O que acontece sem a energia nuclear?

O mundo aposta nos possíveis substitutos do átomo. As fontes renováveis competem com as centrais em termos de custo. A eletricidade do futuro será mais verde, mas não mais barata. A reportagem é de Maurizio Ricci, publicada no jornal La Repubblica, 16-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

E agora? Se o pós-Fukushima, assim como o pós-Chernobyl, inaugurasse uma segunda era pós-nuclear, o mundo estaria destinado a uma paralisia, além disso escura, fria e intoxicada por petróleo e carvão?

Na realidade, embora muitos defendam que o átomo é uma escolha conveniente, ninguém jamais disse que se trata de um caminho obrigatório. A cota da energia nuclear na oferta de energia mundial está relativamente contida. Hoje está em 16%. Na Itália, se a Enel [maior operadora de eletricidade do país] realizasse as quatro centrais que tem programada, passaríamos de zero para 12-13%. Mas, no mundo, de acordo com a maior parte das previsões, antes de Fukushima, a cota do átomo devia permanecer mais ou menos em 16%, a não ser que houvesse uma drástica reviravolta na luta contra o efeito estufa.

Outras energias

E o “renascimento nuclear” do qual se fala já há tanto tempo? Em grande medida, consiste, mais do que no alargamento do número total das centrais, na substituição das velhas instalações, construídos nos anos 60 e 70. A história da energia dos próximos anos, dizem também as companhias petrolíferas, será o boom das fontes renováveis. Painéis e turbinas já não são mais brinquedos, mas constituem megainstalações, capazes de rivalizar, em termos de eletricidade fornecida, com as centrais tradicionais.

Um gigante do petróleo como a BP prevê que, em 2030, a cota das renováveis, na oferta de energia, será igual à da nuclear. Porém, esse montante da de energia mundial, hoje fornecido pelo átomo, é uma massa conspícua, e substituí-lo não parece ser simples. Ao contrário, nos últimos meses, acumularam-se estudos e relatórios que indicam o objetivo de uma energia, toda (ou quase toda) renovável, excluindo também a nuclear, como perfeitamente possível, sem interferir no nosso modo de vida. A afirmação é de ambientalistas como WWFGreenpeace, mas também de sérios e reconhecidos institutos como o McKinsey, uma das maiores sociedades de consultoria do mundo.

O defeito desses relatórios é que colocam o objetivo para 2050, um pouco longe demais dos problemas de hoje. O problema, porém, não é técnico. Embora saltos tecnológicos (como a introdução das películas no lugar dos custosos painéis fotovoltaicos, ou de espelhos planos, ao invés de côncavos, nas centrais termossolares) dariam um novo estímulo às energias alternativas, esses relatórios fazem as suas contas com base na técnica atual. As escolhas decisivas são, principalmente, políticas e, portanto, poderiam ser aceleradas. Além disso, para ter eletricidade nuclear na Itália também teríamos que esperar até 2025-2030.

De quais renováveis estamos falando? Os experimentos em curso são múltiplos: ondas, marés, correntes, calor da terra, salinidade do mar. De fato, as tecnologias consolidadas são três: a solar (nas duas formas dos painéis fotovoltaicos e das centrais de concentração, que produzem vapor com o calor do sol) e a eólica.

Todas as três devem o seu desenvolvimento aos incentivos públicos. Mas também a energia nuclear (sob a forma de garantias nos empréstimos ou de preços garantidos), e, em muitos países, os próprios combustíveis fósseis gozam de facilidades de vários títulos: as polêmicas entre os dois alinhamentos com relação às respectivas ajudas públicas alcançam periodicamente graus elevadíssimos. Em todo o caso, uma gigantesca conversão de gás, carvão, petróleo e energia nuclear ao sol e ao vento não seria nada gratuita. O Energy Report da WWF calcula um gasto de um trilhão de euros por ano. Parecem ser mais do que são na realidade. Uma boa parte desse dinheiro deveria ir para a melhoria da eficiência no uso da energia. Particularmente, para realizar o isolamento térmico dos edifícios que, provavelmente, deveriam ser construídos. E a maior parte do restante para construir centrais que, também elas, deveriam ser construídas, tradicionais ou não.

Grande parte do parque de instalações, pelo menos no Ocidente, é constituído pelas centrais, de carvão ou nucleares, construídas nas primeiras décadas do pós-guerra, que estão alcançando o fim da vida ativa. Desse ponto de vista, as decisões que forem tomadas nos próximos três a cinco anos sobre o tipo de centrais a serem construídas (tradicionais, nucleares, alternativas) serão determinantes para o estabelecimento do futuro da energia mundial.

Custos

No debate, será determinante o problema dos custos. A gigantesca extensão de turbinas a vento, que o governo de Londres conta instalar ao longo das costas inglesas, tem um custo mais ou menos igual ao de centrais nucleares de potência semelhante. O motivo não é que as turbinas custam tanto quanto os reatores. Mas sim que uma central atômica produz energia 24 horas por dia, sete dias por semana, enquanto uma central eólica fornece energia, em média, durante um terço do tempo possível: depende do vento que há.

A volatilidade das provisões é, hoje, o maior obstáculo ao desenvolvimento das energias alternativas. As companhias elétricas têm dificuldade para abrir suas próprias redes a uma cota superior a 20-30% de renováveis, porque não têm certeza que teriam essa energia se dela precisassem. A taxa de incerteza está se reduzindo, na realidade. Hoje, as previsões meteorológicas permitem acertar, com 1.836 horas de antecipação, a situação do sol e do vento. Os desenvolvimentos técnicos, no caso das centrais solares de concentração, permitem, além disso, armazenar energia por sempre mais tempo, mesmo depois do pôr do sol. Mas, enquanto houver baterias a serem carregadas, quando houver muita energia de vento ou de sol, quando houver pouca, as fontes alternativas pareceriam destinadas a acrescentar sua própria eletricidade às fontes tradicionais ao invés de a substituí-las.

A menos que, como nos relatórios que circularam nestes meses, pense-se ainda maior. No fundo, se não há vento ou sol aqui, há provavelmente duas baías mais além. Ou na África ou na Escandinávia. O Desertec é um gigantesco projeto que prevê a união da eletricidade produzida por centrais solares na África e eólicas no Norte da Europa e distribuí-la, depois, em todo o continente. E também a ideia da Super-Rede, um pool europeu de energia para intercambiar as provisões das diversas energias alternativas. Mas é possível pensar também em um nível menor, contanto que se aceite algum compromisso. Quem fez isso foram ambientalistas pragmáticos, como os da Worldwatch. Segundo o seu presidente, Christopher Flavin, a verdadeira ponte para um futuro da energia totalmente de fontes alternativas é um combustível fóssil: o metano.

O gás, ao contrário da energia nuclear, produz gás carbônico – e, portanto, efeito estufa – embora em uma medida inferior do que o carvão e o petróleo. Nos últimos anos, uma série de modificações nas técnicas de extração o tornaram, surpreendentemente, econômico e abundante. Flavin destaca que uma central de gás custa cerca de um décimo da instalação nuclear equivalente. Pode ser de dimensões reduzidas. Principalmente, ao contrário de uma nuclear atômica, que deve estar permanentemente em funcionamento, possivelmente no máximo da capacidade, ela pode ser facilmente desligada, ligada ou atuar em um regime menor. O complemento perfeito, segundo Flavin, para uma central eólica ou solar, às quais se somaria, fornecendo energia nos momentos de queda da produção.

Nada de tudo isso, juram os autores dos relatórios sobre o futuro das fontes alternativas, incidirá sobre o nosso modo de vida.

De resto, ainda hoje, se reestruturarmos nossas casas, teremos que montar janelas isolantes. E, com a tarifa bi-horária [taxas diferenciadas da energia, dependendo do horário do consumo], é conveniente ligar a lavadora de noite ou no final de semana, quando a demanda de eletricidade é mais baixa.

Os relatórios, entretanto, estão menos dispostos a abordar o tamanho das contas a serem pagas. Mas, com ou sem a energia nuclear, é difícil não pensar que as contas irão aumentar: a era da energia de baixo custo, no futuro previsível, acabou.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=41457

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