Belo Monte: um mega-projeto com mega-riscos para a sociedade brasileira

O relatório “Mega-projeto, Mega-riscos” vem em bom momento, como um alerta inequívoco de que Belo Monte é ainda um mega-projeto que pode se tranformar em mega-obra com mega-riscos para a sociedade.

Telma Monteiro

Uma publicação lançada no dia 23 de dezembro analisa os principais riscos financeiros, legais e de reputação para os investidores e a sociedade como um todo, se for construido o Complexo Hidrelétrico Belo Monte, no rio Xingu, Pará.  Na forma de relatório estão descritas as incertezas sociais, ambientais, tecnológicas, econômicas e jurídicas que caracterizam o empreendimento.

Os riscos financeiros são inerentes a qualquer projeto e devem ser estimados para minimizar a possibilidade de que erros de cálculo possam resultar em irreparáveis perdas para a sociedade. O relatório “Mega-projeto, Mega-riscos” mostra os cuidados que devem cercar projetos como o Complexo Belo Monte, que envolvem dinheiro público garantido pela emissão de títulos do Tesouro Nacional, além de vultosos investimentos de fundos de pensão.

A análise foi feita tendo como referência um extenso material baseado em  riscos financeiros,  legais e de reputação. Os autores[1] adotaram uma metodologia semelhante à das agências de rating, que permite enxergar como os riscos de um projeto como o de Belo Monte podem recair sobre a parte mais vulnerável: as populações tradicionais locais, povos indígenas e a biodiversidade.

Os principais fatores de risco financeiro identificados no relatório incluem aqueles associados às incertezas sobre os custos e quantitativos para a construção do empreendimento  –  fatores geológicos e topológicos, de engenharia e de instabilidade, em valores de mercado; aqueles relacionados à incógnita que é a capacidade de geração de energia –  devido à  sazonalidade do rio Xingu (que se agravará com as mudanças climáticas) e à baixa retenção esperada dos reservatórios, se confirmada a decisão do Conselho Nacional de Política Energética  (CNPE) de proibir a criação de outros reservatórios a montante (rio acima) para regularizar a vazão do rio; e à incapacidade do empreendedor de atender os programas de mitigação e de compensação exigidos no processo de licenciamento.

Os riscos financeiros poderiam se desdobrar em riscos legais e de reputação que levariam a grandes prejuizos  para o erário. Esses riscos refletem o fato de que preceitos legais, nacionais e internacionais, sobre direitos humanos e proteção do meio ambiente e outras políticas e “salvaguardas” de responsabilidade socioambiental têm sido desconsiderados no planejamento energético e no processo de licenciamento ambiental do projeto.

Um dos principais pontos que o relatório aborda diz respeito ao Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que tomou a decisão de emprestar diretamente os recursos necessários para construir Belo Monte.  Para tanto o Conselho Monetário Nacional (CMN) tomou a decisão, em abril de 2010, de aumentar os recursos disponíveis no BNDES para financiar hidrelétricas. O alvo seria Belo Monte. Essa decisão foi um disfarce para ajudar a viabilizar o empreendimento, usando dinheiro do Tesouro Nacional.

Construir Belo Monte é um risco, e isso está claro no relatório Mega-projeto, Mega-riscos. Os recursos para financiar obras civis, máquinas e equipamentos nacionais, montagens, planos de mitigação de impactos sociais e ambientais, treinamento e infra-estrutura social, poderiam atingir até 80% do valor (im)previsto para o empreendimento. É preciso deixar claro que esse valor ainda não está definido e, conforme as diversas fontes de informação, ele variaria entre R$25 e R$40 bilhões.

Mesmo que o BNDES tenha critérios que estabeleçam em 25% do patrimônio de referência do banco o limite para empréstimos a um único grupo econômico (R$ 14,5 bilhões no caso de Belo Monte), esse seria o maior financiamento na história do banco, superando o empréstimo para Jirau, no rio Madeira, de R$11 bilhões. É o papel do BNDES fazer uma avaliação dos riscos que assombram o empreendimento, amplamente divulgados por alguns setores da sociedade. São riscos financeiros associados aos altos custos de mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais.

O BNDES, para surpresa de todos, aprovou o empréstimo para a construção do empreendimento e anunciou um dia antes do lançamento do relatório “Mega-projeto, Mega-riscos”, um adiantamento de R$ 1,087 bilhão para Belo Monte, sem ter conhecimento da decisão do Ibama sobre se há ou não condições de emitir a Licença de Instalação, indispensável para dar início às obras.  O modelo de classificação de risco do BNDES, hoje questionado por economistas, foi desenvolvido ao longo de 1993 pelo Departamento de Crédito e continua em uso.

Outros pontos importantes são abordados no relatório, como o descumprimento da política ambiental do Grupo Eletrobras pelas subsidiárias Eletronorte e  CHESF, que juntas lideram o consórcio Norte Energia, vencedor do leilão de Belo Monte  com 49,8% da SPE. Deveriam “estar em conformidade com as políticas públicas, em especial aquelas relativas a meio ambiente, recursos hídricos, mudanças climáticas e energia, com os marcos legais e regulatórios pertinentes, bem como com os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário”.

Os fundos de pensão detêm 25% da SPE Norte Energia e, além das políticas de responsabilidade social e ambiental, são signatários dos Princípios para o Investimento Responsável da ONU (UN-PRI). A participação dos fundos de pensão, que foi forçada pelo governo federal, dá a dimensão dos riscos de investir em Belo Monte, já que alguns conselheiros votaram contra.  No caso da Previ, que pretende financiar 10% de Belo Monte de maneira indireta,  o conselheiro Paulo Assunção argumentou que o empreendimento teria baixa rentabilidade; a Fundação Caixa Econômica Federal (Funcef) planeja injetar  R$ 163 milhões, 2,5% do seu capital; a Petros quer contribuir  com R$ 650 milhões,  mesmo sem a aprovação de sua Diretoria Executiva e do Conselho Deliberativo.

Riscos de construção vão desde incertezas sobre os dados geológicos, escavações de rocha e solo – apontados em acórdão do TCU – até a cota máxima a ser atingida quando o reservatório estiver cheio e que poderia afetar uma população maior do que a prevista. Riscos de operação, riscos jurídicos, risco de perda da diversidade, riscos sociais – migração desenfreada, saúde, riscos de extinção de indígenas em isolamento voluntário, tudo está muito bem delineado no relatório.

O relatório vem em bom momento, como um alerta inequívoco de que Belo Monte é um mega-projeto que pode se tranformar numa mega-obra com mega-riscos para a sociedade. As falhas irresponsáveis nos processos de planejamento e licenciamento nada mais são que um reflexo dos interesses  políticos que se sobrepõe à justiça e às leis vigentes no Brasil.

Leia o relatório na íntegra, clicando aqui.

[1] Brent Millikan – International Rivers, Roland Widmer – Eco-Finanças – Amigos da Terra, Amazônia Brasileira, Telma Monteiro, socioambientalista e pesquisadora e Zachary Hurwitz – International Rivers.

http://telmadmonteiro.blogspot.com/2010/12/belo-monte-um-mega-projeto-com-mega.html

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