Salvador, uma cidade de bolhas e de vãos

Suzana Varjão
Por Suzana Varjão (*)

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— “Quem é você, adivinha… “

Ao soarem os primeiros acordes do bloco, o formigueiro multicolorido agita-se. Braços erguidos, acompanha, em uníssono, as estrofes do velho hit carnavalesco. A Cleópatra loura acerca-se da havaiana morena, sorri, estende as mãos, canta a plenos pulmões.

— “…se gosta de mim…”

O Batman barrigudo sai metendo o cotovelo, abrindo caminho (vai sem Robin. Não parece contaminado pela alegria coletiva); a enfermeira de bigode segura a saia da bailarina de pernas peludas e rodopia, rodopia, rodopia…

— “O amor de Julieta e Romeu. O amor de Julieta e Romeu. Igualzinho ao meu e ao seu…”

A luz da câmera de uma TV encandeia a multidão. O samurai vira o rosto, cutuca o baixinho de sunga preta, vai saindo de fininho. O cortejo segue pelas ruas bêbadas de luz, luxúria e som.

O Menino nem-tão-menino-assim Maluquinho entorna a lata de cerveja, joga-a no chão. Um homem abaixa-se, pega o recipiente e sorve-o sofregamente. É negro e esquálido. Veste colete verde numerado e bermuda jeans estilo esfarrapado. No rosto, uma cicatriz.

Após o gesto rápido, furtivo, o moço retorna ao posto de trabalho, junto a outras dezenas de mulheres e homens, quase todos negros e fardados, que margeiam o mundo de fantasia do bloco.

Eles quase não vêem o que acontece à volta. Os olhos de quase todos varrem, ansiosos, o chão. Espreitam latas vazias, que recolhem, amassam e colocam nos sacos de lixo amarrados ao cós da calça.
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“Questão urbana foi rifada pelo governo Lula, pelo PT e aparentemente pelo governo Dilma”

No que já se tornou uma regra, o verão brasileiro mais uma vez foi permeado por desastres oriundos de chuvas. Chuvas e catástrofes são praticamente sinônimas nestes tristes trópicos. Em São Paulo, maior metrópole do país, a espiral de problemas trazidos pelas chuvas tem tornado a cidade cada vez mais insustentável, bastando alguns minutos de chuva para deixar de funcionar.

Em entrevista ao Correio da Cidadania, a urbanista e professora da FAU-USP Ermínia Maricato descreve um panorama desalentador a respeito da gestão de uma cidade, que, mesmo afundando, não traz indícios de reversão das atuais lógicas predatórias de ocupação do solo. O domínio da especulação imobiliária e a incessante construção de vias asfaltadas, que agrava o quadro de “uma das maiores áreas impermeáveis do mundo”, articulam-se a partir de poderosos grupos e interesses econômicos, que imperam cada vez mais soberanos em meio ao descaso público e à apatia social.

Em face destas constatações, a recente tomada do Ministério das Cidades por interesses políticos imediatos, assim como o estrondoso corte de verbas de que foi vítima, em pleno começo de uma nova gestão presidencial, nem mesmo chegam a ser surpreendentes. “Os governantes começam obras que eles podem acabar em quatro anos. Drenagem e sistema de transporte de massa não são obras para quatro anos. Toda a criação de uma gestão sobre o solo não é coisa de curto prazo”.
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