Por Mariana Schreiber, na BBC Brasil em Brasília
O poderoso presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sofreu uma dupla derrota na noite de terça-feira com a rejeição das suas duas principais propostas de reforma política – incluir na Constituição Federal a permissão de doações de empresas a campanhas eleitorais e alterar a forma como elegemos deputados e vereadores, adotando o sistema chamado de distritão.
Deputados e assessores parlamentares ouvidos pela BBC Brasil atribuíram parte da derrota a uma reação da casa à atitude “prepotente e autoritária” de Cunha, após ele atropelar o trabalho da Comissão Especial de Reforma Política.
Isso ficou bem nítido no caso do distritão – modelo para eleição de deputados e vereadores em que os mais bem votados se elegem, independentemente do desempenho total dos partidos.
Ferrenhamente defendido por Cunha, esse sistema foi amplamente criticado por cientistas políticos ouvidos na comissão. Segundo eles, a mudança beneficiaria os candidatos já conhecidos do grande público, capazes de atrair grande número de votos, em detrimento de candidatos novos ou representantes de minorias, por exemplo.
Por causa dessas críticas, o relator da matéria, o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), se posicionou contrariamente ao distritão e não queria incluí-lo em seu relatório.
Cunha decidiu então substituí-lo pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RF) e levar o relatório diretamente ao plenário da Câmara, sem votá-lo na comissão. O presidente chegou a dizer que umas das propostas de Castro – alterar a duração dos mandatos de senador – era burrice política.
‘Imperador’
O episódio foi considerado humilhante para Castro e acabou ampliando a rejeição ao sistema defendido pelo presidente da Câmara.
“O imperador deu um tiro no pé. Houve um sentimento de solidariedade a Castro”, disse um deputado do PTB a dois colegas, logo após o resultado da votação, em conversa presenciada pela BBC Brasil.
Antes da aprovação da medida, Castro distribuiu panfletos entre os deputados criticando o distritão. Ainda antes da votação, ele recebeu aplausos calorosos do plenário ao ser citado no discurso do deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
O assessor de um importante parlamentar estimou que entre 40 e 50 deputados teriam mudado de lado por causa da “humilhação” imposta a ela por Cunha.
“Acho que houve esse sentimento (de solidariedade). Recebi mais de cem abraços de apoio hoje (ontem)”, disse Castro à BBC Brasil, após o resultado.
“Ele (Cunha) foi muito desrespeitoso comigo e com a comissão. Acho que ele terá que refletir agora”, acrescentou o deputado, que era aliado de Cunha até esse episódio.
No caso do distritão, havia dúvida sobre se ele seria rejeitado e as apostas eram de uma votação apertada. O que mais surpreendeu foi a margem do resultado amplamente contrária a sua aprovação.
Por ser uma proposta de alteração da Constituição Federal, sua aprovação dependia do apoio de 60% dos deputados (308 votos do total de 513).
Em um bolão realizado entre jornalistas que cobrem a Câmara, do qual três deputados também participaram, a aposta mais baixa era de a proposta teria 243 votos favoráveis. Recebeu 210 apenas.
Quando o resultado foi divulgado, o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE) não se conteve: bateu forte com uma mão aberta sobre a outra fechada e saiu correndo para fora do plenário em comemoração.
Com esse resultado, ficou mantido o modelo atual, em que a eleição de vereadores, deputados estaduais e deputados federais é proporcional ao total de votos recebidos por cada coligação de partidos. Esse modelo maximiza o potencial de cada voto, pois tanto os votos “excedentes” dos candidatos mais bem votados como os votos “insuficientes” dos menos votados são redistribuídos entre os candidatos de votação intermediária de cada coligação.
Financiamento de campanhas
Já no caso das doações de empresas, a expectativa era de uma vitória de lavada da proposta de Cunha de incluir sua permissão na Constituição Federal, já que a maioria dos deputados foi eleita após campanha que incluiu recursos recebidos de empresas.
A votação favorável, porém, também não alcançou o mínimo necessário: foram 264 manifestações a favor e 207 contra (o restante dos deputados não votou ou se absteve).
Para o deputado Molon, o resultado refletiu a pressão da sociedade contra o financiamento de campanhas por empresas.
Essas doações estão na berlinda devido às revelações de irregularidades pela Operação Lava Jato. As investigações apontam que empresas teriam financiado campanhas de políticos de diversos partidos com recursos públicos desviados da Petrobras.
“Foram duas grandes derrotas de Cunha. A maioria dos deputados entendeu que a continuidade desse modelo, de campanhas dependentes das empresas, não é mais sustentável”, disse Molon, último deputado a deixar o plenário, quase à 1h da madrugada desta quarta-feira.
Julgamento parado
A tentativa de incluir na Constituição Federal as doações de empresas foi uma reação ao Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, a corte está analisando se doações de empresas são inconstitucionais, e a maioria dos ministros já se pronunciou pela proibição. No entanto, o julgamento está há mais de um ano parado por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Com a rejeição da proposta defendida por Cunha, a questão do financiamento continuará em votação nesta quarta-feira. Agora, os deputados terão que decidir se serão permitidas doações de pessoas físicas ou se o financiamento será inteiramente público – proposta defendida pelo PT.
Qualquer proposta de emenda constitucional precisa passar duas vezes na Câmara e duas vezes no Senado, de modo que mesmo que uma delas seja aprovada amanhã, não entra ainda em vigor.
Atualmente, empresas são a principal fonte de recursos para campanhas políticas. Cunha é um dos maiores beneficiários do atual modelo – gastou R$ 6,5 milhões na campanha de 2014, quando obteve recursos de empresas de mineração, bebidas, telecomunicação, bancos, entre outras.
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