Famílias celebram decretação de territórios quilombolas no Ceará

Incra

“Este é nosso!”. Foi assim, com o Decreto Presidencial nas mãos e em alto e bom som, como num grito de liberdade, que líder quilombola Ana da Silva Moreira encerrou a celebração em comemoração à publicação do documento assinado pela presidente Dilma Roussef que autoriza a desapropriação das áreas do território quilombola de Brutos, localizada no município cearense de Tamboril, formado por 76 famílias quilombolas. Outra comunidade decretada, a de Três Irmãos, em Croatá (CE), também fez festa na semana passada para marcar a nova etapa no processo de regularização de seu território.

Os Decretos, publicados no Diário Oficial da União do último dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, permitem à Superintendência Regional do Incra no Ceará vistoriar as áreas inseridas nos territórios, a serem destinadas para um total de 91 famílias remanescentes de quilombos nas duas comunidades, em uma área somada de 4.248 hectares.

“O decreto foi um grande sonho realizado, resultado de uma luta de oito anos, cheia de ameaças. Mas seguimos de cabeça erguida e podemos dizer que hoje quebramos as correntes das senzalas que nos prendiam, hoje a comunidade se sente livre”, disse Antoniza Mateus dos Santos, presidente da associação de Três Irmãos. “Esse momento é só de alegria, de muita vitória da gente, pois foi uma luta da comunidade”, disse Ana da Silva Moreira, líder da comunidade de Brutos.

O superintendente do Incra no Ceará, Roberto Gomes, entregou cópias dos Decretos para as presidentes das associações, nas cerimônias realizadas no dia 9 de dezembro, em Três Irmãos, e dia 10, em Brutos. As festas foram marcadas por discursos emocionados, apresentações artísticas como jogos de capoeira e danças afro-brasileiras, além de jantares para a comunidade e convidados.

Além de Gomes, participaram dos eventos o chefe do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas (SRTQ) da autarquia no estado, José da Guia Marques, dos prefeitos das cidades de Croatá e Tamboril, de representantes do Governo do Estado, da Igreja Católica, das Câmaras Municipais, de movimentos sociais e das famílias quilombolas.

Realização e sonhos futuros
Segundo o superintendente Roberto Gomes, a publicação dos decretos contribuem para agilizar os processos de regularização das comunidades e garantir benefícios às famílias remanescentes de quilombos. “Com o decreto, nós chegamos a 75% da regularização do território. O quê significa que daqui a um tempinho, com a posse dessa área, vocês terão o direito a outras políticas do Governo Federal, como o Minha Casa, Minha Vida, que priorizam famílias quilombolas”, disse.

Melhorar a qualidade de vida por meio do acesso à terra e na construção de moradias é o principal desejo das comunidades. “Um dos pontos da comunidade é não depender mais de dono de terra para plantar. Ter uma casa própria decente, digna de morar, além de terra para trabalhar e fazer um quintal produtivo, ou criar um animalzinho”, disse Ana, presidente da associação de Brutos, comunidade em que a maioria das familias mora às margens de uma estrada estadual.

Tradições em Três Irmãos
Em Três Irmãos não é diferente. Além da chance de substituir casas de taipa por outras de alvenaria, a formação do território irá contribuir para a ampliação da escola local, construída no quintal de Antoniza.

Nomeada de Luzia Albano – em homenagem à escrava trazida do Maranhão no século XIX que originou a comunidade -, o estabelecimento de ensino recebe alunos de comunidades vizinhas e, em breve, terá que ser ampliada. “Não é uma escola padrão, porque não tínhamos terreno. Mas com o decreto, podemos ampliar a escola e construir nossas casas, além de fazer um trabalho agrícola de qualidade, com liberdade, sem temer mais ninguém”, disse Antoniza.

A escola é considerada a primeira do estado a tratar de forma pedagógica o estudo das tradições afro-brasileiras e sua construção é um retrato de luta da comunidade em manter viva suas tradições. Erguida em alvenaria, a escola substituiu o salão de terra batida cercada de bambus onde as crianças de Três Irmãos estudavam. Com o tempo, as famílias perceberam que o espaço não era o mais adequado para seus filhos e decidiram demandar ao Governo do Estado a construção de uma escola.

“As nossas crianças estudavam em casas de taipa. Após um tempo, construímos um salão de bambu, que era a escola de nossos filhos. Mas apesar de ter nossa característica, de mostrar muito de nossa história, o salão de bambu não era adequado para o ensino dos nossos filhos”, explica Antoniza. O salão permanece vizinho à casa de Antoniza como registro histórico.
 
Próximos passos
Responsável pelos estudos antropológicos que reconheceram as famílias como remanescentes de quilombos, o antropólogo José da Guia explicou às famílias os próximos passos da regularização dos territórios.

A próxima etapa é a realização de vistoria e avaliação dos imóveis para definição dos valores de indenização da terra nua e benfeitorias. Em seguida, o Incra recebe da Justiça a posse dos imóveis, que serão destinados às famílias. “Em um primeiro momento, as famílias recebem o direito de uso das terras para, em seguida, receberem do Incra o título definitivo de posse do território quilombola”, disse. As vistorias devem ser iniciadas já no primeiro semestre do próximo ano.

Imagem: Líder quilombola Ana Moreira ergue cópia de Decreto Presidencial para comemorar assinatura – Foto: Ascom Incra/CE

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