Comunidade dos Luízes: enquanto a regularização fundiária não chega, Prefeitura de BH aprova construções na área quilombola

MIRIAM APRIGIO PEREIRA

O “Quilombo dos Luízes”, situado no bairro Grajaú, região Oeste de Belo Horizonte, vem respeitosamente pedir sua atenção e colaboração mediante o exposto a seguir:

Há no Brasil, hoje, cerca de três mil comunidades quilombolas. De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), as áreas remanescentes de quilombos se encontram tanto em regiões rurais como também em centros urbanos. Contudo, as comunidades localizadas nas grandes cidades estão correndo risco de desaparecerem. A especulação imobiliária e o tempo despendido no processo de emissão do título de propriedade são fatores determinantes para a maior ou menor possibilidade de sobrevivência do quilombo. Após decisão, em 2ª instância, do Judiciário Federal em Minas Gerais, o “Quilombo dos Luízes” viu suas chances diminuírem ainda mais.

Estamos lutando há pelo menos 100 anos para proteger não só o nosso território mas também nossa cultura, costumes e valores. Depois de conseguirmos, em 2010, na Justiça Federal, por meio da atuação da Defensoria Pública da União, liminar para paralisar obras de construtora em área pertencente à nossa comunidade, a mesma foi suspensa em instância superior. Mesmo tendo em mãos recente parecer do Incra declarando que os lotes atribuídos ao empreendimento estão dentro do território quilombola, o desembargador acatou a alegação do empreendedor que clamou pelo direito de propriedade. Outro processo está em andamento, pois a expansão imobiliária já reduziu aproximadamente 60% do terreno original.

A Prefeitura de Belo Horizonte continua expedindo alvarás de construção porque a regularização fundiária do território caminha a passos lentos. Embora o título de propriedade não tenha sido emitido pelo Incra, a Constituição Federal de 1988 já nos garantiu este direito: o art.68 do ADCT assegura que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida à propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Comunidade dos Luízes

Segundo a definição do Incra, “As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias”.

Nossa história começa antes mesmo da inauguração da então capital mineira, ao final do Séc. XIX, quando abolida a escravidão. A saga dos Luízes teve seu início com as uniões entre o ex-escravo Nicolau e Felicíssima. Desta união, nasceu Vitalino, que, por sua vez, casou-se com Maria Luiza, esta, filha de Anna Apolinária, escrava liberta, com origem em Nova Lima e de Manoel Luiz Moreira.

Nicolau recebeu uma gleba de terras à beira do Córrego Piteiras, hoje, Av. Silva Lobo, como compensação por trabalhos escravos. O primeiro registro de transferência das terras que se tem, data de 1895/1896, quando teria sido transmitido 6050 m2 ou 6950 m2. Porém, no Relatório Antropológico de Caracterização, Histórica, Econômica e Sócio-cultural do Quilombo dos Luízes “há referências consistentes sobre a existência de um território original, margeando todo o córrego, denominado Fazenda Piteiras, ocupado pelos filhos de Nicolau, com extensão de aproximadamente 18.000 m2”.

Relatório Técnico Antropológico

Em 2005, o Incra deu início ao processo de regularização fundiária de nossa comunidade. Um dos pilares desse procedimento é o Relatório Antropológico de Caracterização, Histórica, Econômica e Sócio-cultural realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais.

O documento concluiu que a área caracteriza-se, de fato, como uma comunidade quilombola e alerta: “Este território está marcado, como se verá, por intensa competição espacial com outros segmentos sociais, agravada nas últimas décadas com perdas importantes de espaços vitais e tradicionais, obrigando o grupo a assumir defesas contínuas, de todo tipo de posse dos limites originais do espaço, muitas vezes em vão ou com pouco sucesso, dado o considerável poder político e econômico dos novos ocupantes”.

Para que este quilombo não desapareça, peço que se mobilizem e partilhem conosco esta luta que não é só nossa, pois se trata da preservação de um patrimônio histórico e cultural.

Atenciosamente,

Quilombolas da Comunidade dos Luízes

MIRIAM APRIGIO PEREIRA / 31-92873606
Historiadora e Quilombola da Comunidade dos Luízes

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