O professor Luiz Pinguelli Rosa publicou na Folha de S. Paulo, no último dia 12 de fevereiro, um artigo defendendo a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Um de seus principais argumentos foi o preço oficial que a sociedade pagaria por sua energia: R$ 68/MWh, em comparação com o das novas termelétricas, de R$ 140/MWh.
Achei curioso o professor acreditar na manutenção dos R$ 68 e por outro lado citar tão genericamente a redução do fluxo no canal principal do rio. “A solução é garantir uma vazão mínima (pelo leito original do rio)”, escreve.
De quanto seria essa tal vazão mínima? Ela garantiria a sobrevivência dos peixes e a navegabilidade do rio? É difícil acreditar, principalmente para quem conhece a região e sabe que durante boa parte do ano o Xingu já praticamente não corre. A água para mover as turbinas principais da barragem seria desviada do leito do Xingu por canais gigantescos. Quanto mais água passar pelo leito natural do rio, menos energia será gerada pela água desviada pelos canais. É evidente que o consórcio vai repassar essa conta ao consumidor.
O valor apontado ignora ainda uma série de custos ligados aos serviços ambientais que o rio Xingu preservado presta à sociedade, como a produção de peixes e a preservação da biodiversidade. O professor também observou que a área inundada de Belo Monte (516 km²) praticamente se restringiria àquela ocupada pelo rio em sua variação sazonal, como se isso justificasse o alagamento.
Ele parece desconhecer que estamos tratando de ecossistemas adaptados a um certo nível de alagamento em período curto do ano e que inevitavelmente se degradariam com o alagamento permanente (liberando o nefasto gás metano e fazendo com que as hidrelétricas da Amazônia contribuam tanto ou mais para o efeito estufa do que as termelétricas de potência equivalente, segundo apontam estudos científicos).
De toda forma, os impactos indiretos de Belo Monte seriam muito maiores que os diretos. A imigração prevista de dezenas de milhares de pessoas para a região já começou e já causa desmatamentos em uma escala sem precedentes. Tudo isto tem um custo, não considerado por Pinguelli.
Pensando nacionalmente, sabe-se que as florestas preservadas da bacia do Xingu contribuem em muito para o regime de chuvas do resto do país. É possível estimar economicamente o valor desta chuva, pois a devastação da floresta traria prejuízos financeiros calculáveis para a agricultura e para a indústria, que depende de água para produzir. Sem falar no abastecimento das nossas cidades.
Localmente, podemos enumerar os custos sociais causados pelo aumento da violência resultante do inchaço populacional repentino, pelas doenças causadas pelo enorme volume de água parada em uma região tropical e pela perda do apelo turístico, com o fim das corredeiras e das maravilhosas praias de areia branca.
São custos de Belo Monte que precisam ser considerados, o que não foi feito adequadamente, devido a terríveis pressões políticas, como registraram os próprios técnicos do Ibama, que não aprovaram o projeto. Mas que ainda podem ser evitados se a obra for cancelada. Essa luta está apenas começando.
Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) em Altamira, e faz parte do Painel de Especialistas para a Avaliação Independente dos Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte.
Artigo originalmente enviado para o jornal Folha de S. Paulo, que não se dispôs a publicar essa resposta de um professor atuante na principal instituição de pesquisa da localidade mais afetada pelo empreendimento da barragem de Belo Monte.
http://www.correiocidadania.com.br/content/view/5583/9/