Com o rompimento da barreira entre metáfora e concreto, a catástrofe torna o Brasil irrepresentável
Como não pensar, a cada dia, que a lama avança. Essa lama tóxica que mata gente, mata bicho, mata planta, mata histórias. Essa lama que engoliu um povoado chamado Bento Rodrigues, assassina o Rio Doce, avança pelo oceano, atravessa os estados e segue avançando. Essa lama que deixou meio milhão sem água. Essa lama venenosa que vai comendo o mundo como se fosse um organismo vivo. Essa lama morta que se move. E ao se mover, mata. Enquanto alguém toma um café, pega o ônibus, reclama do trânsito, faz um selfie, se apaixona, assiste a uma série do Netflix, se preocupa com as contas, faz sexo, se queixa do chefe, sente que o cotidiano não está à altura de suas grandes esperanças, briga no Facebook, faz planos para as festas de fim de ano, engole umas gotas de Rivotril, a lama avança. Enquanto escrevo, a lama avança. Piscamos, e a lama avança. Parece quase impossível pensar em algo além de que a lama avança. E ninguém pode afirmar até aonde a lama vai chegar. (mais…)