O aborto é uma grave questão de saúde pública. Esse entendimento e o respeito à dignidade das mulheres levaram os dois últimos governantes que ocuparam a presidência da República a garantir avanços significativos nesse campo, com a aprovação de duas normas técnicas, pelo Ministério da Saúde.
A Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes de Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, de 1998, assegura assistência imediata a mulheres vítimas de violência que queiram interromper uma gravidez não apenas indesejada, mas imposta pela desonra de um estupro. O Código Penal de 1940 assim o permite. A Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, de 2004, orienta sobre o acolhimento e tratamento digno que toda mulher em processo de abortamento, espontâneo ou inseguro, tem direito ao ser atendida no Sistema Único de Saúde.
O processo brasileiro de democratização já se revelou maduro e plural o suficiente para não sucumbir a pressões eleitoreiras e conservadoras que pretendem tão-somente ocultar e desprezar o sofrimento de milhões de mulheres para quem o aborto é o último recurso. Por isso mesmo, o aborto não deve ser pago ao custo de sofrimento, solidão, enfermidade ou mesmo a morte. Deste modo, a consolidação e o aprofundamento democrático no Brasil requerem, de modo premente, a preservação do princípio constitucional do Estado laico, e da liberdade religiosa como direito importante para que as pessoas possam professar sua fé e agir de acordo com suas consciências.
É amplamente reconhecido que são mais prejudicadas nesse contexto as mulheres pobres, que recorrem ao SUS com complicações decorrentes de um aborto feito em condições precárias, com risco elevado de comprometimento de seu bem-estar futuro.
Da mesma forma que a realização de um aborto em condições dignas e seguras não deve ser o divisor de águas entre as mulheres brasileiras, em função de sua classe social, não é aceitável que essa questão seja usada nos processos eleitorais com o objetivo de que prevaleça um Brasil arcaico, hipócrita e conservador sobre interesses republicanos e de promoção da igualdade entre os sexos.
É dever do Estado garantir o acesso amplo e irrestrito aos métodos contraceptivos para regulação da fecundidade para homens e mulheres no âmbito do Sistema Único de Saúde. A Constituição Brasileira e a Lei 9.253/1996 estabelecem que o planejamento familiar é um direito das pessoas e que cabe ao Estado fornecer as informações e os meios para o controle voluntário da fecundidade.
Não é hora de retrocessos. Não podemos caminhar na contramão da maior parte dos países democráticos, que vêm considerando este um sério problema de saúde pública e garantindo legislações que preservam a dignidade das mulheres que se vêem diante de tais circunstâncias. Ser contra a criminalização do aborto é reconhecer o direito à justiça e evitar o sofrimento de milhões de mulheres neste país.
Rio de Janeiro, 12 de outubro de 2010
ASSINAM ESTA PETIÇÃO: Angela Freitas – Comunicadora Social
Bila Sorj – socióloga/professora da UFRJ
Clara Araujo – socióloga/professora da UERJ
Dalia Romero – demógrafa, Dra em Saúde Pública/FIOCRUZ
Débora Diniz – antropóloga/professora da UnB
Jandira Queiroz – Observatório de Sexualidade e Política
Jose Eustáquio Alves – demógrafo/professor da Ence/IBGE
Lena Lavinas – economista/professora da UFRJ
Margareth Arilha – psicóloga/Comissão de Cidadania e Reprodução
Maria das Dores Machado – socióloga/professora da UFRJ
Maria José Rosado – socióloga/coordenadora Católicas pelo Direito de Decidir
Maria Luiza Heilborn – antropóloga/professora da UERJ
Sonia Correa – Observatório de Sexualidade e Política/ABIA
Suzana Cavenaghi – demógrafa/professora da Ence/IBGE
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