Dois livros recém-publicados revisitam a acidentada trajetória de João Cândido Felisberto, personagem central da Revolta da Chibata, ocorrida em 1910 para[br]encerrar os maus-tratos então vigentes na Marinha. O artigo é de Lilia Moritz Schwarcz, professora titular do Departamento de Antropologia da USP, e publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 18-12-2010. Eis o artigo.
Muitas vezes a realidade acaba por se mostrar bem mais criativa do que a própria imaginação. Se são muitos os exemplos retirados da história, arrisco aqui mais um: o caso de João Cândido Felisberto. Marinheiro de formação, filho de ex-escravos, participou da Revolta da Chibata de 1910, transformando-se em líder do movimento, quando ganhou a alcunha de Almirante Negro. A história dessa insurreição popular, até hoje pouco contada entre nós, faz parte da lógica dos vários levantes que assolaram a, assim chamada, República Velha, que nasceu prometendo a igualdade, mas acabou entregando a exclusão social. Se a princípio a República foi saudada como um movimento cidadão, e de distribuição equânime de direitos – afastado de vez o fantasma da escravidão -, já o cotidiano se mostrou muito distinto.
A Reforma do Prefeito Pereira Passos transformou o Rio de Janeiro em um cartão-postal do novo Brasil moderno, mas tratou de expulsar boa parte da população pobre para os arredores da cidade: os subúrbios cariocas, cada vez mais apinhados de gente e carentes de infraestrutura ou das benesses do progresso. Exemplo de insatisfação podem ser encontrados nas palavras de uma série de intelectuais, coetâneos, como Lima Barreto ou Euclides da Cunha – descontentes com “a República que não foi”. Termômetro aquecido são as inúmeras revoltas que estouram nesse momento, anunciando críticas de toda sorte: Canudos (1897-1900) a Revolta da Armada (1902-3), a Revolta da Vacina (1904), Contestado (1912), e finalmente a Revolta da Chibata.
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