Congresso: reflexões sobre tráfico de pessoas na visão das vítimas

Tatiana Félix *

Adital – Um dos momentos mais esperados ontem (9), no mini-auditório do Banco do Nordeste (BNB), em Fortaleza, no Ceará, local onde estava sendo realizado o Congresso “Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas”, foi o depoimento das vítimas desta rede criminosa.

O boliviano Wilbert Rivas Pena relembrou sua chegada a São Paulo (SP), para o que seria um emprego promissor que duraria apenas seis meses… Ele relatou que em 2006 era um estudante universitário em La Paz, cidade boliviana, quando soube de um emprego temporário em São Paulo. Wilbert decidiu então tentar a sorte, já que estava desempregado há cerca de seis meses e pensou que não prejudicaria seus estudos.

Mas, ao chegar à cidade brasileira, o tal emprego era, na verdade, um trabalho em uma oficina de costura, com jornadas exaustivas que ultrapassa 15 horas diárias de produção. Infelizmente, essa é uma realidade, comum na maior cidade do país, onde centenas de oficinas de costura exploram bolivianos, paraguaios e também brasileiros, em condições análogas à escravidão, em instalações precárias e alimentação escassa.

Hoje, Wilbert deu a volta por cima e é Educador Social do Centro de Apoio ao Migrante (CAMI). Atualmente ele luta por melhores políticas migratórias que não criminalize os migrantes e que dê condições dignas para quem vai para outro território em busca de uma vida melhor. “Precisamos de uma política de migração que seja justa, solidária e que respeite os migrantes”, disse.

Já Rosarina Sampaio, presidenta da Federação Nacional das trabalhadoras do sexo, criticou a maneira criminalizada, como as prostitutas são tratadas e a definição de vítima do tráfico humano. Para ela, mulheres adultas que vão para outra cidade, cientes da profissão que irão exercer, mesmo que sejam exploradas ou mantidas sob ameaça, não podem ser consideradas vítimas do tráfico, como prevê o Protocolo de Palermo que tipifica o tráfico de pessoas.

Ela disse ainda que uma pesquisa feita pela Federação revelou que, apesar de existirem muitas prostitutas traficadas, a maioria das meninas que vai para o exterior não é prostituta, e sim, “jovens e adolescentes que são pobres, moram na periferia, que têm filhos cedo e que sonham com uma vida melhor”.

Vulnerabilidade é um dos maiores problemas do Tráfico de Pessoas

A vulnerabilidade e a auto-colocação da vítima em risco constituem um dos maiores problemas encontrados por quem lida com pessoas traficadas. E é justamente da condição de vulnerabilidade, fragilidade e carência das vítimas, que se aproveita a rede organizada do comércio de vidas humanas, que atua de modo sutil e oculto, enganando pessoas com falsas promessas de trabalho.

O procurador da República em Goiás, Daniel de Resende Salgado, aprofundou a questão e disse que existe também o problema da não aceitação da vítima do tráfico como tal, já que, em muitos casos, a pessoa traficada vê no aliciador um aliado, e não alguém que a captou para ser explorada por uma rede criminosa. A não aceitação da vítima dificulta o processo de investigação e repressão ao crime.

A vulnerabilidade não está relacionada apenas com a situação econômica precária. De acordo com Daniel, o preconceito existente sobre pessoas que optam por uma orientação sexual diferente da que é aceita tradicionalmente, também influencia para que elas se tornem vítimas em potencial. Para exemplificar, ele citou o caso de travestis. Ele relatou que em uma ocasião questionou para uma travesti, que embarcaria para o exterior, se não tinha medo da violência que poderia sofrer lá fora. A resposta foi que ela não sofreria mais violência do que a que já tinha sofrido em sua casa, nas ruas e em instituições, inclusive em abrigos.

Por causa de situações como estas é que ele ressaltou a importância das campanhas de conscientização, mas, enfatizou que é preciso haver uma reformulação nas mensagens. “Temos que nos antecipar aos aliciadores, porque no momento em que o traficante convence a vítima, dificilmente alguém tira da cabeça dela a proposta recebida”, comentou.

O Congresso foi realizado pelo Instituto de Estudos, Direitos e Cidadania (IEDC), em parceria com a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e com apoio do BNB.

* Jornalista da Adital

http://www.adital.com.br/hotsite_trafico/noticia.asp?lang=PT&cod=53032

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.