Emanuelle Goes* para Agência de Notícias da Aids, no População Negra e Saúde
As mulheres negras estão sempre vulneráveis a vários agravos e mortes, isso não ocorre ao acaso, mas por conta do racismo e do sexismo que atuam de forma estruturante em suas vidas, desta forma as experiências vividas ocorrem de forma diferenciada por acumular duas ou mais opressões que se articulam.
E quando se pensa em exposição ao HIV, são as mulheres negras com menor escolaridade e renda que estão mais vulneráveis ao agravo, além disso elas também tem dificuldades institucionais no acesso ao diagnóstico e ao tratamento.
De acordo com as Nações Unidas, o Brasil foi um dos primeiros países, dentre os de baixa e média renda a fornecer tratamento gratuito para pessoas que vivem com HIV/aids, sendo uma das maiores coberturas de tratamento antirretroviral. Isso se deve a política de acesso universal preconizada pelo SUS (Sistema Único de Saúde), consequentemente o país teve uma queda acentuada na taxa de mortalidade associada à aids.
Entretanto, ao considerar as especificidades da população de acordo com as suas características múltiplas de raça/cor, sexo, idade, região e território, que apesar da política de acesso ser universal, o alcance não é para todas as pessoas, por conta das iniquidades raciais e de gênero que estruturam o acesso e a utilização do serviço de saúde.
Para Lopes et al (2007), as mulheres negras não tiveram garantia de um atendimento integral e equitativa como preconiza o SUS. O seu estudo mostrou que há diferenças na relação com os profissionais entre raça/cor das mulheres e “facilidade em entender o que o infectologista diz”, “facilidade em falar com o infectologista sobre a vida sexual” e “facilidade em falar com o ginecologista sobre a vida sexual, sendo que 25% dos casos, as negras relataram entender às vezes ou nunca o que o infectologista dizia; para as não-negras, a percentagem foi de 8,8%.
O profissional de saúde tem obrigação de garantir o direito à informação das/os usuárias/os do serviço, pois a falta de informação ou uma informação sem a compreensão correta poderá prejudicar a prevenção, o tratamento e o cuidado da saúde integral.
A relação interpessoal do profissional de saúde com uma pessoa de raça/cor negra, muitas vezes, é estruturada pela discriminação racial e estereótipos históricos e socialmente construídos sobre a população negra, pois é recorrente que estudos sobre racismo na saúde apresente que as pessoas, homens e mulheres negros/as, ao serem atendidos no serviço de saúde, têm a consulta mais rápida, com menos contatos físicos e muitas vezes sem resolutividade do agravo.
De acordo com a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde – PNDS (BRASIL, 2008), sobre a oferta de teste para o HIV no pré-natal, 79,7% mulheres negras referem que foram ofertado a elas o teste, enquanto entre as brancas, 84,7% sabe-se que o teste do HIV no pré-natal faz parte do grupo de exames obrigatórios durante a consulta, seguindo os protocolos do Ministério da Saúde.
Esses dados nos remetem ao racismo institucional que é o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações CRI (2006, p.22).
A barreira institucional funciona como uma rede que se ramifica impedindo o acesso das mulheres negras e piorando o seu processo de adoecimento, vulnerabilizando nas diversas entradas dos serviços de saúde, desde a oferta de preservativos no planejamento reprodutivo, dos exames para o HIV no pré-natal, assim como no diagnostico e tratamento, que seu retardo e acesso precário será o principal fator do agravamento da doença e da morte precoce.
E para finalizar, é importante destacar que o acesso e a utilização dos serviços e insumos de saúde é umas das condições importantes para a manutenção de bom estado de saúde ou para seu restabelecimento, embora não sejam os únicos fatores responsáveis por uma vida saudável e de boa qualidade.
* Emanuelle Goes é enfermeira, blogueira, doutoranda em Saúde Pública pela UFBA (Universidade Federal da Bahia). Mestra em Enfermagem pela Universidade Federal da Bahia com concentração em Gênero, Cuidado e Administração em Saúde, na Linha de Pesquisa Mulher, Gênero e Saúde. É integrante do MUSA – Programa de Estudos em Gênero e Saúde (ISC/UFBA) e do Grupo de Pesquisa Saúde da Mulher, Enfermagem, Gênero, Raça e Etnia (Escola de Enfermagem/UFBA). Odara – Instituto da Mulher Negra.
Referências
CRI. Articulação para o Combate ao Racismo Institucional. Identificação e abordagem do racismo institucional. Brasília: CRI, 2006
LOPES, Fernanda; BUCHALLA, Cassia Maria; AYRES, Jose Ricardo C. M. Mulheres negras e não-negras e vulnerabilidade ao HIV/Aids no estado de São Paulo, Brasil. Rev Saúde Pública.41(Supl. 2):39-46; 2007.
UNAIDS. Estatisiticas. http://unaids.org.br/estatisticas/