Cristina Fontenele – Adital
Após 14 meses do desaparecimento dos 43 estudantes da Escola Normal Rural Isidro Burgos, em Ayotzinapa, Estado de Guerrero, no México, depois de muita pressão nacional e internacional, a Procuradoria Geral da República (PGR), juntamente com autoridades federais e familiares dos estudantes, acordaram trabalhar de maneira próxima na segunda fase de investigação do caso. Em reunião, realizada recentemente, a titular do Ministério Público da Federação, Arely Gómez González, reiterou que a investigação do caso, ocorrido na cidade de Iguala, continua aberta e se desenvolve com o apoio técnico do Grupo Interdisciplinar de Especialistas Independentes (Giei).
Em entrevista à Adital, Jesús Mendoza Zaragoza, sacerdote da Arquidiocese de Acapulco, em Guerrero,afirma que a “verdade histórica”, propagada pelo governo federal sobre Ayotzinapa, caiu sob o próprio peso. Segundo ele, apesar do acordo com a PGR, continua muito complicado o esforço dos pais dos desaparecidos para pressionar o governo por suas demandas. “É necessário levar em conta que, no país, há mais de 26 mil desaparecidos, nos últimos 10 anos, e que os familiares de muitos deles, organizados em dezenas de coletivos, encontram-se com as mesmas dificuldades.”
Zaragoza, que também é responsável pela Pastoral Social da Arquidiocese de Acapulco, aponta as condições de insegurança e violência no México, especialmente em Guerrero. Situação que sinaliza, para ele, uma continuidade do número de desaparecimentos, seja por razões políticas ou por ações do crime organizado. “Não vemos, no horizonte, uma melhora substancial nesse tema, nem na prevenção nem na atenção aos milhares de casos que já temos.”
O sacerdote observa que as instituições públicas não estão preparadas nem apresentam vontade política de avançarem nesse tema dos desaparecidos. “O governo responde somente a pressões e não assume suas obrigações, pelo menos as impostas pela Lei Geral de Vítimas, aprovada há mais de dois anos.”. Ele diz que, no caso de Ayotzinapa, houve resistência do governo em aceitar as recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA). Mas lembra que a Lei sobre o Desaparecimento Forçado e o Desaparecimento por Particulares está em curso e que as organizações dos familiares de desaparecidos estão apoiando a causa.
O governo mexicano e a CIDH firmaram, em outubro último, 10 acordos para reiniciarem a busca pelos 43 estudantes. São eles:
1.Retirar a investigação da Seido (Subprocuradoria Especializada em Investigação de Crime Organizado). A CIDH propõe a condução pela Subprocuradoria de Direitos Humanos.
2. Realizar uma nova perícia sobre o fogo, em Cocula, estabelecendo, de comum acordo, os objetivos, condições e os peritos.
3. Uma nova equipe de investigação, com experiência e confiança da PGR e do Giei.
4. Integrar o relatório do Giei, seguindo as recomendações do Grupo, apresentadas no informe do caso de Iguala.
5. Planejar uma linha de inquérito, com as autoridades mexicanas trabalhando em conjunto com o Giei.
6. Retomar as buscas, com tecnologia de ponta e um mapa de fossas.
7. Melhorar a relação com a PGR, mediante uma reunião conjunta com o Giei.
8. Continuidade do plano de trabalho do Giei.
9. Alinhar os critérios de atenção às vítimas, com o Giei e os representantes das vítimas valorizando o progresso do dano e a devida reparação.
10.Confidencialidade da informação, informando, primeiro, os parentes das vítimas sobre os resultados da nova investigação.
Escola Rural de Ayotzinapa
As escolas rurais no México surgiram no fim da Revolução Mexicana, de 1910, propondo um projeto de educação popular, de espírito revolucionário. Constituem resquícios da conquista do povo na luta contra governos corruptos. Para os governos conservadores, essas escolas são consideradas fonte de problemas e oposição.
O projeto das escolas rurais é direcionado à formação crítica dos estudantes e inclui um sistema de internato, refeitório, bolsas para os alunos, oficinas de carpintaria e ferraria, clubes culturais e desportivos. Os recursos de manutenção vêm do governo federal, pelo Fundo de Contribuições para a Educação Básica e Normal (Faeb), que transfere a verba para as finanças públicas dos estados, Distrito Federal e municípios do México.
Segundo o padre Zaragoza, o modelo educacional das escolas normais rurais vincula os estudos acadêmicos com a problemática social e comunitária, e busca soluções. Promove o perfil de um professor, que oferece, além de conhecimentos, também práticas de organização social, e que possa ser líder comunitário, gerando as transformações necessárias, em benefício da própria comunidade.
Sobre a atual política de Estado para as escolas normais, o sacerdote acredita que o Estado mantém uma atitude de abandono do projeto, já que não corresponderia ao modelo educacional promovido pelo governo, sendo essas instituições somente toleradas.
Fundada em 1926, a Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, no Estado de Guerrero, tornou-se símbolo de resistência, a partir da inconclusa história dos 43 estudantes de Ayotzinapa, desaparecidos há mais de um ano. Atualmente, a instituição abriga 500 jovens, em uma estrutura precária, e luta para sobreviver. Padre Zaragoza diz que a escola continua com seu programa escolar normal e, recentemente, admitiu novos grupos de estudantes, recebendo promessas de apoio do governo para melhorar as instalações.
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Foto: Na quadra de basquete da Escola Isidro Burgos, 43 cadeiras laranjas com fotos dos estudantes de Ayotzinapa lembram os 14 meses de desaparecimento dos normalistas