Adital – Nos últimos anos, o discurso ambientalista vem ganhando força no debate sobre os direitos humanos. Um dos grandes nomes dessa discussão é o argentino Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Nobel da Paz de 1980.
Após militar pelo fim das ditaduras na América Latina, o ativista se engajou na luta pela preservação da natureza. Em Curitiba, neste fim de semana, Esquivel conversou com a Gazeta do Povo. Para ele, é preciso que o homem restabeleça o equilíbrio com o meio ambiente e que a humanidade pense em um novo contrato social. “Os instrumentos atuais não servem. Precisamos repensar quem somos, o que queremos e aonde vamos”, diz.
O argentino defende a ideia de que a paz não pode ser individualista e personalista e que o modelo econômico atual coloca em risco a vida na Terra. Hoje Esquivel, com 79 anos, dedica-se a auxiliar organizações latino-americanas que defendem os direitos humanos e viaja o mundo divulgando essas experiências. Ele preside ainda o Serviço de Paz e Justiça (Serpaj). A entrevista é de Paola Carriel e está publicada no jornal Gazeta do Povo, 22-11-2010.
Hoje o conceito de paz é discutido a partir de um ponto de vista holístico, com uma visão integradora entre homem e natureza. Por quê?
A paz tem relação com a mãe natureza. Antes de falar de meio ambiente, é preciso falar de ambiente. Primeiro é preciso restabelecer o equilíbrio entre o homem e a mãe natureza. Não somos todo, somos parte. Uma gota de água é todo o mar e todo o mar está nesta gota de água. Assim é o ser humano. Somos parte. O que ocorre é que os interesses econômicos levaram à destruição do ambiente e a um dano profundo à Terra, o que põe em risco a vida planetária. A paz não é uma ausência de conflito, mas uma dinâmica permanente da vida, das relações humanas, da natureza. Creio que, quando chegarmos ao equilíbrio, podemos encontrar a paz. Ninguém pode dar aquilo que não tem. Se não temos paz dentro da gente, não podemos compartilhá-la. Não pode haver paz individualista e personalista.
O senhor diz que estamos gerando uma monocultura das mentes e que isso é perigoso. Por quê?
É perigoso porque impõe um pensamento único. Há a morte das identidades, do sentimento de pertencimento e dos valores. Se isso ocorre, nosso povo, identidade e espiritualidade desaparecem. Deixamos de ter uma identidade e uma memória. Os povos que não têm memória desaparecem, são dominados e escravizados. O monocultivo das mentes e da terra, essa hegemonia cultural, está provocando danos profundos na humanidade. Teremos de ter a capacidade de resistência política, espiritual, cultural, econômica. E, para isso, é importante uma educação libertadora, como Paulo Freire nos ensinou a usar a consciência crítica. Mas, dentro desta situação trágica, teremos de descobrir signos de esperança. E há muitos.
Quais são esses signos de esperança?
Estive com o Movimento dos Sem-Terra e percebi que eles têm, por exemplo, a missão da soberania alimentar e da autonomia do pequeno agricultor. São eles que garantirão a soberania alimentar planetária e não as grandes corporações. Outro exemplo é o movimento de mulheres. Em todo o mundo, a cada dia as mulheres têm um papel mais importante. É uma capacidade que antes a opressão do machismo não permitia aparecer. E isso foi conquistado. Além disso, há os povos originários, que são os grandes ecologistas. Eles não destroem, utilizam com sabedoria a biodiversidade. Por outro lado, temos enormes desafios. Precisamos de um novo contrato social em escala planetária. Os instrumentos atuais não servem. Precisamos repensar quem somos, o que queremos e aonde vamos. Como vamos restabelecer novamente o equilíbrio destruído? Uma coisa é ver, outra enxergar. Hoje vemos, mas não enxergamos. Precisamos apreciar a beleza da criação.
No que o mundo avançou desde que o senhor ganhou o prêmio?
Nada fica estático em uma sociedade, há uma dinâmica permanente de transformação da vida. Uma evolução. Nunca somos iguais, nem no âmbito pessoal. Muito mudou no mundo. Caiu o Muro de Berlim, se desintegrou a União Soviética, os Estados Unidos passaram a ser hegemônicos, vieram as guerras do Afeganistão e do Iraque. Mas ainda há fome no mundo. Milhares de crianças morrem de fome todos os dias. É um genocídio silencioso, quando, por exemplo, se destrói gradativamente a mãe natureza ou se incentiva a monocultura. A mãe natureza nunca teve monocultura. Quem criou isso fomos nós, em um afã mercantilista.
Há setores da sociedade que criticam a emergência do autoritarismo na América Latina. Qual a sua opinião?
Os grupos de poder falam do autoritarismo dos outros, quando eles próprios o são. Autoritário é se impor como em uma ditadura. A autoridade tem respaldo do povo. Antes na Bolívia havia pobreza e miséria absoluta. Os indígenas eram completamente excluídos. Havia tubulação de gás passando em frente de suas casas e eles não tinham gás. Quem é autoritário? A Bolívia está livre do analfabetismo. Democracia significa direitos e igualdades para todos e todas e não para alguns. Os monopólios são os monocultivos da mente. Te dizem o que deve fazer e não há opções. Temos de ter a consciência de ser homens e mulheres livres.
Como foi a sua trajetória após receber o Prêmio Nobel?
Eu já era um ativista antes do Prêmio Nobel. Ele veio como conseqüência de um trabalho realizado em toda a América Latina. Assim, quando me outorgaram, não quis assumir como um título pessoal, mas em nome de todas as pessoas que fazem ações como essas em todo o continente. Para mim, o Nobel é um instrumento a serviço dos povos, não outra coisa. Nos últimos anos, seguimos trabalhando com as organizações populares, povos indígenas, camponeses, jovens. Sigo escrevendo e fazendo arte, publicando livros sobre as experiências positivas na América Latina e leciono na Universidade de Buenos Aires.
* Gazeta do Povo
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