Por Sean Gregory, na Time/RioOnWatch*
Do telhado de sua casa de concreto, Luiz Cláudio olha para as escavadeiras e guindastes de construção da montagem do Parque Olímpico do Rio de Janeiro (cerimônia de abertura, 5 de agosto!). A tristeza se infiltra através de seus afiados olhos verdes. Abaixo, Luiz aponta para uma entrada coberta de musgo, que está lotada com uma bicicleta, geladeira, carrinho de mão e um sofá vermelho com um bichinho de pelúcia pendurado no braço. “Eu me casei lá”, diz Luiz. A enseada serviu de capela da comunidade por mais de seis anos. E se a Prefeitura do Rio prosseguir dessa maneira, será arrasada, junto com o resto da casa que Luiz divide com sua esposa, sogra, filha, irmão e irmã, tudo para dar espaço para a festa olímpica este verão.
Luiz, 53 anos, mora na Vila Autódromo, um dos centenas de bairros pobres do Rio, ou favelas, espalhados pelas ruas e montanhas verdejantes da cidade maravilhosa. As retroescavadeiras já nivelaram a maioria da Vila Autódromo, deixando a comunidade em ruínas. De acordo com o Comitê Popular da Copa do Mundo e Olimpíadas do Rio de Janeiro, 4.120 famílias foram removidas de suas casas por toda a cidade devido aos Jogos Olímpicos.
Mas Luiz, que está vestindo uma camiseta branca que se lê Rio Sem Remoções, diz que uma dúzia de outros redutos finais se recusam a sair, forçando um confronto final entre a Prefeitura e os moradores empobrecidos da Vila Autódromo. Este confronto carrega mais conseqüências na vida real do que em qualquer drama no final de uma corrida de 100 metros.
Será que a Prefeitura expulsará à força os últimos redutos da Vila Autódromo, uma atitude que não está exatamente de acordo com o espírito olímpico de fair play (jogo justo)? Será que vai apenas construir em torno das últimas casas, ameaçando arriscar o verniz intocado que esta megacidade brasileira tenta tanto aplicar à sua Olimpíada, a primeira realizada na América do Sul? Ou será que a Prefeitura finalmente cumprirá sua promessa de incorporar a favela no planejamento olímpico, e melhorará a infra-estrutura e serviços dentro da comunidade de maneira que durará depois que a tocha olímpica se apagar?
Dado que a Vila Autódromo parece uma zona de guerra, graças a demolição já bem encaminhada, esse último resultado parece tão provável quanto um atleta de race walking vencer aos 100 metros. “Os Jogos Olímpicos estão sendo usados como pretexto”, diz Luiz através de uma intérprete, “a destruir histórias de vida”.
O destino das favelas não chega nem perto de ser o único desafio para quem planeja os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. A economia brasileira está em farrapos, deverá cair cerca de 3% em 2015. A Presidente Dilma Rousseff enfrenta impeachment por alegadamente violar leis orçamentárias. Sua infra-estrutura de transportes está desatualizada. As águas do Rio de Janeiro estão poluídas, ameaçando a saúde de milhares de espectadores e atletas que competirão nos Jogos Olímpicos de 2016. Os líderes do país entraram no ano olímpico encarando testes indesejados, que incluem a oposição da comunidade para os Jogos.
Vila Autódromo estabeleceu-se como uma vila de pescadores ao longo da Lagoa de Jacarepaguá em 1967 e ocupa imóveis de frente para a lagoa, área cobiçada por construtoras pela sua localização, na Barra da Tijuca, bairro de luxo em fase de crescimento. Os moradores estão convencidos de que após os Jogos Olímpicos, as construtoras vão construir condomínios de luxo com vistas deslumbrantes sobre a lagoa–em condomínios nos quais jamais nenhum deles viverá.
Agora, no entanto, a Vila Autódromo está em escombros. Um pneu, um armário, panos, garrafas, uma banheira e outros restos de casas destruídos no meio dos escombros, telhas quebradas, montes de terra e concretos. Um cachorro com parte da orelha mordida escorrendo sangue, caminha; pessoas dizem que ele era o animal de estimação de uma família que se mudou. Uma boneca sem roupa fica no topo de uma parede detonada. Um dia chuvoso transforma as ruas em poças. “Parece com o Afeganistão”, diz Maria de Loures da Silva, moradora da Vila Autódromo.
Com isso, é surpreendente que alguém escolha ficar por aqui em condições tão miseráveis. Especialmente quando o governo está oferecendo aos moradores ou compensações em dinheiro–Luiz diz que ele ouviu que seu pedaço de terra vale cerca de US$500.000 (aproximadamente R$ 1.975.000)–ou a serem realocados na própria região em condomínios residenciais públicos. A Comunidades Catalisadoras–uma ONG sediada no Rio que trabalha em conjunto com as favelas, diz que, das aproximadamente 700 famílias que viviam na Vila Autódromo antes que as remoções começaram, hoje, cerca de 40 permanecem. Por que elas querem ficar?
“Quando chegamos aqui, não tínhamos nada”, diz um morador que vive na favela há 20 anos, e se recusou a dar seu nome com medo de represálias do governo. “Nós desenvolvemos esta terra”. Ele aponta para sua casa. “Há 72 caminhões de terra aqui. Esta casa é tudo para mim”. Enquanto as gangues e os chefões do tráfico ainda controlam muitas favelas, os moradores da Vila Autódromo elogiam a segurança de sua comunidade. “Nada justifica eu sair daqui”, diz Sandra Souza, 47 anos, que criou quatro filhas na Vila Autódromo, em idades variando de 11 para 20 anos. “Eu não acho que o dinheiro que eles estão oferecendo é honesto. É dinheiro sujo”.
Na Vila Autódromo, os moradores gritam através de frases escritas nas casas destroçadas, e no muro que separa a zona da construção olímpica do bairro.
“A BARRA C/ POBRES E A POLÍTICA SEM CORRUPÇÃO”.
“AS OLIMPÍADAS PASSAM, A JUSTIÇA FICA SUJA”.
“NÃO SOMOS BOBOS! SABEMOS QUEM ESTÁ NA LUTA E QUEM ESTÁ AQUI POR DINHEIRO!”.
“RIO DE JANEIRO NA LAMA”.
Uma mensagem está escrita em inglês de frente para o local onde costumava ter dezenas de casas ao longo da lagoa: GAME OVER.
Mesmo um funcionário da construção do Parque Olímpico, que está se beneficiando com as construções dos edifícios, tem simpatia para com os moradores. “O Brasil é uma festa”, diz ele enquanto toma uma cerveja Antártica durante uma pausa numa loja da Vila Autódromo. “Mas o dinheiro olímpico poderia ter ido para a melhoria da educação ou melhoria da segurança. Eles estão tirando as casas dessas pessoas humildes para fazer este evento”.
“Quando o Rio ganhou os Jogos Olímpicos, as pessoas nas favelas sentiram a mudança”, diz Theresa Williamson, diretora executiva da Comunidades Catalisadoras e editora-chefe do RioOnWatch.org, um site de relatos e artigos das comunidades do Rio de Janeiro. “Houve um forte sentimento de esperança entre todas as camadas econômicas. Mas, desde 2013, a máscara foi retirada. Tornou-se claro para muitas pessoas que era tudo uma fachada“.
Em resposta às perguntas sobre as promessas de incorporar a Vila Autódromo ao planejamento olímpico, aos usos da terra da comunidade antes e depois dos jogos, e aos moradores que se dizem dedicados à permanência, um porta-voz da Prefeitura enviou, por email, a resposta da Prefeitura para os moradores que querem ficar: “As famílias que tiveram de deixar a Vila Autódromo estavam na rota das vias públicas em construção ou em áreas de proteção ambiental, a lagoa”, escreveu o porta-voz. A Prefeitura também observou que para reassentar os moradores, construiu novas habitações–“com zonas verdes, uma piscina, um salão gourmet, berçário e espaço comercial”–ou ofereceram indenização. “O processo de negociação com os moradores Villa Autódromo sempre foi transparente.”
Delmo de Oliveira, 51 anos, não parece interessado em nenhuma oferta. Enquanto o Parque Olímpico invade sua comunidade, ele bate o martelo durante a construção de mais um piso para sua casa. A Prefeitura quer ele fora; Oliveira não se dobra. “Se eu sair agora, como é que eu vou viver?”, diz Oliveira. “Eu não tenho outra escolha”. Ele diz que não irá considerar nenhuma indenização.
“Eles não estão tentando comprar minha casa”, diz Oliveira. “Eles estão tentando comprar a minha dignidade”.
NEM TODOS TEM UM PREÇO lê uma frase escrita no lado de sua casa.
Nem todo mundo tem um preço.
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Tradução de Patrícia Gomes.
*Leia a matéria original por Sean Gregory em inglês na revista TIME aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.