A primeira carta de amor que escrevi foi ridícula. Não o ridículo vindo da autocrítica, essa megera que nos assola, prima-irmã da culpa cristã. Muito menos o ridículo inerente a todas as cartas de amor, mote que virou até comercial de lingerie fazendo com que o cadáver de Álvaro de Campos (a.k.a Fernando Pessoa) desse cambalhotas em sua cova.
O ridículo foi que, quando eu era um pequeno ser, não tive a coragem de entregar uma cartinha para a menina bonita que não dava bola pra mim. Daí, ao tentar coloca-la sorrateiramente em sua mochila, logo depois do recreio, fui flagrado por uma amiga da menina bonita que correu para ela e disse algo do tipo: “Olha, o Leo tá abrindo sua mochila!”. Até explicar que o focinho de porco não era uma tomada, o estrago já havia sido feito, com aquela sala de fedelhos transformada em um pandemônio.
Convenhamos que crianças sabem ser bem ruins e, diante daquele clima estabelecido, se eu resolvesse levar adiante a ideia de dar aquelas folhas de caderno, escritas com lápis HB e devidamente sem rebarba, ela seria lida para a classe inteira, cravando – pela eternidade – meu nome no rol dos intocáveis. Talvez até os professores português a usassem para mostrar como não se deve fazer orações subordinadas e a importância de revisar ortografia para não passar vexame. Para evitar o exílio em algum porão de monastério no Nepal, a carta nunca foi entregue. Afinal, antes ficar conhecido como ladrão do que como cobaia.
Se isso não for ridículo, não sei mais o que poderia ser.
Aliás, sei sim. Anos depois, escaldado com essa experiência anterior, decidi mandar uma carta para outra moça pelo correio. O que não contava, porém, é que o conceito de inviolabilidade de correspondência não fosse algo universalmente conhecido e socialmente aceito. O que você faria se você fosse um pai machista e opressor e abrisse uma carta de um moleque que estava apaixonado pela sua filha? Simples: bronca na filha – porque, em sua cabeça doentia, a culpa é sempre da menina que estava se oferecendo para os meninos da escola ao invés de estudar. E o que a filha faz? Mostra a carta pras migas. E o que as migas fazem? Fofocam para um mundo de gente, repetindo de orelha em orelha o que foi escrito para apenas um par de olhos lerem. E o que as orelhas fazem? Bullying no japonês. “O Leo tá apaixonado! O Leo tá apaixonado!…”
O japonês sempre se fode.
Não deixei de escrever cartas de amor em papel, mas é claro que elas escassearam. A facilidade do e-mail e, depois dos WhatsApps e messengers do Facebook da vida, tornaram anacrônico o ato de empunhar uma caneta até que os dedos ficassem marcados com as arestas de uma caneta Bic. E a nossa pressa cotidiana também derruba o charme das coisas. Já houve namorada que me pedisse para parar de escrever porque ela não teria tempo para ler. OK, cá entre nós, sabemos que não era verdade. Mas acreditar em meias-verdades faz parte do serviço de quem escreve cartas de amor.
O que não significa que elas não mereçam existir, saídas do próprio punho, desenhadas letra por letra. Afinal, no fundo, elas não são feitas para o destinatário que estampa o envelope, mas para nós mesmos.
Peço desculpas para quem esperava um texto político relacionando à nossa atual conjuntura, pois este texto é sobre o ridículo de escrever cartas de amor.
“Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. E só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas.”
Portanto, sugiro a Michel Temer que não deixe de escrever cartas de amor. Afinal, elas são ridículas. Mas todos nós também somos.
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Foto: Agência Brasil