Estamos nos 16 dias de ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, e durante duas semanas venho acompanhando mulheres negras denunciando violências, por meio da campanha#meuamigosecreto, campanha lançada nas redes sociais que incentiva as mulheres denunciarem as diversas formas violentas, as relações de opressão que as mulheres sofrem com os homens negros, principalmente.
Neste sentido as mulheres negras têm um adendo além de denunciar o sexismo, também denunciam o racismo que existe dentro das relações afetivo-sexuais com os homens negros, e o quanto isso levam as mulheres a viver uma vida de solidão, como mães solteiras e responsáveis pelos filhos.
As denuncias relatadas por essas mulheres são os reflexos vividos por uma grande parte das mulheres negras na sociedade brasileira, as pesquisas do IBGE e de outras fontes oficiais ainda nos aponta isso, que as mulheres negras são mãe solteira em maior percentual, e em relação à conjugalidade tem uma maior proporção de solteiras. Em outro artigo Mama África, a minha mãe, é mãe solteira, apresento um pouco como as pesquisas demonstram a realidade das mulheres negras no Brasil.
Vamos aos relatos de algumas mulheres
#Meuamigosecreto é muito lindo e NEGRO sempre foi o namorador de NEGRAS dizia: namoro muito por que ainda não encontrei a pessoa certa, que mexesse no meu coração. Hoje ele é noivooooo da BRANCA. Encontrou o coração dele na mão da princesa Isabel! Viva a “liberdade”! Márcia Nascimento
#MeuAmigoSecreto é um homem negro, gordo, militante de esquerda que só assume namoro com menina branca ou embranquecida (Modelo de beleza Globo). Mas vcs entendem que esse negócio de sentimentos a gente não manda né? Larissa Nascimento
#MeuAmigoSecreto Meu amigo é negro. Fala que ama se relacionar mulheres gordas,e de fato se relaciona, mas me disse quando a gente se conheceu que gostava de gorda branca do cabelão liso e preto. Meu amigo só assume relação com gordas brancas, as pretas ele come em off. Flavia Nascimento Silva
#meuamigosecreto é negro é só se relaciona com mulheres brancas, ela diz que somos muito complicadas… Temos muitos problemas…Um brinde a solidão da mulher negra… Priscila Obaci
#meuamigosecreto é militante negro e diz que reconhece seu machismo mas mesmo assim não faz nada sobre ele, impõe relacionamentos abusivos disfarçados de relacionamento aberto, e me questiona quando falo de solidão da mulher negra como se eu fosse louca, mesmo que outras mulheres também estejam falando sobre isso. E como se já não fosse o suficiente ele justifica que foi criado assim e que precisa ser entendido porque sofre muito com o racismo. Nzinga Mbandi
Para reafirmar os relatos das mulheres, trago Claudia Pacheco para contribuir, quando ela diz que, as mulheres negras faz parte do imaginário da erotização, do sexo, sendo naturalizada no “mercado do sexo” e em contraposição das mulheres brancas que nesse mesmo imaginário são pertencentes a “cultura do afetivo”, ao “mercado matrimonial”, ou seja, do casamento e da união estável.
#MeuAmigoSecreto vendia coco no Dique. Filósofo. Com a biblioteca da mulher negra e seu incentivo voltou a estudar, fez mestrado e tornou-se professor universitário em universidade federal no interior. Em um mês que estava morando na nova cidade, a mulher negra vai ver o companheiro concretizar o sonho de terem a casa própria juntos. Quando ela chegou, ele já tinha planos de casamento e moradia, mas era com uma aluna que já estava com os pertences instalados na casa que seria deles. Dayse Sacramento
De acordo com o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil – 2009-2010 (PAIXÃO et al., 2011) no Brasil, as mulheres sexualmente ativas em situação conjugal não oficial corresponderam a 35,3% entre as mulheres negras e 23,6% entre as mulheres brancas.
O que pode ser observado que a solidão das mulheres negras é uma realidade e que pesa na sua qualidade de vida, sobre a égide da solidão posta pelo racismo e o sexismo que nos atravessam colocando em um status de menor valor diante dos homens, principalmente dos negros, a quem, em primeira instancia a afinidade racial seria o laço para uma relação afetivo-sexual respeitosa de vinculo estável.
Essa situação causa grande impacto na saúde das mulheres negras, principalmente na saúde mental, campo de cuidado e pesquisa ainda pouco explorado, quais são as causas de adoecimento mental das mulheres negras? Acredito que a solidão é uma delas.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, quando observamos mulheres solteiras e percepção do estado de saúde para depressão segundo raça/cor, as mulheres negras apresentam maior percentual que as mulheres brancas, figura 1.
As mulheres também trazem questão da violência física em suas denuncias
#Meuamigosecreto tem um filho lindo e bate em mulher! Em uma de nossas conversas: teve a infelicidade de dizer-me que as mulheres, principalmente as negras, esta destruindo a família. Por conta dessas denúncias de violência, tirando a figura do pai presente na vida da criança. E que na maioria das vezes não precisava por ser uma briga a toa. Sai dessa amigo, seu histórico todo mundo já conhece. E você não sabe nem o que é família, apesar de ter estudado um pouco de antropologia. Maria da Penha sim, para todos os agressores! Márcia Nascimento
Os dados do Ministério da saúde para o Estado da Bahia demonstraram que em 2013 as mulheres negras sofreram mais violência física do que as mulheres brancas, como pode ser observado na figura 2.
Segundo o Mapa da Violência 2015, divulgado pela Flacso – Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – Brasil, apontou um aumento dos feminicídios contra as mulheres negras aumentaram em 54%, ao passo que o índice de mortes violentas de mulheres brancas diminuiu 9,8%, ou seja a violência contra as mulheres negras é mais letal quando comparado as mulheres brancas, pois nós sofremos com o efeito potencializador causado pelo racismo dentro das relações de gênero.
A campanha #meuamigosecreto foi uma estratégias para as mulheres negras denunciarem a situação, que muitas vezes passam invisibilizadas por serem consideradas problemas menores e por estarmos numa escala hierárquica em relação aos homens negros e as mulheres brancas e desta forma a nossa militância é afirmar o tempo todo que estamos fora e que queremos estar dentro e ter nossas vozes ouvidas, demandas atendidas, na recuperação de uma melhor qualidade de vida, e uma certa dose de humanidade que os outros insistem em não nos enxergar, pois estão com os olhos vendados pelo racismo e o sexismo, conjuntamente.
Referências:
PACHECO, A. C. L. Mulher negra: Afetividade e solidão. Salvador: EdUFBA, 2013.
PAIXÃO, M. et al. Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil – 2009-2010. Rio de Janeiro: Editora GARAMOND, 2011.