O Minério Radioativo do Amazonas e as Usinas Atômicas Japonesas

Egydio Schwade

Presidente Figueiredo, Amazonas, 1992: estávamos construindo a Casa da Cultura do Urubuí. Doroti, eu e as crianças ajudávamos na cobertura de cavaco.  Há nossa frente, pela BR-174, roncavam caminhões carregados de minério procedentes da mina do Pitinga. Oficialmente as carretas levavam apenas cassiterita ou estanho. Em verdade, carregavam diversos minérios estratégicos, todos bem mais caros do que o estanho: ítrio, tântalo, colúmbio, urânio, criolita, ouro. A BR-174 tornou-se mais uma “veia aberta da America Latina”. O diretor do setor mineral do Mercado Comum Europeu garantia em reunião em Duisburg / Alemanha / 1991 que todo o minério do Pitinga estava sendo vendido no mercado negro, confirmando conclusão a que o geógrafo e pesquisador da UFAM, José Aldemir de Oliveira chegou em sua tese de doutorado intitulada: “Cidades na Selva”.

A área da mina do Pitinga, 526.000 hectares, foi invadida pela Paranapanema em 1979 e roubada pelo Governo Figueiredo do povo indígena Waimiri-Atroari em 1981. Da maracutaia nasceu o nome de batismo de nosso município: Presidente Figueiredo.

Num daqueles dias, do alto da Casa da Cultura do Urubuí, estranhamos a grande quantidade de carretas que vinha em sentido contrário, de Manaus para Pitinga, também carregadas de minério. Informei-me sobre o por que daquilo. Li conscientemente os jornais e revistas, principalmente as noticias que tinham referencia ao Japão, pois duas firmas japonesas, a Marubini e o Industrial Bank of Japan, controlavam então a Mina do Pitinga. E sabíamos que lavravam ali minério radioativo. Por outro lado, o parlamento japonês exigia das empresas que importavam material radioativo, um destino, fora do Japão, para o lixo radioativo. Os noticiários sobre navios que percorriam os mares contendo lixo atômico, sem saber que destino dar também eram freqüentes. E aqui, próximo ao aeroporto de Manaus, ocorreram dois acidentes aéreos e corriam boatos de que a causa seria minério radioativo, estocado pela Paranapanema nas imediações do aeroporto que interferia nos equipamentos dos aviões.

Tudo isso me fez levantar a hipótese e denunciar que as carretas que seguiam carregadas rumo à mina do Pitinga levavam lixo radioativo. A movimentação dessas carretas durou aproximadamente 4 meses. Falava-se que teriam transportado 5.000 toneladas do estranho material para dentro do nosso município.

A imprensa publicou a minha denúncia, mas em resposta entrevistava apenas geólogos e autoridades conhecidamente comprometidos com as empresas de mineração que obviamente negavam tudo. Nunca foi feita uma investigação séria sobre o assunto. Também não me processaram por calúnia. E o problema continua a pairar sobre os índios Waimiri-Atroari e a população local como uma bomba-relógio até hoje.

Queixas de trabalhadores da mina do Pitinga sobre males estranhos que sentem no corpo; fraquezas gerais; doenças sem causa aparente… E funcionários da empresa começaram a se abrir conosco sobre estes problemas. Um deles, guarda do canil da firma, trabalhava há poucos metros do local onde o lixo foi enterrado. Sempre que nos visitava se queixava de dores no corpo até que decidiu sair da mina, já sem condições de continuar o seu trabalho. Hoje mora em Brasília, onde procura em vão por justiça. Outro jovem robusto ficava ofegante ao subir a escada de 15 degraus da Casa da Cultura do Urubuí. Há poucos meses um vereador falou da proliferação do câncer no município. Muitos manifestam os problemas que sentem, outros guardam segredo com medo de sofrerem represálias da firma.

E lá no Japão milhões de inocentes pagam hoje pela maldição que donos de empresas japonesas e governantes corruptos, de lá e de cá, armaram sobre suas cabeças. Naquele tempo, os jornais publicavam protestos de ecologistas contra o transporte de plutônio, material altamente radioativo que o navio japonês Akatsuki Maru transportava da França para o Japão, cujo roteiro foi mantido em sigilo absoluto (ver Revista Veja 11-11-1992: “Chernobyl Flutuante”). É preciso animar a juventude a reagir em tempo contra quem ameaça o futuro da vida na terra; contra quem constrói monstros radioativos ou usinas atômicas sob controle de poucos; contra quem alastra sempre mais as metrópoles comandadas por leis escritas que abafam as consciências; contra a construção sem controle e sem limites de fábricas de carros e de plásticos; contra quem cobre a mãe-terra de asfalto e cimento; contra agro-negociantes que liquidam a biodiversidade em grandes extensões e envenenam a terra; contra os governantes que constroem grandes barragens para hidrelétricas passando por cima de povos e comunidades; contra quem negocia as florestas da Amazônia com exportadores de madeira.

Respeito e carinho para com a diversidade da vida que cobre a mãe-terra, enriquecida pela ação criadora das pessoas podem transformar esse paradigma hoje reinante em mesas fartas e comunidades sorridentes.

 

Casa da Cultura do Urubuí /Amazonas, 25 de março de 2011.

Enviada por Ruben Siqueira.

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