Jesuíta basco em greve de fome pelos índios venezuelanos

O jesuíta basco José Maria Korta, de 80 anos, iniciou na última segunda-feira uma greve de fome indefinida na frente do Parlamento venezuelano para pedir a libertação do chefe indígena Sabino Romero Izarra, “injustamente detido”, e exigir que o governo de Hugo Chávez acate o mandato constitucional que faculta a esses grupos étnicos que façam justiça em suas comunidades e que sejam os próprios Yukpa que processem o preso.

A reportagem é do sítio Religión Digital, 24-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

As autoridades indígenas “poderão aplicar em seu habitat instâncias de justiça com base em suas tradições ancestrais”, diz o artigo da Constituição alegado por Korta.

Romero se viu envolvido em um enfrentamento armado pelos interesses mineiro-energéticos sobre a selva amazônica. O caso foi julgado pela jurisdição ordinária, na qual, segundo a defesa, se utilizaram “argumentos inconsistentes” para condená-lo. O evento ocorrido há um ano na Serra de Perijá, próximo da fronteira norte-ocidental com a Colômbia, provocou a morte de dois índios.

Korta, fundador da Universidade Indígena da Venezuela e com uma bagagem de mais de 40 anos de trabalho em favor das populações indígenas, acampou diante da sede da Assembleia Nacional portando um colchão, vários cobertores e um texto público em que explica as razões da sua decisão.

Embora mostre “admiração” pela política indigenista de Hugo Chávez, reclama que, durante 11 anos de governo revolucionário, não se soube implementar “o capítulo 8 da Constituição Bolivariana, que expressa de forma clara e contundente a consagração dos direitos dos povos originários da Venezuela”. Korta admitiu que o socialismo que Chávez promove “está teoricamente bem proposto, mas, na prática, não está sendo levado a cabo” e pode se transformar “em um processo socialista enganoso”.

Interesses e preocupações

A Serra de Perijá é uma reserva florestal de 300 mil hectares, onde criadores de gado e comunidades Yukpa se enfrentam periodicamente, e também com paramilitares, guerrilheiros e narcotraficantes colombianos. O jesuíta acrescentou que o conflito ocorrido foi fruto da “falta de delimitação do território Yukpa”, cobiçado por sua riqueza mineral em coltan [mistura de columbita e tantalita] e urânio. “Para mim, o principal problema é o capitalismo infiltrado dentro da revolução, que manipula juízes e faz com que as terras indígenas sigam sem ser demarcadas”.

A Companhia de Jesus da Venezuela expressou neste sábado seu respaldo a Korta. “Ele não exige nada para si, nem para movimento algum no qual ele possa se ver beneficiado, mas, em coerência existencial com o que foi a sua vida e a sua entrega, exige que se respeitem os direitos daqueles pelos quais ele lutou por mais de 40 anos na Venezuela”, detalhou, em um comunicado. “Dar a vida é um presente, com tal que um amigo se liberte”, assegurou neste sábado o jesuíta, em uma coletiva de imprensa aos pés do Parlamento rodeado de índios.

Solidariedade das ONGs

Por sua parte, a Fundação Causa Ameríndia e a ONG de direitos humanos Foro por la Vida se solidarizaram neste domingo com o jesuíta de 80 anos José María Korta, em greve de fome desde a última segunda-feira para pedir a libertação de um cacique indígena, mas pediram que cesse a greve dado o seu “frágil” estado de saúde.

“Ele tem 80 anos e está muito magro. Devemos velar pela saúde do nosso líder, porque é um homem muito valioso nas lutas indígenas do país e tem muito para dar”, disse o presidente da Fundação Causa Ameríndia, Luís Pérez.

Pérez espera que o conflito tenha “um desfecho rápido”, porque, assegurou, “conhecendo como Korta é radical, ele vai chegar até as últimas consequências”.

O jesuíta de origem basca, que mantém seu protesto na frente da sede da Assembleia Nacional, exige do governo do presidente Hugo Chávez a libertação do cacique Sabino Romero e de seus colaboradores Alexander Fernández e Olegario Romero.

Sabino Romero, considerado um dos dirigentes mais destacados da comunidade autóctone Yukpa, está preso desde o final do ano passado por seu suposto envolvimento em um tiroteio ocorrido no dia 13 de outubro de 2009, em uma zona da Serra de Perijá, que deixou dois índios mortos.

O episódio foi consequência da falta de demarcação do território da etnia Yukpa, destaca Korta, que exige do Executivo a demarcação dos territórios indígenas e que a Justiça acate o mandato constitucional que faculta aos indígenas que façam justiça em suas comunidades.

As autoridades indígenas “poderão aplicar em seu habitat instâncias de justiça com base em suas tradições ancestrais”, diz o artigo da Constituição alegado pelo jesuíta.

No Foro por la Vida, exigem que se execute com “urgência” a demarcação das terras e que se realize um julgamento “justo” para os índios presso, segundo um comunicado.

“Nós apoiamos todas as propostas de Korta e exigimos que se cumpra a Constituição para que os crimes que são imputados aos índios sejam julgados por instâncias tradicionais”, acrescentou Pérez.

O ativista se mostrou “satisfeito” com a “sensibilidade” que, a seu entender, a Assembleia Nacional e o Tribunal Supremo de Justiça venezuelanos estão tendo.

Nesse sentido, Pérez destacou a reunião que vários deputados da Assembleia tiveram neste sábado para tratar das reivindicações do grevista.

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