Carta ao Povo Munduruku – [direito de resposta concedido a Daniel Belik]

Santarém, 18 de maio de 2015

Carta ao Povo Munduruku

Recebi, no dia 11 de maio de 2015, na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), durante uma apresentação sobre o andamento da minha pesquisa de doutorado em Antropologia Social, uma carta onde sou acusado de ter iniciado pesquisa etnográfica entre os Munduruku, sem a sua devida anuência.

Em respeito ao artigo 5º, incisos 5 e 55 da Constituição Federal, que garantem ao direito à resposta e ao contraditório, respectivamente, venho solicitar a publicação desta carta, como parte do direito de resposta ao texto difamatorio de meu nome e reputação profissional, veiculado neste site, a partir do dia 11 de maio de 2015.

A carta, assinada pelas associações Movimento Munduruku Ipẽrẽg’ayũ, Associação Indígena Pusuru, Associação Indígena Pahyhy’p e estudantes Munduruku, aborda a minha presença em terras indígenas confundindo duas situações distintas: A primeira delas, quando estive nas aldeias Missão São Francisco do rio Cururu e Sai Cinza, nos meses de abril e dezembro de 2013, respectivamente, como contratado da Fundação Nacional do Índio (FUNAI). (Trabalhei na FUNAI entre junho 2013 e junho de 2014). E a segunda situação, quando estive nas aldeias Munduruku, entre julho de 2014 e abril de 2015, com o objetivo de informar sobre a natureza do meu projeto de pesquisa e conseguir a anuência das comunidades, seguindo os procedimentos legais de autorização para os estudos antropológicos.

Gostaria de esclarecer que a minha participação no Projeto Ibaorebu, na aldeia Sai Cinza, em dezembro de 2013, foi como representante da Coordenação-Geral de Gestão Ambiental e Territorial (CGGAM) da FUNAI, que tinha uma parceria com a Coordenação-Geral de Promoção a Cidadania (CGPC), para que as oficinas do Plano de Gestão Territorial e Ambiental fossem realizadas durante os cursos de formação. Os registros feitos por mim naquela ocasião foram usados pela FUNAI em suas atividades institucionais e disponilizadas para alguns Munduruku para uso pessoal.

Após sair da FUNAI, em outubro de 2014, fui convidado pela liderança Josias Manhuary para conhecer a aldeia Lajinha, no Rio das Tropas, onde vive o seu pai. Na ocasião, visitei a aldeia Caroçal, a convite dos seus moradores. Na visita, tive a oportunidade de falar pela primeira vez sobre a ideia do meu projeto de pesquisa. Os Munduruku disseram que não tinham interesse que ela fosse realizada naquela comunidade.

Em fevereiro de 2015, cumprindo os dispositivos administrativos, estive na aldeia Katõ, com autorização da FUNAI, para apresentar aos Munduruku meu projeto de pesquisa – desenvolvido junto ao Programa de Pós‐Graduação em Antropologia Social na Universidade de St Andrews, Reino Unido ­‐ e consultá­‐los quanto à sua anuência, ou não, para a realização de trabalho de campo. Depois da apresentação, ficou acordado que a resposta definitiva sobre a minha autorização aconteceria na Assembleia Geral, seguindo o Protocolo de Consulta ao Povo Munduruku Ajo Ojuyjuy Wuyjuyuyu Mundurukuyu?, eleborado entre setembro e dezembro de 2014.

Assim, participei da última Assembleia Geral do Povo Munduruku, que aconteceu no mês passado, entre os dias 2 e 9 de abril de 2015. Depois de um longo debate entre as lideranças, recebi a recomendação de voltar para casa e o não como resposta.

Minha presença em área foi, portanto, facultada por uma autorização temporária para os meses de janeiro e fevereiro de 2015, emitida pela FUNAI, segundo a norma para toda a pesquisa desenvolvida entre povos indígenas no Brasil. Consultados, os Munduruku rejeitaram a proposta, decisão que acato, respeitosamente. Não posso, entretanto, aceitar que meu procedimento de consulta, absolutamente correto do ponto de vista administrativo e político, seja levianamente contestado, sob acusações de falta de ética na pesquisa.

Entendo perfeitamente que neste momento político tenso, em que veem seus direitos territoriais ameaçados por empreendimentos governamentais, os Munduruku estejam em luta. Entretanto, luta se faz com aliados. Grande parte da sabedoria política é discerní­‐los, entre as muitas interações que a luta obriga.

Assim, através desta carta, quero afirmar que nunca tive a intenção de desrespeitar a vontade do povo Munduruku e de realizar minha pesquisa de doutorado sem o consentimento das comunidades indígenas envolvidas. Minha pesquisa agora tomará outro rumo. Fico, porém, à disposição dos Munduruku, ao lado de muitos outros profissionais da Antropologia, que jamais se esquivaram da defesa dos direitos políticos e territoriais dos povos indígenas no país.

DANIEL BELIK

Destaque: foto de protesto dos Munduruku em abril de 2013, reproduzida de Xingu Vivo quando da publicação da carta que deu origem ao presente direito de resposta – Quem são os muitos Daniel Bellik?.

Comments (4)

  1. Lutar contra PEC2015 e contra Barragem no rio Tapajos,tem muitos lugares sagrados sitio arqueologico do nosso. A nossa vida e´relacinado ao natureza.Por isso nao abaixamos a nossa cabeça porque temos direito a nossa temos a nossa voz e anossa vez.SAWE,SAWE,SAAAAAAAAAAAWEEEEEEEEEEEE.

  2. É lamentável essa situação. Infelizmente tem um grupinho de Munduruku, liderados pelos indigenas Josias e Maria leuza, financiados por algumas ongs e individualmente. Munidos financeiramente, eles so fazem oq eles acham q é correto, mesmo errados, desrespeitam os Cacique e as lideranças antigas cheio de experiencias, acham saber de tudo. Nao respeitam opiniões de outras lideranças que não fazem parte do grupo deles. Por isso, Daniel, vc que conhece as ongs que financiam esses individuos, podia pedir para as ongs não depositarem mais recurso financeiros em nome d pessoas fisicas, só em nome da associação juricamente legalizadas. Isso tem sido muito prejudicial ao nosso povo.

  3. Pois é. Para mim restou explicado toda a treta. Um mal-entendido improdutivo: ele vai ter que repensar o seu doutorado – inclusive a possibilidade de trabalhar apenas com fontes documentais e bibliográficas (que os Mundurucu também questiona/va/m) – e os Mundurucu perdem um interlocutor. Faltou um pouco de Erving Goffman e Gerald Berreman (interacionismo simbólico): adequados representação do eu e controle de impressões na interação.

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