Zulu Araújo, de Brasília
A leniência com que as instituições brasileiras têm tratado, até o presente momento, o crime de racismo em nossa sociedade, é deveras preocupante. Não raro encontramos nos órgãos de imprensa ou em publicações de entidades ligadas à temática racial, denúncias graves sobre a prática do racismo exercidas por autoridades constituídas, como parlamentares, policiais (civis e militares) e até mesmo membros do poder judiciário. Não raro, também, estes crimes são tratados de maneira jocosa ou superficial na tentativa de excluir a gravidade e o potencial ofensivo deste ato criminoso para com suas vítimas.
O movimento negro, bem como diversos setores antirracistas da sociedade brasileira, tem alertado constantemente as autoridades e as instituições do País para o risco que esta leniência pode estimular. Em que pese o avanço das políticas públicas de igualdade racial no Brasil, notadamente nos últimos dez anos e talvez por isto mesmo, é visível a expansão e mobilização dos grupos racistas em nossa sociedade. E mais visível ainda as ações destes grupos ou indivíduos na prática da discriminação racial e do racismo. Recentemente, tivemos o ápice deste comportamento na entrevista dada pelo deputado Jair Bolsonaro, que do alto da sua ignorância e preconceito atingiu em cheio, não apenas a artista Preta Gil, mas todos os afrodescendentes deste país. Fatos como estes têm ocorrido numa intensidade e velocidade muito grande e nos mais variados campos da nossa sociedade. Ora nos campos de futebol, ora nas escolas, ora no mercado de trabalho. A única diferença neste caso esteve na forma covarde com que o deputado tentou escamotear a situação e fugir da responsabilidade do seu ato, ao afirmar que não havia compreendido bem a pergunta do jornalista Marcelo Tas.
Pois bem, o Congresso Nacional, tida e havida como a casa do povo brasileiro, o palco maior da democracia em nosso país, tem a grande oportunidade de dar um basta nesta corrida criminosa em que homofóbicos, racistas e intolerantes em geral, tem se revezado, para ver quem é mais radical no exercício da discriminação, punindo exemplarmente o deputado criminoso. E que não me venham com o argumento enganoso da imunidade parlamentar, pois a Constituição brasileira é muito clara neste sentido: RACISMO É CRIME, tipificado na Lei nº 9.549, de 13 de maio de 1997, que no seu artigo 1º, diz o seguinte: “Serão punidos, na forma da Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” e no seu artigo 20, arremata: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Pena: reclusão de um a três anos e multa.
Portanto, pouco importa se o criminoso é deputado, juiz ou delegado. Crime é crime e como tal deve ser tratado e punido. Até por que o que consta no artigo 53 da Constituição Federal é de que os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por opiniões, palavras e votos e não para o cometimento de crimes. Aliás, por isto mesmo, é que existe os Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara e do Senado para punir politicamente os parlamentares que se excederem no exercício do mandato. E a Justiça civil e penal para aplicar o que manda a Lei.
Mas, não basta que esperemos que o Congresso Nacional e a Justiça cumpram com o seu dever. Para fazer frente a esta cultura da impunidade no Brasil, que é quase uma instituição nacional, é necessário que a sociedade como um todo se mobilize, em particular os movimentos antirracistas, para que exijamos das instituições brasileiras menos corporativismo e mais compromisso com os valores civilizatórios da humanidade. Afinal, o racismo é um crime de lesa humanidade, consagrado como tal pela ONU, na sua terceira Conferência Mundial Contra o Racismo, a Intolerância e a Xenofobia, realizada em Durban, na África do Sul em 2001, que contou com aprovação de mais de 150 países e da qual Brasil é país signatário.
Neste sentido, não seria nada mal, que em breve, fosse feita uma visita aos presidentes da Câmara e do Senado, por homens e mulheres de boa vontade, para lembrá-los do imperioso compromisso que estas instituições devem ter para com o povo brasileiro como um todo e em particular aos afrodescendentes que, após quase 400 anos de escravidão, não podem continuar sendo desrespeitados como o foram pelo deputado estúpido.
Este crime não dá pra esquecer, deputados.
Toca a zabumba que a terra é nossa.
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Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011).
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