do tekohá. Awa Ará Verá conta sua odisséia  que durou quase 24 horas. Para fugir do cerco dos pistoleiros  e poder voltar para uma área indígena da região, atravessou pântanos, rios, mata  e erosões. Só chegou a  uma área onde mora uma irmã, às três horas da manhã, todo machucado e aranhado pelos obstáculos que teve que vencer na fuga.

Segundo relatos de Awa Ara Verá as conseqüências de mais esse violento despejo foi o desaparecimento de Arcelino Oliveira Texeira, um rapaz de 18 anos, do qual não se tem notícias até hoje. Marcia Lopes tem uma bala no corpo. Atanar, ancião e liderança religiosa, foi brutalmente espancado. Marcilia Lopes Martins se queixa de dores em conseqüência das agressões sofridas.  Também ficaram feridos à bala Rosalino Lopes e Izael Souza. Awa Ará Verá faz o relato de muita dor com a convicção e a certeza de que tudo isso faz parte de seu trabalho e luta pelo seu povo. Aparenta não guardar ressentimento por tudo que tem sofrido. Porém deixa bem claro que precisa continuar a luta até que tenham o direito à sua terra reconhecido. “Já perdemos vários companheiros, mas vamos continuar fazendo nosso caminho”. Ele termina lembrando que “a Constituição diz que temos direitos, mas a lei não foi respeitada. Nosso problema não foi resolvido”.

A comunidade enviou mais uma vez documentos à Funai e Ministério Público Federal solicitando maior agilidade na identificação e demarcação das terras Kaiowá Guarani, bem como proteção às comunidades que estão exigindo seus direitos.

Em meio a muita dor e esperança a vida continua no acampamento provisório na Terra Indígena Jaguapiré. Que sejam tomadas urgentes providencia. Que os relatórios de identificação sejam publicados, as terras demarcadas e devolvidas ao direito sagrado, originário e constitucional das comunidades Kaiowá Guarani.

http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=5450&eid=352

 

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