Por Peter Moon, na Agência FAPESP
Era uma vez uma galáxia muito, muito distante, que existia quando o Universo era muito, muito jovem. Haviam se passado apenas 400 milhões de anos desde o Big Bang.
Era uma galáxia muito antiga, a mais distante jamais observada. Seus raios de luz viajaram pelo espaço por mais de 13 bilhões de anos – 96% da idade do Universo ou três vezes a idade do Sistema Solar – até serem coletados pelos observatórios espaciais Hubble e Spitzer.
Aquela galáxia tão distante foi apelidada de Tainá, “recém-nascida”, no idioma aimará, falado por povos andinos. A análise de sua luz revelou uma galáxia muito jovem e maciça, compacta e repleta de estrelas gigantes azuladas, uma galáxia que não deveria existir… pelos menos de acordo com o modelo atual da evolução do Universo.
Contra fatos e imagens não há argumentos. Sendo assim, muito embora Tainá não devesse existir, ela existe. Logo, quem está incorreta é a teoria, que parece precisar de ajustes, de acordo com o cosmologista madrilenho Alberto Molino Benito, pós-doutorando no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP).
Molino colaborou com o trabalho publicado no periódico The Astrophysical Journal. Seu pós-doutorado é apoiado pela FAPESP e supervisionado pela cosmóloga Claudia Mendes de Oliveira, que estuda a formação e a evolução das galáxias.
Apesar do poder tecnológico combinado do Hubble e do Spitzer, Tainá é tão distante e tão tênue que se torna invisível mesmo para aqueles poderosos observatórios. “Para detectar Tainá, nosso grupo teve que recorrer a técnicas sofisticadas, como a lente gravitacional”, um fenômeno previsto por Albert Einstein na sua Teoria Geral da Relatividade.
Segundo Einstein, a força gravitacional exercida por um corpo de grande massa, como um aglomerado de galáxias, distorce o espaço ao seu redor. Essa distorção acaba funcionando como uma monstruosa lente virtual (ou gravitacional), que deflete e amplifica a luz de objetos muito mais distantes posicionados atrás do aglomerado que se observa.
“Nós vasculhamos o espaço à procura de aglomerados de galáxias maciços que possam agir como lentes gravitacionais para conseguir observar objetos que não deveríamos enxergar de tão tênues”, explica Molino. No caso, os astrônomos usaram o aglomerado gigante de galáxias MACS J0416.1-2403, que fica a 4 bilhões de anos-luz da Terra. O aglomerado tem a massa de um milhão de bilhão de sóis. Essa massa descomunal funcionou como o zoom de uma câmera, tornando 20 vezes mais brilhante a luz de Tainá, posicionada exatamente atrás do aglomerado.
Uma vez que Tainá foi detectada, era preciso determinar sua distância. Para calculá-la, os astrônomos estudaram sua luz por meio de um recurso chamado “desvio para o vermelho fotométrico”.
Funciona deste jeito: quanto mais distante se localiza um objeto astronômico, menor é a frequência de sua luz que chega até nós. Em outras palavras, mais avermelhada a luz fica. Assim, calculou-se a que Tainá ficava a 13,3 bilhões de anos-luz de distância da Terra. Sua luz viajou durante este tempo todo para chegar até nós. Vale dizer que observamos Tainá como ela era há 13,3 bilhões de anos, quando o Universo contava apenas 400 milhões de anos.
Estrelas gigantes azuis
A luz de um objeto distante não conta apenas sua localização, idade e distância. “Seu estudo pode revelar o tamanho da galáxia, sua massa, quantas estrelas ela possui e qual a proporção de estrelas jovens e velhas nesta população estelar. Quanto mais estrelas jovens, azuis e brilhantes a galáxia possui, mais jovem ela é”, explica Molino.
No caso de Tainá, trata-se de uma galáxia repleta de estrelas gigantes azuis muito jovens e brilhantes, prontas para explodir em formidáveis supernovas para virar buracos negros. Quanto ao seu tamanho, Tainá era similar à Grande Nuvem de Magalhães, uma pequena galáxia disforme que é um satélite da nossa Via-Láctea.
“400 milhões de anos é muito pouco tempo para a existência de uma galáxia tão bem formada”, diz Molino. “Os modelos mais recentes da evolução do Universo apontam para o surgimento das primeiras galáxias quando ele era bem mais velho.” Por mais velho, Molino entende um Universo adolescente de 1 bilhão de anos – não um recém-nascido de 400 milhões.
Só existe uma explicação para a existência de Tainá – a mais antiga das outras 22 galáxias muito tênues detectadas pelo estudo. “Elas só poderiam se formar tão rapidamente após o Big Bang se a quantidade de matéria escura no Universo fosse maior do que acreditamos”, pondera o cosmólogo.
Matéria escura é um tipo de matéria que compõe 80% da massa do Universo. Vale dizer, há cinco vezes mais matéria escura do que a massa de todos os 100 bilhões de galáxias do Universo observável. O problema é que esta matéria, como o nome indica, é escura, ou seja, invisível, ou melhor, desconhecida. Não sabemos do que é feita. Trata-se de uma das questões mais cruciais da cosmologia atual.
Há várias teorias para explicar o que seria matéria escura. Porém, como ela não interage com a luz, não conseguimos enxergá-la nem conhecer sua substância. Sabe-se apenas que a matéria escura existe devido à sua ação gravitacional sobre as galáxias. Não fosse a matéria escura, as galáxias já teriam há muito se estilhaçado. Sem matéria escura, o Universo não seria como o conhecemos. Talvez não existíssemos.
“A única explicação para Tainá existir e ser como era quando o Universo tinha 400 milhões de anos é graças à matéria escura, que deve ter acelerado o movimento de aglomeração de estrelas para a formação das primeiras galáxias”, explica Molino. “Se existe mais matéria escura, as galáxias podem se formar mais rápido.”
Não é possível pesquisar mais a fundo sobre Tainá e suas irmãs proto-galáxias no Universo recém-nascido, pois a tecnologia à disposição foi empregada até o seu limite. “Para saber mais, para enxergar melhor as primeiras galáxias e inferir a ação da matéria escura, temos que aguardar até 2018, quando será lançado o sucessor do Hubble, o telescópio espacial de nova geração James Webb”, diz Molino.
O James Webb terá um espelho de 6,5 metros de diâmetro, muito maior que os 2,4 metros do Hubble. Esse aumento de tamanho se traduz em aumento de acuidade. Molino e seus colegas contam com a sensibilidade do futuro telescópio espacial para continuar contando galáxias distantes e formar o maior banco de dados tridimensional do Universo. “Só assim poderemos confirmar como se processou a formação e evolução do Universo.”
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O artigo Young Galaxy Candidates in the Hubble Frontier Fields, de Leopoldo Infante e outros, publicado em The Astrophysical Journal (DOI: 10.1088/0004-637X/815/1/18), pode ser lido em arxiv.org/abs/1510.07084.
Destaque: Galáxia ultra-distante, que existia 400 milhões de anos após o Big Bang, aponta para a fartura de matéria escura no Universo recém-nascido.