O Ministério Público Federal (MPF), na pessoa da procuradora Flávia Galvão Arruti, da Procuradoria da República em Ilhéus, propôs uma Ação Civil Pública por dano moral coletivo e individual em face da União, pelos fatos praticados pela Polícia Federal (PF) no dia 2 de junho de 2009 em relação à comunidade Tupinambá. O MPF requer a condenação da União ao pagamento estipulado no valor de 500 mil reais, que deve ser revertido à comunidade. O MPF entrou com a ação no dia 26 de julho de 2010.
A ação foi movida visando reparação dos danos sofridos por indígenas Tupinambá quando, em junho do ano passado, foram violentados e torturados por agentes da PF. Segundo os agentes, eles se dirigiram à Fazenda Santa Rosa, município de São José da Vitória (BA), no intuito de constatar o delito de esbulho possessório, ou seja, invasão de terras. Na ação, o MPF apresenta as versões da PF e dos indígenas, mas em ambos os casos, o emprego excessivo da força é configurado.
Assim, tendo ambos os depoimentos e os exames de corpo de delito, o MPF constatou que o modo de agir da PF configurou-se em verdadeira tortura contra os indígenas.
Os fatos
De acordo com indígenas (o que foi confirmado pelos exames de corpo de delito), a PF utilizou spray de pimenta nos olhos das vítimas, deram tapas, chutes, pisões, choques elétricos e puxões de cabelo. Em depoimento, os indígenas também afirmam que os policiais já chegaram à Fazenda Santa Rosa disparando tiros.
Assustados, muitos indígenas fugiram para a mata. Mas os indígenas José Otávio Freitas Filho, Carmelindo Batista da Silva, Osmário de Oliveira Barbosa, Ailza Silva Barbosa e Alzenar Oliveira Silva foram surpreendidos pelos agentes e se renderam, vendo a impossibilidade de fuga do local.
Em seus depoimentos, os agentes confirmaram o uso da força e da arma teaser (ferramenta que aplica choques elétricos) para imobilizar os indígenas citados. Na ação, o MPF afirma que só com o depoimento dos policiais já é possível afirmar que a PF empregou força desnecessária e a situação reclama por indenização em favor da comunidade indígena ofendida. “…consta nos autos a inacreditável narração de que fora necessária a aplicação de choques elétricos por mais de quatro minutos e de spray de pimenta para que os seis policiais federais bem treinados desarmassem e imobilizassem dois índios: Otávio e Osmário.”, declara a procuradora na ação.
A ação também mostra que, independente da forma como ocorreram os fatos, a única conclusão possível é a necessidade do pagamento de indenização pela União à comunidade indígena e que a pena deve ser aplicada “em razão da violência, humilhação, desrespeito aos direitos fundamentais que sofreram justamente em virtude de serem indígenas”.
Contexto
O conflito pela disputa de terras indígenas na região sul da Bahia é de conhecimento público e a própria ação do MPF salienta o fato. “A comunidade indígena Tupinambá da Serra do Padeiro, juntamente com outras comunidades, há anos luta pelo reconhecimento e demarcação da terra indígena. No ano de 2009 foi publicado pela Funai, após realização de minucioso estudo antropológico, o relatório de demarcação da Terra Indígena Tupinambá.”, afirma.
A petição também ressalta que o direito dos indígenas à terra é um direito originário e que portanto não é necessário nenhum ato do poder público para constituir tal direito, sendo os procedimentos demarcatórios somente declaratórios. Assim, o conflito na região da Serra do Padeiro, teve início com o fato de os integrantes da comunidade retomarem suas terras tradicionais, que estão invadidas por fazendeiros.
Para Saulo Feitosa, secretário adjunto do Cimi, é preciso destacar a atitude do MPF. “Por esta ação, podemos perceber que o MPF assume o seu dever constitucional de defesa dos povos indígenas. Além disso, deixa-se claro que a PF agiu de maneira abusiva e causou danos à comunidade, o que só confirma as denúncias que a comunidade vem fazendo”, afirmou.
Ainda de acordo com Saulo, a ação, além do ganho jurídico, é também um ganho político. “Esta ação significa simbolicamente uma reação à criminalização que vem sendo instaurada contra os povos indígenas. Esperamos que ajude a inibir outros fatos como este”, declarou. No entendimento de Saulo, a petição também identifica e deixa clara a prática racista do órgão do governo contra os povos indígenas.
“Não dá para amenizar”
Glicéria Tupinambá, liderança da comunidade e irmã do cacique Babau, destacou a importância da ação. “Quando meu irmão estava preso, eu estive no MPF e me avisaram que estavam entrando com essa ação, mas eu acabei não acreditando. Agora estou vendo que é verdade. Não dá para amenizar tudo que já passamos, mas é o mínimo que podemos receber por todo esse o sofrimento.”, declarou.
Segundo Glicéria, a luta pela terra é muito ampla e ultrapassa essas questões, mas a ação é uma pequena vitória. Glicéria esteve presa no Conjunto Penal de Jequié de junho até o final de agosto deste ano. Ela foi detida, juntamente com seu filho de apenas dois meses à época, quando desembarcava no aeroporto de Ilhéus na volta de uma reunião com o presidente Lula, em Brasília. Os motivos da prisão foram os mesmos de seu irmão: a luta pela terra.
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