Quilombolas de Minas Gerais recebem apoio do Governo Federal

Fotos: PFE/Incra
As explosões são constantes, provocando rachaduras nos imóveis

Da Assessoria de Comunicação do Incra

A Procuradoria Federal Especializada junto ao Incra (PFE/Incra) esteve em Paracatu, em Minas Gerais, nos últimos dias 2 e 3 de março, para discutir uma série de questões relacionadas à proteção das três comunidades remanescentes de quilombo que estão instaladas no município desde o século XIX e há mais de 20 anos sofrem com os impactos ambientais e com o avanço sobre o território quilombola das atividades da mineradora canadense Kinross Brasil Mineração S.A.

Com o mesmo objetivo, também estiveram na cidade representantes de outros órgãos federais, como a Fundação Cultural Palmares (FCP), a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), além da conciliadora do procedimento conciliatório sobre o caso, que está em andamento na Câmara de Conciliação da Advocacia Geral da União (AGU).

AS COMUNIDADES

No município, o grupo visitou as comunidades quilombolas de Machadinho, São Domingos e Família dos Amaros, a fim de constatar os impactos ambientais que as atingem, em decorrência da exploração mineral, bem como as dificuldades que elas enfrentam para manter a posse do território. A situação mais difícil é a de São Domingos, a única das três comunidades que ainda se preserva no local onde historicamente foi instalada. Adjacente à área da mineradora, os quilombolas encontram dificuldade de plantar pequenas roças, devido à qualidade do solo; não podem mais usar a água do córrego São Domingos que, segundo eles, está contaminada e sofrem com as explosões que ocorrem diariamente na Mina do Ouro.

“Eles soltam bomba todos os dias, teve uma explosão tão grande que o ventilador caiu da geladeira”, relata Luiza Ferreira Gomes, quilombola que mora na comunidade.

Outro problema enfrentado pelos remanescentes de São Domingos é a pressão por parte da empresa para que eles saiam das proximidades da exploração do ouro, mediante a compra das posses dos imóveis. Luiza Gomes afirma que já recebeu oferta da Kinross para que ela vendesse seu imóvel, mas refutou a proposta.

“Não queremos sair daqui, onde eu e minha família toda nascemos. É muito tranquilo, podemos até dormir de porta aberta, mas dizem que estamos em cima do ouro, não sei o que vai ser de nós, porque parece que eles são donos do mundo, né?”, disse Luiza Gomes.

MACHADINHO

Da comunidade de Machadinho, 60 famílias lutam para retomar suas terras que foram expropriadas a partir dos anos 60 por fazendeiros da região e hoje são de posse da mineradora. Outras 13 famílias que viviam no território da comunidade, mas não se reconhecem como quilombolas, venderam a posse das suas propriedades para a Kinross e foram indenizadas. Os valores giram em torno de 50 a 100 mil reais. Com vocação para o trabalho rural, os remanescentes de Machadinho e da Família dos Amaros vivem hoje na cidade em condições que eles consideram piores do que era no local onde foram criados. Eles moram na periferia e a maioria dos homens teve que trabalhar como pedreiro para sustentar suas famílias, o que aumenta o desejo de retornar ao local de origem.

“Não é questão de recompensa financeira, cada um quer sua terra, criar sua galinha, seu porco. Essa cidade não é boa para viver”, explicou Maria Abadia Pereira, da comunidade Família dos Amaros.

Também pertencente à Família dos Amaros, o senhor Moacir e sua esposa Cândida eram os últimos que ainda permaneciam no território, mas tiveram de deixar a comunidade em novembro do ano passado. Segundo o relato dos quilombolas, eles deixaram o local depois que Moacir sofreu dois acidentes vasculares celebrais que teriam sido provocados pela pressão exercida pela empresa para que eles saíssem da área.

MEIO AMBIENTE

No dia 3 de março último, o grupo envolvido no procedimento conciliatório se reuniu com o promotor de justiça do Ministério Público Estadual (MP-MG) e curador de meio ambiente de Paracatu, Daniel dos Santos Rodrigues, que participou da elaboração de um termo de compromisso celebrado entre o MP e a mineradora. Frequentemente, a empresa é alvo de denúncias da população local, que a acusam de provocar danos ambientais que comprometem o bem estar dos habitantes da cidade. Segundo o promotor, o termo firmado é resultado de um inquérito civil que tramita desde 2004 e objetiva fiscalizar as condicionantes das licenças ambientais expedidas pelos órgãos ambientais estaduais e a aplicação dos recursos de compensação ambiental. O que motivou o inquérito e posteriormente a celebração do acordo foi a expansão das atividades da mineradora na Mina Morro do Ouro. Na investigação, foram realizados estudos sobre a qualidade do ar, água e solo da região.

LICENÇAS

O tema mais recorrente na reunião foram as licenças ambientais que autorizam a extração do minério pela Kinross, que foram expedidas de acordo com a expansão das fronteiras de exploração do ouro, isto é, a cada nova área explorada, uma nova licença concedida.  Essa constatação evidencia a necessidade de uma avaliação de todo o empreendimento, para que os órgãos ambientais possam conceder uma licença global que contemple todos os aspectos da atividade da mineraria efetivamente realizada no morro do ouro.

“Com a expansão de um empreendimento de mineração, maior cuidado deve existir com as atividades relacionadas, de modo que os estudos de impacto de cada uma delas deve ser feito em conjunto e não de forma compartimentada, o que poderia prejudicar o levantamento de todos os danos ambientais possíveis de serem causados”, defendeu a procuradora federal do Incra, Paula Renata Fonseca.

De acordo com o promotor, essa proposta chegou a ser levada ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), mas não foi aprovada. No dia seguinte à reunião, o Ministério Público realizou uma audiência pública na câmara municipal de Paracatu, para apresentar o conteúdo do termo de compromisso à população do município.

“A fiscalização da sociedade é muito importante para o cumprimento do acordo. Qualquer indício de descumprimento deve ser imediatamente comunicado ao MP”, declarou Daniel dos Santos.

Já o promotor de justiça e coordenador regional das promotorias de meio ambiente do Alto do São Francisco, Mauro Fonseca Ellovitch, acredita que o documento representa segurança jurídica de cumprimento das normas ambientais, uma vez que pode diminuir a possibilidade de ingerência políticas nos órgãos de meio ambiente.

“Além disso, se a empresa terminar as suas atividades e deixar um buraco no lugar na mineração, já teremos garantido pelo menos uma parte do recurso para recuperação”, completou o promotor, citando a compensação ambiental prevista no termo.

No entanto, apesar do otimismo do Ministério Público, os moradores de Paracatu que participaram da audiência consideram insuficientes as medidas apresentadas no termo. Um dos paracatuenses que tomaram a palavra, o professor Márcio José dos Santos, afirmou que as medidas previstas “nada acrescentam à realidade, pois, como eles mesmos afirmam, referem-se a determinações legais que não precisam de acordo para serem cumpridas, e ademais afirma que a empresa já as cumpre. Ou então, se o Ajuste de Conduta é necessário, é porque a empresa não as cumpre. Por outro lado, a lei é Magna, não depende de acordos para que se cumpra”. O professor também discordou da maneira como acordo foi conduzido, que, segundo ele, ocorreu sem a participação da população local, sobretudo dos mais atingidos pelo impacto causado pela mineradora.

“Não foi um processo aberto, mas centralizador e autoritário, que expressa a relação de poder que existe na sociedade brasileira”, declarou.

Para Paula Renata Fonseca, a audiência pública foi essencial para “confirmarmos que a atuação da mineradora na cidade causa impactos não apenas às comunidades quilombolas, mas afeta a qualidade de vida dos demais cidadãos”. Segundo ela, suspeitas de contaminação do ar, do solo e da água ainda são investigadas e existem fortes indícios de que tais impactos não são suficientemente monitorados e controlados, de modo que não há um consenso de apoio da população de Paracatu às atividades da mineradora.

Nova Audiência

No próximo dia 12 de abril, a Câmara de Conciliação da AGU realizará, na Câmara Municipal de Paracatu, outra audiência pública para tratar das questões fundiárias que envolvem os conflitos entre as comunidades quilombolas e a Kinross. Além da conciliadora, Luciane Moessa, dos quilombolas e de representantes da empresa, participarão também o Incra, a Fundação Cultural Palmares, o DNPM, o Ibama, a Procuradoria Geral da União (PGU) e a Procuradoria Geral Federal (PGF).

Termo de compromisso

Medidas do termo de compromisso celebrado entre a Kinross e o Ministério Público Estadual de Minas Gerais:

  • Não minerar sem licença ambiental e cumprir as condicionantes;
  • Regularizar a averbação das reservas legais de todos os imóveis da empresa;
  • Somente adquirir insumos minerais e vegetais de fornecedores licenciados;
  • Implantar projeto de rede otimizada de monitoramento da qualidade do ar;
  • Elaborar e executar PRAD + PAFEN + Barragens + Projeto de Reabilitação;
  • Adotar medidas para garantir a integridade da barragem de dejetos, bem como protocolos a serem seguidos em caso de emergência;
  • Garantia financeira: depósitos anuais de um milhão de reais durante a exploração;
  • Realização de criterioso e detalhado estudo epidemiológico/ambiental para avaliar os índices de arsênio na área influenciada;
  • Compensação ambiental de R$12 milhões em projetos de relevância ambiental na bacia do rio São Francisco e/ou implantação e manutenção de unidades de conservação.
Fotos: PFE/Incra.
Fotos: PFE/IncraImpactos ambientais provocados pela mineradora canadense Kinross Brasil Mineração S.A. são grandes.

http://www.palmares.gov.br/?p=9775

 

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