MT – Índios Ikpeng mantêm as tradições, com um pé na modernidade

Por Juliana Tiraboschi, da Redação Yahoo! Brasil, no Parque Indígena do Xingu (MT)*

Os Ikpeng, etnia indígena que vive no Parque do Xingu, no Mato Grosso, possuem um forte senso de preservação de sua cultura. A preocupação em não perder todo o conhecimento e história que acumularam é o que impulsiona iniciativas como oficinas de vídeo e a fundação da Mawo – Casa de Cultura Ikpeng, uma espécie de museu que vai abrigar gravações, fotos, desenhos, mapas e textos que trate da cultura da comunidade.

Com as oficinas, os Ikpeng pegaram gosto pela sétima arte e já produziram alguns filmes. O mais recente é “Som tximna yukunany”, ou “Gravando som”, em português, um documentário que começou a ser filmado em 2008 e retrata a festa do Yumpuno, o momento mais importante do Moyuo, rito de passagem que marca o momento em que as crianças (principalmente meninos) de cerca de 9 a 10 anos começam a ingressar na vida adulta.

Normalmente, o processo dura entre um ano e um ano e meio. Entre os rituais estão a organização de festas pelas famílias das crianças e o oferecimento de presentes para os padrinhos. Antigamente, os regalos mais cobiçados eram artefatos como cocares, cestos e arcos. Hoje, os objetos mais valorizados são cobertores, bacias, caldeirões, sandálias Havaianas, lenhas e redes. Por causa da “gastança” exigida pelas festas e presentes, nem todos os índios têm condições de submeter seus filhos aos ritos.

Durante os meses de rituais, as crianças não podem comer doces ou peixes gordurosos, entre outras restrições alimentares; não podem cortar o cabelo e nem dançar nas festas. Os garotos devem aprender a ser fortes e resistentes. Até alguns anos atrás, eles eram levados para a mata para caçar. Hoje, essa parte do processo está enfraquecida.

Passado esse período, acontece a festa final, o Yumpuno. Os meninos dançam a noite toda, de mãos dadas com os padrinhos, “para absorver o conhecimento deles”, diz Maiuá Ikpeng, professor e secretário da Casa de Cultura Ikpeng. Quando o dia amanhece, as crianças são tatuadas no rosto com o desenho característico dos Ikpeng. A marca é feita com espinho de tucum, e a tinta é produzida com uma mistura de carvão e resina de jatobá. “Depois disso eles ganham respeito”, diz Maiuá. E estão prontos para serem verdadeiros Ikpeng.

Juventude Ikpeng

As meninas também podem participar do rito, embora isso seja mais raro, explica o professor Korotowi Ikpeng. As mulheres têm um processo próprio, que envolve isolamento após a primeira menstruação.

Depois de iniciados no mundo adulto, meninos e meninas já podem pensar em um compromisso mais sério, o que acontece por volta dos 14 a 15 anos. “Antes os jovens trocavam mais de namorada (o) e casavam mais tarde. Hoje eles começam a namorar e já casam”, diz Maiuá Ikpeng. “Eles estão mais precoces, antes passavam mais tempo aprendendo a caçar, a fazer flecha, antes de casar”, completa Korotowi.

Com o casamento precoce, muitas meninas deixam de estudar antes de completar o equivalente à oitava série. Se depender da índia Akuyalu Ikpeng, uma das lideranças femininas da comunidade, isso não vai acontecer com as suas filhas. Aos 30 anos, mãe de um menino de 17 anos, duas garotas de 14 e 10 e com um caçula de 6, ela mesma frequentou a escola e diz que o marido nunca interferiu nos estudos. “Mas se uma delas quiser se casar cedo, tudo bem”, afirma.

Males modernos

Outra mudança percebida em muitas aldeias nos últimos anos é a alimentação mais pobre e o sedentarismo, que está deixando mais índios fora de forma e tem feito surgir mais casos de doenças como o diabetes. Se antes eles remavam, hoje usam barcos motorizados. Se antes caminhavam mais, hoje usam motocicletas para se locomover. É claro que eles não devem deixar de usar esses equipamentos, que facilitam a vida e o trabalho. Mas, se não houver um cuidado, a população indígena pode vir a sofrer dos mesmos males que vemos crescer nas cidades, como o excesso de peso. “Os mesmos problemas que nos afetam os atingem também”, diz a antropóloga e pesquisadora Carmem Junqueira, professora da PUC-SP.

Embora esses problemas não sejam muito visíveis na comunidade Ikpeng, há uma certa preocupação com a diminuição da fartura de comida. “Tem havido uma substituição dos alimentos tradicionais, como mandioca, inhame, milho e frutas por itens como arroz, feijão, macarrão, biscoito e açúcar”, diz a professora Maria Cristina Troncarelli, que desde 1984 realiza projetos no Parque Indígena do Xingu. Aulas sobre nutrição e encontros com as mulheres da comunidade têm ajudado a minimizar o problema.

Vida na floresta

Outra questão importante para os Ikpeng é a preservação do meio ambiente. Além de exercerem um trabalho de vigilância e apreensão de invasores em seu território, chamam a atenção para outro de seus maiores inimigos: as hidrelétricas. A usina de Belo Monte, que será construída no rio Xingu, no Pará, preocupa, mas outros empreendimentos mais próximos podem afetar mais ainda a vida dos Ikpeng, como a pequena central hidrelétrica Paranatinga II, que fica entre os municípios de Campinópolis e Paranatinga (MT) e já está em operação, e a usina Teles Pires, na divisa entre Mato Grosso e Pará, prevista para entrar em funcionamento em 2016. “Essas hidrelétricas desviam o curso da água e acabam com os peixes. Ou seca o rio, ou alaga e acaba com o mato”, diz Furigá Ikpeng, uma das jovens lideranças locais.

Outra questão importante é o desmatamento em áreas nas fronteiras do parque. É por isso que os Ikpeng, coordenados pelas mulheres da comunidade, participam do projeto Y Ikatu Xingu, da ONG Instituto Sócioambiental. As índias coletam sementes que são vendidas a agricultores para reflorestar áreas devastadas na bacia do rio Xingu. Até hoje, já foram restaurados mais de dois mil hectares de matas ciliares em pequenas, médias e grandes propriedades rurais e em assentamentos de reforma agrária. Além de contribuir para a recuperação vegetal, as mulheres ainda encontraram uma nova fonte de renda.

“O projeto de coleta de sementes começou por uma demanda interna”, diz o engenheiro florestal Marcus Schmidt, assessor técnico da Associação Indígena Moygu Comunidade Ikpeng. Mais conhecido como “Topé”, nome dado pelos índios Kaiabi, o pesquisador já participou de projetos de levantamento de dados e manejo florestal para ajudar a criar novas técnicas de plantio. Antigamente, como eram nômades, os Ikpeng não precisavam se preocupar com o replantio. Agora, como já estão há mais de vinte anos situados no mesmo local, precisam repensar seu modo de usar a terra. “O manejo tradicional não responde mais ao sedentarismo”, diz Topé. Para ele, é importante envolver os jovens no trabalho florestal e não limitar os índios a coletores de sementes, mas ajudá-los a transformar eles mesmos em consultores técnicos, já que possuem um conhecimento inigualável sobre a floresta.

http://br.noticias.yahoo.com/s/16122010/48/manchetes-indios-ikpeng-mantem-tradicoes-pe.html

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