Trabalhadores ameaçados são libertados de carvoaria

Cozinha improvisada era protegida com lonas plásticas; não havia água encanada (Foto: MPT)

 

As vítimas estavam submetidas a condições degradantes de trabalho e eram constantemente ameaçadas. O empregador confessou já ter agredido um trabalhador, com socos e chutes. Os trabalhadores declararam ainda que o patrão andava armado para intimidá-los. Entretanto, os agentes da PF não localizaram nenhuma arma de fogo no local.

A carvoaria fica dentro da Fazenda Pedra Branca, cujo proprietário é Ivandro Luís Ramos, morador de Luís Eduardo Magalhães (BA). De acordo com a apuração da fiscalização, Ivandro tem um contrato de arrendamento rural e cedeu a área para que Antônio fizesse a limpeza da terra e utilizasse a vegetação como matéria prima na fabricação de carvão vegetal. Esse tipo de “acordo” é comum, pois simplifica a “limpeza” do terreno para que o proprietário possa formar pastagem com vistas à criação de gado bovino.

A alimentação servida aos libertados era preparada com sal destinado aos bois e não sal de cozinha. A comida era preparada sem as mínimas condições de higiene, em uma cozinha improvisada, próxima aos alojamentos. As refeições eram realizadas no meio do mato, próximo aos fornos de carvão ou em torras de madeiras, usadas como bancos. Os empregados não tinham proteção contra sol ou chuva, animais domésticos ou silvestres.

De acordo com a procuradora do trabalho Ana Raquel Souza Sampaio, os trabalhadores consumiam água vinda de uma cisterna, sem passar por nenhum processo de filtragem. Além disso, dividiam uma mesma tampa de garrafa térmica durante a jornada.

Havia duas frentes de trabalho, com dez fornos em funcionamento, sem instalações sanitárias e com exposição a altas temperaturas. Não eram fornecidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) .

As cargas de carvão era carregadas no ombro e alguns trabalhavam sem camisa. “Apesar da alta temperatura e da grande quantidade de fumaça e poeira, nenhum dos trabalhadores utilizava qualquer protetor respiratório. Alguns, inclusive, laboravam sem camisa, usando apenas bermuda e chinelo”, descreve a procuradora do trabalho.

Foram identificadas várias irregularidades nos dormitórios. O local estava em péssimo estado de conservação e limpeza. Os banheiros estavam sem portas e sem cobertura no teto, além de paredes sujas e vasos sanitários sem tampa. “Estavam alojados de modo completamente precário”, acrescenta Ana Raquel, que atua como representante do MPT em Gurupi (TO).

Os trabalhadores foram contratados entre novembro do ano passado e janeiro deste ano. Eles não eram migrantes de regiões distantes. Eram moradores da região, mas não a ponto de ir e voltar todos os dias. Dos 20 libertados, 18 não tinham assinatura na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS). Os pagamentos eram feitos de forma irregular.

O advogado do empregador chegou a preparar e apresentar documentos assinados pelos trabalhadores em que eles próprios declaravam retornar uma vez por mês para suas casas e que, portanto, não estavam sendo submetidos a condições análogas à escravidão. “Isso não tem nenhuma validade diante do flagrante”, comenta a procuradora.

Após a fiscalização, a carvoaria foi interditada e houve assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no qual o empregador se comprometeu a melhorar as condições de trabalho, entre outras obrigações. Ele pagou R$ 1 mil de dano moral individual para cada trabalhador, além de R$ 5 mil por dano moral coletivo, que será convertido em comprar para os setores de saúde e educação, segundo a procuradora do trabalho.

Gameleira

A primeira propriedade a ser fiscalizada na mesma operação pelo grupo móvel foi a Carvoaria Gameleira, localizada no Assentamento Gameleira, Zona Rural do Município de Formoso do Araguaia (TO). A propriedade pertence aos irmãos Marcus Guimarães de Castro e Mateus Guimarães Castro.

Foram constatadas diversas irregularidades referentes ao meio ambiente de trabalho. De acordo com Ana Raquel, o banheiro existente no local estava em estado precário e sem cobertura no teto.

Nos alojamentos, foram identificadas mais irregularidades. As motosserras eram armazenadas no mesmo local onde os empregados dormiam. Uma mulher, que trabalha como cozinheira, também estava morando no local. No entanto, não há banheiro e alojamento separado para ela.

As funções dos trabalhadores eram o preparo do carvão e o carregamento do produto até o caminhão. A fiscalização constatou que a escada utilizada no carregamento era inadequada. “O empregado levava os sacos de carvão diretamente nas costas, sem qualquer segurança”, detalha a procuradora do Trabalho, que acompanhou a ação.

Durante as entrevistas, foi constatado que as carteiras de trabalho da maioria dos trabalhadores estavam assinadas. “Eles informaram que a remuneração consiste em um salário mínimo acrescido da produção, atingindo valores entre R$ 600 e R$ 900”, explica Ana Raquel.

Os trabalhadores disseram que os alimentos e objetos de uso pessoal são fornecidos sem que haja desconto nos salários. Não houve reclamações sobre a qualidade da comida preparada no refeitório. “Eles manifestaram vontade de permanecerem trabalhando no local”, disse a procuradora.

Os empregadores assinaram TAC com a finalidade de adequar o meio ambiente de trabalho. Comprometram-se a imprimir e encaminhar ao MPT de Gurupi (TO) 20 mil cartilhas sobre combate ao trabalho degradante em carvoarias. Os proprietários poderão pagar até R$ 10 mil de multa por item descumprido, valor a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A reportagem não conseguiu localizar os empregadores para registrar seus respectivos posicionamentos relativos às fiscalizações.

http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1873

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