“Meu nome é Sebastião Henrique S. Lima, servidor de carreira do INCRA desde 1983 e desde 2004 trabalho no setor de regularização de territórios quilombolas na superintendência estadual do INCRA no Rio Grande do Sul.
A pedido da Coordenação Nacional de Regularização de Territórios Quilombolas do INCRA, o setor de regularização de territórios quilombolas do INCRA/RS ficou responsável de fazer o transporte da comunidade ao aeroporto do Sr. Diosmar Rosa, presidente da Associação Quilombola Dona Quitéria, representante da comunidade quilombola de Casca, situada a aproximadamente 160 km de Porto alegre, no município de Mostardas. Para que o referido Sr. participasse da solenidade de entrega de títulos de terras pelo Presidente da Republica em um município do interior do estado de São Paulo. Infelizmente por problemas meteorológicos (chuvas), este evento foi suspenso e transferido para o dia 14 de dezembro em Brasília.
Ao buscar o Sr Diosmar no aeroporto de Porto Alegre de seu retorno de São Paulo para levá-lo de volta à sua comunidade, o mesmo comentou a forma em que ele e outros quilombolas foram tratados em São Paulo. Segundo o seu Diosmar, eles ficaram em uma pousada em que foram muito bem tratados pelos funcionários da mesma, mas que ele se sentiu quase que abandonado, pois ninguém da SEPPIR ou de outro órgão vieram conversar com eles sobre a suspensão e adiamento da solenidade e dar outras explicações e orientações. O seu Diosmar também disse que não recebeu qualquer recurso financeiro, como diárias ou qualquer outra ajuda de custo. Que os quilombolas mostraram insatisfação com a situação e foram pedir informações para a única “autoridade” mais próxima deles, que era o motorista de uma van, que fez o transporte deles até a pousada onde estavam alojados. Esta “autoridade” levou-os a um hotel na cidade, onde estavam os servidores da SEPPIR e de outros órgãos e que depois de reclamarem, alguns até de forma veemente, receberam trinta reais como ajuda de custo. O seu Diosmar relatou que se sentiu humilhado com esta situação e que ele um homem de 82 anos, merecia um tratamento mais respeitoso e que se sentiu constrangido com a situação.
No dia seguinte, ao deixar o seu Diosmar em sua comunidade, procurei informações junto à SEPPIR sobre os acontecimentos narrados por ele. Falei com a servidora Josilene da Subcom da SEPPIR, e ela me disse que não foi do jeito que o seu Diosmar narrou, que os quilombolas ficaram muito bem alojados, e que o seu Diosmar não tinha recebido as diárias a que tinha direito por que não tinha informado a sua conta bancária. Mesmo confiando no relato de seu Diosmar, a explicação da Sra. Josilene dava o fato como encerrado, o que infelizmente aconteceu, e que a displicência com os quilombolas narrados pelo seu Diosmar, se houve, não aconteceria mais. Mas, infelizmente aconteceu de novo, como relato a seguir.
Com o adiamento e transferência da solenidade de entrega de títulos para o dia 14 de dezembro em Brasília, mais uma vez fomos solicitados a dar as condições de transporte para o seu Diosmar de sua comunidade ao aeroporto e vice-versa. E mais uma vez fui voluntário e designado para cumprir tal tarefa.
No dia 13 de dezembro, preocupado com o seu Diosmar em função de seus 82 anos e de ele não ser acostumado a viajar sozinho, entrei em contato com a Sra. Josilene da SEPPIR e transmiti a ela minha preocupação com a viagem do seu Diosmar em função do horário inadequado e principalmente com a conexão e mudança de aeronave em São Paulo, o que poderia confundi-lo.Ela me garantiu que ele teria acompanhamento na sua chegada no aeroporto e que eu não me preocupasse, pois tudo estava muito bem organizado, inclusive, desta vez ele receberia os valores referentes às diárias, via boleto bancário. E também me enviou via e-mail a reserva com os horários dos vôos de ida e de volta de seu Diosmar.
Dia 16 de dezembro, às 11:45hs, como constava na informação recebida da SEPPIR, através da Sra Rosilene, fui ao aeroporto buscar o seu Diosmar para levá-lo de volta à sua comunidade. Para minha surpresa, ele não chegou. Procurei a companhia aérea e fui informado que ele não tinha embarcado e que não tinham informações se ele estaria em outro vôo. Retornei ao INCRA/RS e tentei contato com a SEPPIR; tentei vários números telefônicos, e nenhum atendia. Liguei, então, para o gabinete do ministro e depois de muita insistência uma funcionária conseguiu ligar para o celular da Sra. Josilene, que me disse que havia acontecido um engano com o horário da viagem de volta de seu Diosmar, mas que ele embarcaria em outro avião, e que ela me informaria do horário do mesmo. Alguns minutos depois, ela me ligou e me informou o vôo e o horário de chegada do seu Diosmar em Porto Alegre.
Às onze horas da noite do dia 16 de dezembro, o Sr. Diosmar da Rosa, presidente da primeira comunidade quilombola reconhecida no Rio Grande do Sul, retornou a Porto Alegre.
O Sr. Diosmar ao chegar a Porto Alegre me relatou que chegou em Brasília às 2hs da madrugada, do dia 14 de dezembro e que teve uma pessoa no aeroporto que o conduziu a uma pousada. Que no dia 15 de dezembro teve uma crise renal e que como não sabia a quem recorrer; solicitou ajuda de outros quilombolas, que também estavam hospedados na mesma pousada, que o levaram a um hospital, onde foi usada uma sonda para que o mesmo pudesse urinar. Foi medicado e retornou a pousada sem nenhum apoio de ninguém da SEPPIR, pois na pousada em que estavam os quilombolas, não estava hospedado nenhum servidor da SEPPIR ou de qualquer outro órgão público para dar apoio aos quilombolas.
No dia seguinte, dia 16/12, dia do retorno a Porto Alegre, ele ainda não tinha se recuperado do dia anterior, ficou em seu quarto. Ninguém da SEPPIR foi procurá-lo para avisá-lo da viagem e consequentemente transportá-lo ao aeroporto. A passagem dele estava marcada para sair de Brasília aproximadamente as 7hs da manhã com chegada as 11:40h em Porto Alegre. Informação passada para mim pela própria SEPPIR, através do e-mail [email protected]. Somente próximo das 14 hs o chamaram, o colocaram em um carro e o levaram ao aeroporto e o deixaram lá, não ficando nenhum servidor para ajudá-lo nos procedimentos de embarque. Depois de algum tempo, sem saber o que fazer, foi ajudado por outros quilombolas, chegou ao balcão da empresa aérea, foi informado de que ele não estava na lista de passageiros, pois o seu vôo já havia saído, e que a única forma de ele voltar para Porto Alegre era comprando uma passagem de volta. Como ele estava sem acompanhamento, a não ser de quilombolas de outros estados, que tentaram por varias vezes e não conseguiram contatos via telefone celular com funcionários da SEPPIR, pois
os mesmos estavam, segundo informações de uma servidora do gabinete do Ministro da SEPPIR, em um restaurante em confraternização de fim de ano. Ele se viu obrigado a pagar R$ 466,00, por uma outra passagem, para retornar para Porto Alegre.
No dia 17 de dezembro liguei para a SubCom da SEPPIR ,buscando informações sobre o acontecido. Falei com um funcionário que tentou explicar o que aconteceu, como não conseguiu, disse que passaria o assunto para pessoas com mais autoridade, e que posteriormente entraria em contato com o INCRA/RS e daria as explicações necessárias.
Fiz todo este relato anterior, com todos os detalhes, para que todos entendam o contexto que aconteceram estes fatos, de mau tratamento ou de no mínimo displicência com um quilombola de 82 anos e mesmo que não fosse quilombola, seria displicência também.
É inaceitável o tratamento dado ao Sr. Diosmar da Rosa, um senhor de 82 anos, sem experiência em viagens, nas duas solenidades, a de São Paulo que foi cancelada e principalmente em Brasília, onde ele, doente teve de recorrer a outros quilombolas para levá-lo ao hospital, pois não teve apoio da SEPPIR ou de outro órgão, em uma situação de extrema urgência como esta.
Também não se pode aceitar o “esquecimento” do horário da viagem de volta para Porto Alegre, pois foi a própria SEPPIR que me enviou os horários dos vôos Como poderiam esquecer?
Um senhor de 82 anos fica em uma pousada, sem orientação alguma, de como proceder, fica doente e se não fosse o apoio de outros quilombolas, que o levaram ao hospital, poderia ter sido muito perigoso para ele, colocando em risco, inclusive a própria vida.
Como justificar o abandono que o seu Diosmar foi colocado no aeroporto de Brasília, sem orientação de como proceder, sem ter um telefone em que alguém atendesse para ajudá-lo. E o absurdo de ter que pagar a própria passagem para voltar para a sua casa, o que deve ser imediatamente ressarcido.
Não se pode deixar fatos como esse serem tratados como meros erros administrativos, não são. São, sim, um desrespeito a um quilombola, que com seus 82 anos, já sofreu muitos constrangimentos na sua vida e que se tornou um lutador contra esses constrangimentos e é um símbolo da luta, não só pelo seu território, mas de todos os territórios quilombolas no Brasil. Não foi só um ato de displicência de servidores públicos com uma pessoa. Foi um ato de desimportância a alguém que representa uma parte da população muito importante para todo o povo brasileiro e que merecia mais respeito e dedicação de quem tinha essa obrigação.
Tentei junto a SUBCOM da SEPPIR alguma explicação sobre os fatos, informaram que alguém com autoridade iria ligar para o INCRA/RS, até agora não aconteceu. Então faço esta denúncia, que distribuirei aos órgãos públicos, MPF e organizações do movimento social”.
Sebastião Henrique Santos Lima
Servidor público federal.
Lotado na Superintendência do INCRA/RS
Serviço de regularização de quilombos.