Os comunistas transgênicos

Por Dioclécio Luz

O site Congresso em Foco está considerando o nome de Aldo Rebelo (PCdoB-SP) entre os cinco parlamentares que mais se destacaram em 2010 em defesa do meio ambiente para que o internauta escolha o melhor. Consta que a escolha dos cinco foi feita pelos jornalistas que atuam na Câmara.

Vamos direto ao assunto: a escolha de Aldo na lista de cinco demonstra que: ou os jornalistas que cobrem a Câmara dos Deputados e votaram nele não entendem nada de meio ambiente; ou vivem no mundo da lua. Em ambos os casos temos ignorância e desinformação de quem deveria, por dever de ofício, estar informado. Porque até as minhocas lá de casa sabem o que pensa o deputado Aldo Rebelo.

Talvez, com essa indicação, esses profissionais tenham sido cúmplices na reeleição de Aldo Rebelo. Quem teria votado nele? Quem votaria em alguém que se diz comunista e faz aliança com os ruralistas? Ah, isso dá uma boa tese na sociologia.

Mas quem é Aldo Rebelo?

Seu partido, o PCdoB, enfrentou a ditadura de armas na mão. É preciso coragem para fazer isso. Dizem que Aldo Rebelo estava lá, na linha de frente. Não duvido. Seu passado, dizem, é bom. Mas isso é passado. E bota passado nisso. Depois que chegou ao poder (foi ministro das Relações Institucionais de Lula), nos parece que Aldo viu que era bom ser poder. O poder é gostoso: atrai a bajulação, o conforto, dinheiro, e é até afrodisíaco. Parece que Aldo gostou.

Maioria apoiava os ruralistas

Alguém já disse que os melhores capatazes são aqueles que foram escravos. Talvez isso explique como alguém que lutou contra a ditadura resolveu se juntar aos artífices da ditadura. Talvez porque o emprego de capataz seja bem remunerado, a mesa é farta, tem poder. Não se trata aqui do operário que se torna patrão, mas do operário que ganha casa e comida e vira feitor. Alguns operários se satisfazem com isso e se acham patrões. Na verdade, são apenas capatazes – existem para obedecer aos patrões. Marx já tratou disso no Manifesto comunista, no século 19. Não há novidade.

A luta de classes tem disso. Um dia a gente descobre que aquele nosso aliado mais radical está do lado de lá. Para os patrões, parece que Aldo se saiu melhor que a encomenda: sua roupa vermelha confundiu a esquerda, fazendo-a imaginar que Aldo, comunista de partido, estaria ao seu lado. Ledo engano. Aldo já estava longe, na mesa com os patrões, comendo com os patrões, falando igual aos patrões, defendendo a fazenda dos patrões e os negócios dos patrões.

Todo mundo que lê jornal e vê TV sabe que Aldo já tinha debandando do marxismo nos idos de 2004. Na época, deixou de ser ministro das Relações Institucionais para, escolhido pelo governo e pela bancada ruralista, ocupar a relatoria do projeto que iria regulamentar o uso dos transgênicos no Brasil. Foi sua primeira aparição ao lado dos patrões. Ainda era visto como comunista, mas naquele momento parece que ele já estava de olho na roupa fina dos patrões; invejava a grife deles, o vinho francês, os badulaques da burguesia.

Não demorou muito, porém, para Aldo Rebelo mostrar sua nova face patronal, de capataz, de quem está morando na Casa Grande. Seguindo as ordens da bancada ruralista, o relator dos transgênicos promoveu audiências públicas, onde, “por coincidência”, a maioria dos convidados era sempre do lado dos ruralistas. O discurso de Aldo era igualzinho ao dessa turma: criticava aqueles que eram contra o modernismo, contra o avanço da história, e já batia nos ambientalistas, em especial nas ONGs com sede fora do país. Artigos publicados na Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e outros espaços reproduziram esse discurso.

Uma tecnologia medieval

A bem da verdade, é preciso deixar claro que Aldo Rebelo não estava só nessa conversão. Outro comunista histórico, Roberto Freire, camaleou, inventou o PPS e fazia o mesmo discurso dos ruralistas. Enfim, comunista convertido é um problema nacional porque vira tudo transgênico.

O relatório de Aldo para a lei dos transgênicos sinalizava claramente qual a sua posição transgênica: contra os movimentos sociais, os camponeses, os que fazem a agricultura familiar, os ambientalistas. De olho no poder, ele montou um relatório que era exatamente como a Casa Grande (os ruralistas) queria. Seu relatório, porém, não foi votado. Mas ele ficou bem na foto para os ruralistas e, graças a eles, Aldo chegou à presidência da Câmara. Momento importante: um pacto havia sido firmado. Os latifundiários sabiam que podiam contar com o “comunista” convertido.

Os jornalistas que cobrem a Câmara dos Deputados desconhecem esse fato?

Aldo assumiu e saiu da Presidência da Câmara. Quis voltar, claro – o poder é muito gostoso. Mas o governo não quis e ele dançou. Aldo sumiu.

Ele reapareceu em 2009. É quando o mundo fica sabendo que estavam ocorrendo mudanças climáticas e, no bojo, o aquecimento global – descobrimos que falta pouco para o planeta virar churrasco. Na verdade, se sabia disso há quase três décadas, mas agora se tornava público. O mundo também ficou sabendo que o desastre acontecia graças às ações criminosas do setor industrial e dos ruralistas com suas queimadas, política de monoculturas e outras ações predatórias ao meio ambiente. Estudos mostraram que os ruralistas, usando uma tecnologia medieval (pretensamente moderna porque tem a assinatura de órgãos como a Embrapa) estavam devastando o planeta.

O nome disso é biopirataria

Qual a solução encontrada pelos ruralistas para evitar as mudanças climáticas? Elas acharam duas saídas, digamos, exemplares: 1) negar que existisse aquecimento global; 2) mudar a lei (o Código Florestal) para continuar devastando.

No primeiro caso, encontraram cientistas que discordam do documento produzido pelo IPCC, órgão da ONU que mostrou que as mudanças estavam ocorrendo e o quê e quem as estava provocando. E defenderam publicamente esta posição.

Onde é que Aldo entra nessa história? Na saída número 2. Para mudar a lei, nada melhor que chamar um comunista transgênico: Aldo Rebelo. Com o apoio do governo federal e do Partido dos Trabalhadores (PT), que optou pela estratégia do avestruz, os ruralistas colocaram Aldo Rebelo como relator do projeto de mudança do Código Florestal.

Os jornalistas que votaram em Aldo não perceberam esse movimento?

Continuemos.

Aldo Rebelo fez um relatório como os senhores da Casa Grande queriam. Seu texto é um mea culpa católico que cheira a mofo porque incorpora as velhas queixas dos ruralistas contra os ambientalistas e contra as ONGs estrangeiras. Aldo arremete contra essas ONGs como se elas pretendessem dominar o Brasil. Até as minhocas lá de casa sabem que o perigo para o país não são as ONGs ambientalistas, estrangeiras ou nacionais, mas as grandes empresas, os grandes laboratórios que aqui se instalam e tomam posse (via patentes) da riqueza maior do Brasil – a sua biodiversidade. O nome disso é biopirataria. Mas mandaram Aldo escrever assim e assado e ele escreveu. Mais um pouco e Aldo Rebelo denunciava a pretensão comunista de dominar o mundo! Ainda bem que os ruralistas não lhe pediram isso.

Tragédia nacional nunca foi Tiririca

O relatório de Aldo Rebelo rendeu matéria em todos os grandes jornais, nas rádios e TVs. As grandes redes de comunicação no país mostraram que existiam pelo menos duas posições: a dos ruralistas (da Casa Grande, dos patrões) defendendo o documento feito por Aldo Rebelo; e a dos ambientalistas, ONGs, movimentos do campo, contrários ao texto. Nenhum ambientalista, nenhuma ONG foi favorável a esse relatório. Os jornalistas da Câmara que elegeram Aldo Rebelo não leem os jornais que escrevem?

O relatório de Aldo Rebelo para as mudanças no Código Florestal é uma peça sinistra que não cabe aqui detalhar; outros já fizeram. Basta apenas lembrar que Aldo chega ao extremo de negar as mudanças climáticas – porque lhe mandaram escrever isso. Mais, no afã de mostrar que não era tão igual aos ruralistas como parecia, achou por bem acrescentar, digamos, uma “erudição”. Ele cita poetas, escritores, filósofos e economistas, e entre estes, até Karl Marx! O que Marx tem a ver com essa peça política criada para agradar os patrões é difícil entender. Mas, sendo produzida por um deputado com essa desenvoltura transgênica, não poderia ser de outra forma.

Nada disso, porém, é sigilo. Todo mundo sabe disso. Os jornalistas da Câmara não sabiam? Não sabiam que o relatório de Aldo Rebelo é contra tudo que se entende por meio ambiente? Não perceberam que ele está na lista dos “deputados motosserra”, “exterminadores do futuro”, criada pelas ONGs ambientalistas? Se eles não conseguem ver algo tão escancarado como esta posição de Aldo Rebelo é de se imaginar o nível de cobertura que está sendo feito da Câmara dos Deputados. Talvez Brasília seja mesmo a tal ilha da fantasia, mas esses jornalistas, pelo visto, contribuem para isto.

Como disse José Simão, na Folha de S.Paulo: o problema não é Tiririca ser ignorante quanto ao que faz um deputado. O problema é São Paulo eleger Paulo Maluf (ficha suja) ou Aldo Rebelo (de olho no poder) – os dois sabem muito bem o que pode fazer um deputado. Tragédia nacional não é Tiririca, nunca foi. A tragédia são os mais sabidos. Alguns são tão sabidos que viram piada: impedido de se eleger, Joaquim Roriz, em Brasília, indica sua mulher como candidata ao governo. Ainda bem. Podia ser pior. Ele poderia indicar seu cachorro ou a geladeira…

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