Por Rafael Baliardo
A gigante petrolífera norte-americana Chevron foi a público, esta semana, para protestar contra iniciativa de uma entidade equatoriana, vencedora de um processo judicial bilionário por danos ambientais no Equador, de tentar executar a decisão no Brasil.
O processo condenou a companhia petrolífera por poluir, em larga escala, a porção equatoriana da bacia do rio Amazonas. No final de junho, os autores da ação, que reinvidicou uma indenização na casa de US$ 18 bilhões, resolveram eleger o Brasil como foro da batalha judicial por conta da impossibilidade de a decisão ser executada no Equador.
Um grupo de equatorianos de origem indígena, a Assembleia de Afetados, saiu vencedor, em 2011, do julgamento de crime ambiental contra a Chevron na Justiça do país andino, em razão de danos ambientais decorrentes da exploração de petróleo no período em que a empresa atuou na área, entre 1964 e 1990. Como a Chevron não dispõe mais de quaisquer ativos no Equador, a execução da multa e da indenização bilionárias não tem chance de ser efetivada sob a tutela da jurisidição equatoriana. Dessa forma, os litigantes estão tentando homologar a decisão em países onde a companhia possui ativos, como forma de garantir que a decisão da Justiça equatoriana se cumpra.
O longo processo judicial começou há quase uma década na Justiça Federal dos Estados Unidos, contra a Texaco, posteriormente incorporada pela Chevron, por contaminação ambiental nas províncias amazônicas de Orellana e Sucumbíos. A ação acabou transferida para o Equador a pedido da própria companhia.
“Os equatorianos escolheram começar o caso nos EUA, sendo a Chevron quem alegou que a causa deveria ser julgada no Equador. Os equatorianos quiseram jogar no campo da Chevron e a empresa pediu que o processo fosse para o Equador por medo das multas pesadas que pudessem ser impostas nos EUA”, disse à revista Consultor Jurídico o advogado Fabiano Robalinho Cavalcanti, da banca Sergio Bermudes, firma que representa o pedido de homologação da Justiça equatoriana junto ao Superior Tribunal de Justiça no Brasil. “Agora que o caso foi decidido no Equador, passaram a alegar que a Justiça equatoriana não tem competência e é corrupta”, disse.
Há um mês, os impetrantes já haviam entrado com ação de homologação na Justiça do Canadá como forma de fechar o cerco contra a Chevron, que tem se servido de estratégias para escapar da decisão da Justiça do Equador. De acordo com a revista mensal Corporate Counsel, a principal publicação na área do Direito Corporativo nos EUA, trata-se da “mais dramática ação judicial do momento no cenário internacional”. Os trâmites dos processos, que correm agora também no Canadá e no Brasil, estão sendo supervisionados pelo Tribunal Permanente de Arbitragem em Haia.
Além de garantir que a decisão se cumpra onde a companhia possui ativos, a intenção de trazer o processo ao Brasil, segundo um dos advogados originais da ação, Pablo Fajado, é “mostrar ao mundo que a ação é legítima”, como declarou à outra publicação dos Estados Unidos, a The National Law Journal. Ainda segundo o NLJ, os litigantes estudam ajuizar ações em outras jurisdições como nos EUA, no Reino Unido e no Panamá, países onde a Chevron atua e possui bens.
Além de serem países onde a petrolífera possui ativos, Brasil e Canadá também foram escolhidos por conta da reputação de “seriedade e prestígio” de seus sistemas judiciais, aponta a imprensa estrangeira. Os autores da ação declararam, nesta semana, em resposta à nota pública da Chevron criticando a estratégia, que o fato de o caso estar nas mãos das bancas Sergio Bermudes, no Brasil, e Lenczener Alan, no Canadá, é um forte indicativo de que a causa é legítima e de que a decisão favorável aos litigantes na Justiça equatoriana tem fundamento.
Para a Chevron, o caso é “inexequível em qualquer tribunal onde prevaleça a letra da lei”. Representantes da companhia afirmaram que a decisão na Justiça do Equador é fraudulenta e envolveu corrupção.
O pedido de homolgação para avaliar se a decisão da Justiça equatoriana preenche os requisitos para ser executada no Brasil foi apresentado no Superior Tribunal de Justiça em 27 de junho. A corte brasileira foi tratada com deferência, esta semana, pela imprensa estrangeira especializada em Justiça e a advocacia. “[O STJ] foi recentemente elogiado por um importante órgão de avaliação de jurisdições no mundo como modelo de eficência e transparência”, publicou o The National Law Journal na segunda-feira (9/7). O órgão de avaliação mencionado pelo NLJ é o conceituado New York Arbitration Convention.
“O STJ apenas vai avaliar se a sentença equatoriana preenche os requisitos para que possa produzir efeitos no Brasil. E são requisitos muito simples”, diz Cavalcanti.
Um especialista brasileiro sobre o assunto falou, esta semana, em condição de anonimato ao NLJavaliando que apenas a fase de conhecimento do processo levaria entre três e cinco anos para ser concluída. O advogado Sergio Bermudes é mais otimista, segundo a publicação estrangeira, estipulando em até 12 meses o prazo. Tanto o especialista anônimo quanto o advogado concordam, contudo, que a execução da sentença se estenderia em três anos a contar de sua publicação.
Problema conhecido
Embora admitam que a Chevron pode contestar a autoridade da jurisdição brasileira sobre o assunto, uma vez que a maioria de seus ativos estão concentrados nos EUA, a imprensa estrangeira admite que a escolha do Brasil também é estratégica por conta do recente vazamento de petróleo da Chevron Brasil, subsidiária da matriz americana, no Campo de Frade, na Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, em novembro de 2011, quando então o o local ainda era operado pela companhia.
“Quando alegaram, nos EUA, que os tribunais americanos não tinham competência para julgar a causa, a Chevron assumiu o compromisso perante a Justiça americana de que acatariam a competência dos tribunais equatorianos e cumpririam a decisão independente de qual fosse o resultado. Há, inclusive, petição da Chevron atestando isso”, conta o advogado Fabiano Cavalcanti.
Ainda assim, analistas do exterior observam que a Chevron reconhece que a Justiça brasileira, que “tem instituições sólidas e firmadas na crença do Estado de Direito”, está habilitada a se deter no mérito do processo afastando quaisquer “ruídos políticos”.
A Assembleia de Afetados é composta por cerca de 30 mil equatorianos, a maioria de origem indígena. Na ação, 47 autores representam os milhares de integrantes do grupo de cidadãos prejudicados pelos efeitos da poluição decorrente da exploração de petróleo na selva.
Segundo a organização, os danos provocados pela petrolífera foram mais devastadores do que os recentes vazamentos de petróleo ocorridos no Golfo do México. De acordo com as agências Reuterse Efe, a Corte Nacional, mais alta esfera da Justiça do Equador, analisa recurso apresentado pela Chevron para anular a decisão confirmada em duas instâncias naquele país.
“O valor da condenação não é para ir para o bolso de ninguém. Pelo contrário, foi estabelecido, item por item, para fins de correção dos danos ambientais. É para montar um sistema de saúde para ajudar os equatorianos com problemas físicos por conta do dano ambiental, para recuperar a fauna, a flora e o lençol freático e estabelecer ainda um sistema de água potável para as vítimas”, defende Cavalcanti.
Clique aqui para ler a petição da Chevron apresentada à Justiça americana.
Confira aqui o parecer da entidade sobre o STJ.
http://www.conjur.com.br/2012-jul-14/equatorianos-tentam-executar-stj-condenacao-bilionaria-chevron