Vi Jesus agoniado na Bento em destruição, em meio à criançada no caminhão apressado, subindo o morro correndo com a idosa nas costas, presente em cada vítima no meio do lamaçal, gritando por socorro.
Vi Jesus indignado quando a imprensa vem primeiro, e passa o tempo inteiro dando ibope na TV, e desce gritando empurrado pela onda, e leva pancada sem saber quem nem porquê, e vai desacordado pro leito do hospital, e passa muito mal com a morte da companheira, e chora a Pessoa que se foi e o Corpo que não vem, e sofre demais o desdém do Capital, e faz as contas de quantos foram mortos, e escreve com seu sangue na porta do coração: ‘é muito mais!’.
Vi Jesus contar os mortos, cada qual pelo nome:
Os dezessete encontrados, mas quantos a lama engoliu?
E o sonho que sumiu?
E o pouco de tudo que morre na atingida?
E o sangue que corre, e que ferve, e que entorna?
E a hora de dormir, que chega e não traz o sono?
E o abandono?
E as doenças que ainda se vão revelar?
E o Doce? E o Mar?
O crime é grande demais!
Vi Jesus morrendo junto de tudo que morreu, sentindo dúvida com a gente que duvidou, sendo tentado a ficar quieto no canto, desanimado de tocar a vida em frente. Mas o vi, também, vencendo a tentação com a opção de classe, com o trabalho de base, plantando organização, subvertendo o povo, ressuscitando a esperança, que sonha de novo – um sonho novo: então é natal!
–
Roupas no varal. Bento Rodrigues. Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo.