Segundo ele, “É digno de nota que lideranças católicas tenham se deixado envolver nesta armadilha eleitoreira”.
Raimundo Caramuru Barros é mestre em economia pelo Boston College, EUA. Foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e atuou como especialista nas áreas de transportes, trânsito e meio ambiente, dedicando-se em seguida à assessoria de diversas organizações não-governamentais. É autor de Desenvolvimento da Amazônia – como construir uma civilização da vida e a serviço dos seres vivos nessa região (Editora Paulus, 2009). Publicou livros e artigos sobre a Igreja no Brasil, entre eles, Dom Helder: Artesão da Paz, uma publicação do Senado Federal, volume 120.
Eis o artigo.
O valor “vida” entrou na campanha eleitoral de 2010 pelas portas do fundo. Pior ainda, o tema foi manipulado por chantagens de baixo nível publicitário com a intenção de confundir a mente do eleitor comum e assim conquistar dividendos eleitoreiros. Os manipuladores desta farsa não hesitaram em lançar mão de estratagemas os mais escusos (calúnia e mentiras) a fim de tirar proveito dos elevados ideais professados pelo cristianismo e por outras religiões, bem como por cientistas conceituados com respeito à dignidade intangível da vida humana em todos seus estágios e manifestações. É digno de nota que lideranças católicas tenham se deixado envolver nesta armadilha eleitoreira.
Mas, quando se lança um olhar retrospectivo sobre os 500 anos da nação brasileira, constatamos a presença de dois fatores estratégicos estreitamente articulados, visando destruir a “vida” na Terra de Santa Cruz. O primeiro foi a derrubada criminosa da pujante Mata Atlântica, que ornamentava e protegia a vida ao longo de grande parte da costa brasileira. As árvores que tombaram vítimas desta devastação insana foram vendidas a preços vis nos mercados internacionais. O segundo fator levado a cabo em articulação com o primeiro foi a implantação de uma sociedade regida pelo mercantilismo, substituído posteriormente pelo sistema capitalista. Esta iniciativa resultou em uma sociedade marcada pela escravidão da grande maioria de sua mão de obra durante quase três séculos, sob o domínio de uma minoria constituída pelos proprietários da terra, e posteriormente pelos capitães do agro negócio, do comércio, da economia mineral e da indústria, instalados principalmente no Sudeste do país.
Assim o Brasil chega aos umbrais do século XXI nocauteado por dois estigmas de morte: a destruição de parte importante de sua biodiversidade e a estrutura de uma sociedade corroída pela chaga de escorchantes desigualdades econômicas e sociais em decorrência de um modelo econômico concentrador de renda, que deixou na “rua da Amargura” mais da metade da população do país. A maneira mais efetiva de enfrentar esta monstruosa adversidade é colocar a “Vida” e os seres vivos como o eixo central de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil, buscando assim construir neste país uma “Civilização da Vida” e a serviço dos seres vivos.
Com efeito, a ciência contemporânea nas últimas seis a sete décadas alcançou notáveis progressos no conhecimento da “vida”, que corroboram a visão cristã decorrente do Desígnio divino de salvação e da centralidade do mistério de Cristo. Três dessas conclusões da investigação científica merecem destaque:
• A originalidade do fenômeno “vida”. Diversamente da matéria inorgânica e inerte, a natureza do ser vivo é constituída de relações múltiplas e dinâmicas, das quais o próprio ser vivo é o sujeito e centro de referência, em permanente interação com os demais seres vivos e com todo o meio ambiente que o circunda. O ser vivo dispõe da capacidade de se auto-produzir durante seu ciclo vital e de se reproduzir. O ser vivo é dotado da tendência inata de se aperfeiçoar ao longo de sua evolução. Para lograr esse aperfeiçoamento o ser vivo desenvolve um processo permanente de aprendizagem através de tentativa e erro.
• A solidariedade existente entre todos os seres vivos, desde o ínfimo microorganismo até o ser humano, visa o aperfeiçoamento recíproco.
• O ser humano dotado de racionalidade, emoção e livre arbítrio é responsável pela gestão desta solidariedade entre os seres vivos. Dada a sua imperfeição, o ser humano pode exercer seu poder gerencial para manter e aperfeiçoar esta solidariedade, como pode também contribuir para sua desintegração e destruição.
Esta concepção central e integrada da vida e dos seres vivos, postulada pela investigação científica contemporânea, já foi anunciada ao longo dos quatro últimos milênios no contexto da Revelação divina do Desígnio de Salvação e da centralidade do mistério de Cristo. Ela torna-se hoje a base de um novo modelo de desenvolvimento, que leva em conta a originalidade da vida no Planeta Terra, a solidariedade entre todos os seres vivos e a responsabilidade do ser humano em gerir este dom precioso. Esta responsabilidade exige do ser humano um profundo respeito pela vida, pela dignidade de cada pessoa humana, pela dignidade do conjunto da humanidade. Requer igualmente a promoção dos valores da fraternidade, da partilha, da cooperação solidária. Em contrapartida, a opção por esses valores supõe a renúncia aos modelos de desenvolvimento que conduzem ao massacre da biodiversidade, à concentração de renda e à proliferação das desigualdades socioeconômicas.
Neste início do século XXI trata-se de decidir se a sociedade brasileira renuncia ao modelo hoje em vigor máxime na Região Sudeste, caracterizado pela concentração de renda, muitas vezes a serviço de interesses do capital internacional. Trata-se ao mesmo tempo de assegurar que a maioria do povo brasileiro opte por este novo modelo de desenvolvimento renovador que precisa ser implantado com prioridade nas Regiões Nordeste, Norte, Centro Oeste e Sul, a fim de promover a elevação das condições de vida das camadas menos favorecidas da população destas Regiões. A implantação deste modelo capacitará todos aqueles e aquelas que por ele foram beneficiados a exercer mais efetivamente sua cidadania, e assim fazer valer todo o peso de seu voto democrático nas grandes decisões nacionais. À medida que este novo modelo for se afirmando nessas Regiões, será possível conseguir que a Região Sudeste, inclusive o Estado de São Paulo, procure adotar progressivamente esses novos parâmetros e a eles se ajustar. Para tanto é indispensável que os votos a serem depositados nas urnas no próximo dia 31 de outubro elejam os candidatos dotados das melhores capacidades de levar a cabo este novo programa.
Curiosamente a opção por este modelo renovador encontra uma cerrada oposição por parte da maioria dos grandes órgãos de comunicação social, que são economicamente sustentados pela elite concentradora de renda, vinculada muitas vezes a interesses internacionais. É esta elite que dá suporte político ao modelo que conduz à morte da biodiversidade e à espoliação das camadas da população menos favorecidas, apesar destas serem majoritárias. Na realidade, não são mais os partidos políticos tradicionais, mas os noticiários das grandes cadeias de rádio e televisão, bem como os diários e periódicos semanais de grande circulação, que constituem hoje os grandes instrumentos de oposição ao modelo renovador de desenvolvimento ecologicamente adequado e politicamente mais democrático, que o Brasil precisa adotar.
É de decisiva importância que os eleitores não se deixem confundir por esses órgãos de comunicação e escolham nas urnas quem tiver as melhores qualificações de levar o país a assumir e implantar esse novo modelo de desenvolvimento orientado pela concepção integral do valor da vida, evidenciada pela investigação científica contemporânea e anunciada há milênios pela revelação bíblica.
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