As terras homologadas estão localizadas no Amazonas. Os índios Munduruku continuam esperando o reconhecimento de seu território no Pará
Por Elaíze Farias, em Amazônia Real
A presidente Dilma Rousseff homologou a demarcação administrativa de quatro terras indígenas no Amazonas, mas deixou de fora territórios que aguardam pelo decreto para por fim a conflitos com fazendeiros e madeireiros ou esperam o reconhecimento para enfrentar a pressão de projetos de construção de hidrelétricas. É o caso da Terra Indígena Buriti, no Mato Grosso do Sul, fortemente ameaçada por fazendeiros, e que foi reconhecida há 10 anos. Outra Terra Indígena excluída é Sawré Muybu, dos índios Munduruku, no Pará, cujo processo demarcatório está parado por pressão política do governo federal.
O número de terras indígenas reconhecidas e homologadas caiu no país nos últimos anos, sobretudo no governo Dilma Rousseff. Em seus dois mandatos, foram apenas 18 terras homologadas. Este número já conta com as homologadas nesta semana e que tiveram os decretos publicados nesta sexta-feira (18) no Diário Oficial da União (DOU).
No primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, 66 terras foram homologadas. No segundo, outras 21 (saiba mais aqui). De acordo com levantamento da organização não-governamental Instituto Socioambiental (ISA), há atualmente 63 terras indígenas aguardando homologação.
Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), a terra indígena é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas e utilizada para suas atividades produtivas com preservação dos recursos ambientais. Por se tratar de um bem da União, a terra indígena é inalienável e indisponível, e os direitos sobre ela são imprescritíveis.
As quatro Terras Indígenas (TIs) do Amazonas homologadas são: Terra Indígena Arary, do povo Mura, localizada no município de Borba; Terra Indígena Banawá, do povo Banawá, situada nos municípios de Canutama, Lábrea e Tapauá; Terra Indígena Cajuhiri-Atravessado, onde vivem os povos Miranha, Cambeba e Tikuna, no município de Coari; e Terra Indígena Tabocal, do povo Mura, no município de Careiro. Essas quatro TIs aguardavam há, no mínimo, três anos pela homologação. Uma delas, há 11 anos.
O antropólogo Henyo Trindade Barreto, coordenador de programa do IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil), organização que atua junto a povos indígenas e povos tradicionais, cita o exemplo da Terra Indígena Cajuhiri-Atravessado.
Segundo Barreto, a TI Cajuhiri-Atravessado foi identificada pelo antigo Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), encerrado em 2008. O PPTAL fazia parte do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), do governo brasileiro.
A Amazônia Real apurou que em 2011, o Ministério Público Federal do Amazonas instaurou um inquérito civil público que incluía vários aspectos relacionados à TI Cajuhiri-Atravessado, entre eles o impacto do gasoduto Coari-Manaus. O MPF também pedia informações atualizadas acerca da situação do processo de demarcação da Terra Indígena Cajuhiri-Atravessado.
Procurada, a assessoria de imprensa do MPF disse que o inquérito foi arquivado em setembro de 2015 quando o órgão foi informado pela Funai sobre a finalização do processo demarcatório que resultou na homologação de Cajuhiri-Atravessado.
Segundo a assessoria do MPF, foi aberto um novo procedimento. O atual inquérito é para “apurar a efetiva inserção do componente indígena nos estudos de impacto ambiental do Poliduto Urucu/Coari e acompanhar a implementação de medidas compensatórias e indenizatórias devidas pela Petrobras em favor da Comunidade e Terra Indígena Cajuhiri-Atravessado”.
O caso de Tabocal também é um indicador da morosidade nas homologações de terras indígenas no Brasil. A reserva foi reconhecida pelo governo brasileiro em 2006, quando o ministro da Justiça era Marcio Thomaz Bastos. Naquele ano, Tabocal foi considerada como “de posse permanente dos Mura” (leia aqui).
Segundo dados do ISA, a Terra Indígena Banawá foi identificada em 1991. A área teve uma revisão, até que foi demarcada em 2004. Somente agora, 11 anos depois, é que foi homologada.
Os indígenas Banawá habitam uma área de forte pressão de invasores nas áreas de pesca, caça e roçado. Em 2010, o grupo de pesquisa Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), publicou um fascículo com depoimentos de indígenas do município de Canutama, entre eles os Banawa, os Apurinã e os Paumari (leia aqui)
A Terra Indígena Arary, do povo Mura, teve sua posse declarada e garantida pelo governo brasileiro em 2009, quando então se iniciou o processo demarcatório, homologado em 2015.
A Amazônia Real perguntou da assessoria de imprensa da Funai a respeito das outras terras indígenas que aguardam homologação. A assessoria disse que não tinha essa informação e sugeriu que a reportagem entrasse em contato com a Presidência (da República), uma vez que as homologações são atos relacionados à assinatura da presidente.
Os procedimentos demarcatórios das terras indígenas no Brasil são regulamentados pelo Decreto 1775/96. Leia o decreto na íntegra.
Terras ameaçadas por invasores e obras
Durante a 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista que aconteceu nesta semana em Brasília, pressionada pelos povos indígenas, a presidente Dilma anunciou que homologaria novos territórios.
Apesar das quatro homologações anunciadas nesta sexta-feira, outras terras indígenas já reconhecidas e que são ameaçadas por invasores ou grandes empreendimentos ficaram de fora. O secretário-executivo do ISA, André Villas-Bôas, citou o caso da TI Cachoeira Seca do Iriri, no Pará, habitada pelo povo Arara.
Cachoeira Seca do Iriri fica ao redor da hidrelétrica de Belo Monte e sua homologação é uma das condicionantes exigidas para o licenciamento ambiental. A terra indígena aguarda apenas sua homologação. Segundo Villas-Bôas, em matéria publicada pelo ISA, a terra é constantemente invadida por posseiros, fazendeiros, pescadores e madeireiros.
Índios Munduruku aguardam processo demarcatório
Um dos casos mais polêmicos envolve a Terra Indígena Sawré Muybu, dos índios Munduruku, no Pará, que ainda não foi demarcada pela Funai. Os estudos e mapas com as coordenadas sequer foram publicados pelo órgão indigenista por pressão política do governo Dilma, pois a área está dentro dos limites do projeto de obras de hidrelétricas no rio Tapajós. Em 2014, os Munduruku iniciaram uma autodemarcação de seu território que não é reconhecida pela Funai.
Em um vídeo (veja aqui) publicado pelos Munduruku em 2014, a então presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, admitiu que ainda não havia publicado os estudos sobre a Terra Indígena Sawré Muybu por pressão do governo federal, pois a regularização inviabilizaria as usinas hidrelétricas. Tempos depois da divulgação do vídeo, Assirati pediu para ser exonerada.
Os Munduruku continuam pressionando a Funai, tentando diálogo com o atual presidente do órgão, João Pedro Gonçalves. Em uma das reuniões, Gonçalves repassou informações erradas aos indígenas sobre o processo de demarcação de Sawré Muybu.
Em outubro passado deste ano, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) desmentiu uma informação dada as Munduruku pelo presidente da Funai. O desmentido foi enviado após o ICMBio ter sido procurado pelo Ministério Público Federal do Pará para prestar esclarecimento.
Segundo informações do MPF, João Pedro Gonçalves disse aos indígenas que o órgão ambiental teria se manifestado contra a demarcação. (saiba mais aqui).
No início deste ano, a Justiça Federal atendeu pedido do Ministério Público Federal do Pará e obrigou a Funai a prosseguir com a demarcação de Sawré Muybu. A Funai não cumpriu a exigência e passou a ser multada diariamente. Em resposta, o governo federal recorreu a um instrumento jurídico chamado “suspensão de segurança”, criado na ditadura militar.
Na suspensão, o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, desembargador Cândido Ribeiro, alegou razões de economia pública para ordenar a paralisação da demarcação.
Karo Mucak deu a seguinte declaração à Amazônia Real: “Dilma homologou, mais deixou de lado mais uma vez a TI Sawré Muybu. Isso mostra que o governo tem interesse de implantar o Complexo Hidrelétrico no rio Tapajós. É uma estratégia para minimizar a situação crítica do governo dela com os povos indígenas. Sabemos que seu governo é o que menos homologou terras indígenas”.
Aproveitando o momento em que o governo brasileiro divulga a assinatura de novas homologações, a Amazônia Real procurou duas lideranças Munduruku para falar sobre o assunto: Karo Mucak Munduruku, 32, e Jairo Saw Munduruku, 47, ambos moradores da aldeia Praia do Mangue, médio rio Tapajós, em Itaituba (PA).
Ele lembrou que, em 2014, a ex-presidente da Funai havia deixado claro para as lideranças que o órgão estava de mãos atadas no processo.
“Essa luta não é de hoje. Vem desde a década de 70, quando pela primeira vez lideranças mundurucu deixaram claro que não aceitaram o projeto da construção de hidrelétrica. Só que o tempo foi passando e as coisas foram andando. Começou com Belo Monte e o Complexo Tapajós foi caminhando. Foi quando as lideranças resolveram se manifestar indo até Belo Monte e denunciar o governo federal, que está fazendo o projeto sem consultar os Munduruku”, relatou.
Jairo Saw Munduruku disse que o governo federal não quer demarcar e homologar Sawré Muybu porque seu maior interesse é construir a hidrelétrica.
“Não se trata de apenas uma, mas de mais outras 30 usinas na bacia do Tapajós. Tudo para atender as grandes empresas de mineração de grande escala, construir portos hidroviários, construir linhas de ferrovias que vão cortar territórios indígenas. Isso mostra que o governo não está respeitando a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Está fazendo às escondidas sem o consentimento da população Munduruku. Nós não estamos aceitando e o governo não quer abrir mão de seu projeto de destruição”, disse Jairo.
Ele afirmou que a autodemarcação está acontecendo porque o governo brasileiro não tem interesse em demarcar Sawré Muybu. “Enquanto estamos aqui há muito tempos, o governo diz que nós não existimos e que a terra não tem ninguém. É absurdo ouvir isso do próprio estado brasileiro. Não dá pra acreditar”, afirmou.
Conselho criado será consultivo
O governo também anunciou nesta sexta-feira a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que vai substituir a a atual Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). O órgão terá apenas caráter consultivo, mas segundo a Funai, terá mais “representatividade, sendo responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas”.
Conforme a nota da Funai, o CNPI será composto por quarenta e cinco membros, observando a paridade de voto entre o Poder Executivo federal e os povos e organizações indígenas e entidades indigenistas, sendo quinze representantes do Poder Executivo federal, todos com direito a voto; vinte e oito representantes dos povos e organizações indígenas, sendo treze com direito a voto; e dois representantes de entidades indigenistas sem fins lucrativos que atuem a mais de cinco anos na atenção e no apoio aos povos indígenas em nível nacional, com direito a voto.
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Destaque: Jairo Saw Munduruku (à frente) durante etapa do Projeto Ibaorebu, da Funai. Foto: Izabel Gobbi /Funai.
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Beth Begonha.