Minas, que produz 70% da água da bacia, é o estado que mais demanda recuperação. Enquanto isso, assoreamento engole trechos inteiros do rio e mancha de algas tóxicas se estende por 28 quilômetros do leito
Por Mateus Parreiras, no EM
Cabrobó (PE), Salgueiro (PE), Barra (BA), Casa Nova (BA), Abaeté, Pompeu, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias – A revolta do bispo de Barra, frei dom Luiz Cappio, com a falta de recuperação do Rio São Francisco antes da obras de transposição se apoia em um quadro sombrio. Não apenas a revitalização deixou de ser implantada nas cabeceiras, que concentram 70% da água da bacia, em terras mineiras, como o Velho Chico hoje morre de sede em locais antes inimagináveis.
A seca que sobe o curso se alastrou pelas maiores represas da bacia – Três Marias e Sobradinho (BA) –, prejudicando a pesca, a piscicultura e quebrando as safras. O assoreamento soterrou tantos trechos do leito que há pontos em que não se atravessa mais de barco. Entre as represas de Paulo Afonso (BA) e Xingó (AL), os baixos níveis de água associados à poluição e à manobras nas hidrelétricas propiciaram o aparecimento de uma mancha de algas tóxicas com 28 quilômetros de extensão e sete metros de profundidade, que deixou sem abastecimento as torneiras de oito municípios do sertão alagoano.
A promessa de despoluição e revitalização feita pelo governo federal reservou R$ 2,3 bilhões para ações de reflorestamento, tratamento de esgoto e contenção de processos erosivos. O montante corresponde a pouco menos de 28% dos R$ 8 bilhões necessários, segundo cálculos de integrantes das câmaras consultivas do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). O sucesso dessa ação poderia ter amenizado os efeitos da seca dos últimos três anos ao longo da bacia. Porém, desde 2008, apenas 1,7 bilhão foi investido em intervenções de recuperação ambiental pelo Ministério da Integração, segundo informações da própria pasta. O valor médio é de R$ 243 milhões por ano, considerado irrisório por ambientalistas, especialistas em hidráulica, biólogos e membros do CBHSF.
Para Marcus Vinícius Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão, de revitalização do Rio das Velhas, um dos principais afluentes do Rio São Francisco, a prioridade claramente foi dada à transposição. “Os gastos com revitalização do São Francisco foram praticamente inexistentes”, afirma. O ambientalista destaca ainda que os recursos, além de insuficientes, vêm sendo mal empregados. “A maioria dessas ações são obras puramente sanitárias, que não respeitam critérios como os pontos mais críticos da bacia, mas sim questões políticas, como quais são os aliados políticos mais interessantes para se direcionarem os recursos.”
Para o coordenador do Laboratório de Gestão Ambiental de Reservatórios do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, Ricardo Mota Pinto Coelho, a revitalização serviu apenas de chancela para engrenar a transposição. “Promessas como essa (de despoluir e revitalizar o Velho Chico) vêm sendo feitas nos últimos 100 anos, mas não se faz nada. O que temos visto é a drenagem das lagoas marginais, que servem de berçário aos peixes, a introdução de espécies exóticas e projetos difusos, que gastam sem eficácia.”
O próprio presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, concorda que para o Rio São Francisco atravessar as estiagens históricas – que, segundo ele, tendem a se repetir devido às mudanças climáticas –, seria necessário investir em ações de revitalização. “O Rio São Francisco precisa de mais água. É uma situação muito grave, sobretudo em Minas Gerais, onde se concentra boa parte da produção dessa água”, disse. Há também, afirma, outras questões que precisam ser trabalhadas, como o combate ao desperdício dos usuários. “Uma medida importante, por exemplo, seria a substituição de processos de irrigação, que são ineficientes em quase todo o território. É necessário também construir mais reservatórios, para guardar água e minimizar chuvas intensas”, pontua.
Já o Ministério da Integração considera parte do Projeto de Integração do São Francisco – que é como a pasta chama a transposição – as obras de política continuada e até intervenções de responsabilidade legal dos municípios que assinam convênios, como obras de saneamento. Esse cálculo elevaria a cifra gasta nessa área específica em cerca de R$ 34 bilhões, investidos desde 2008 em projetos que, segundo a pasta, beneficiaram a bacia do Rio São Francisco, como a construção de adutoras, canais, barragens e poços, incluindo as obras de revitalização que envolvem fornecimento de água, esgotamento sanitário, ligações intradomiciliares, controle de processos erosivos, gestão de resíduos sólidos, preservação de nascentes e matas ciliares.
“O compromisso assumido desde 2008 pelo governo federal foi de realizar obras de infraestrutura hídrica em toda a região do semiárido, para garantir segurança na oferta de água para a população.” O investimento total na transposição, segundo o ministério, é de R$ 8,2 bilhões. “Destes, aproximadamente R$ 1 bilhão são para ações socioambientais”, informou a pasta, por meio de nota. Adicionalmente, segundo o texto, “estão em curso obras de saneamento em municípios que estão na área das bacias hidrográficas que compõem o Rio São Francisco, que vão contribuir com a preservação e a revitalização do rio, por diminuir o lançamento de esgoto e resíduos e o assoreamento de seu leito”. Essas obras estão sob responsabilidade dos ministérios das Cidades e da Saúde.
A Proposta
- A transposição tem justificativa de garantir a segurança hídrica para 12 milhões de pessoas em 390 municípios no Nordeste Setentrional (Pernambuco, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba)
- O custo estimado é de R$ 8,2 bilhões e o término das obras está programado para 2016
- A água retirada do São Francisco será injetada por meio de bombeamento em 477 quilômetros de canais e leitos de rios
- O empreendimento prevê a recuperação de 23 açudes e construção de 27 reservatórios, capazes fornecer 6 mil litros de água por segundo
- Segundo o governo federal, as obras estão em andamento e serão entregues a partir deste ano, com previsão de término em 2017
- O empreendimento apresenta, sete anos depois de iniciado com pelo menos quatro anos de atraso, 74,5% de execução física.
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Destaque: Nas proximidades da hidrelétrica de Xingó (AL), recuo da água deixou um tapete escuro de algas, as mesmas que contaminam o leito. Foto: EM
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.