Para Ricardo Gebrim, militante da Consulta Popular, a contra reforma proposta pelo Congresso é um retrocesso para país
Por Bruno Pavan
Do Brasil de Fato / MST
Está prevista para ocorrer na tarde desta terça-feira (26) o início das votações [nota: ocorrido ontem. Ler a respeito AQUI] com o objetivo de realizar mudanças no sistema político brasileiro.
A principal alteração proposta é a institucionalização das doações privadas para campanhas políticas, indo na contramão do entendimento de seis ministros do Supremo Tribunal Federal que já julgaram procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4.650, protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil, que proíbe tal prática. “A OAB entrou com uma ação de inconstitucionalidade dizendo que, se só pessoa física vota, a Constituição não permitiria a doação de empresa, de pessoa jurídica. O entendimento é simples”, explicou o membro da Coordenação Nacional da campanha do Plebiscito Popular da Constituinte, Ricardo Gebrim.
Gebrim também reforça que a possível mudança do sistema eleitoral do país para o distritão e o fim da reeleição para cargos executivos são pontos menores das proposta. “A única coisa que interessa na Câmara dos Deputados agora é votar a constitucionalidade da doação empresarial”, criticou.
Confira a entrevista na íntegra:
Como a campanha pela Constituinte começou? Com a conjuntura se modificando, os movimentos sociais ainda defendem essa bandeira?
Desde de junho de 2013, quando ocorreram as manifestações, pautou-se no país, por vários caminhos, mas centralmente pelas ruas, uma insatisfação com o sistema político. A Dilma, naquele momento, teve a ousadia de apresentar uma proposta que materializava aquela insatisfação profunda, mas que era difusa. Ela teve essa percepção e propôs um plebiscito para decidir sobre uma Constituinte.
Essa proposta durou poucas horas. Ela não teve resposta do PT, da base social, do governo, nem de ninguém. O papel histórico dos movimentos sociais foi o de recuperar essa proposta, transformá-la pedagogicamente através do Plebiscito e recolocá-la na pauta política. Ela entrou na pauta política tanto pela expressão do Plebiscito quanto pela oportunidade do momento em que se realizou o Plebiscito, que era o de eleições polarizadas, em que a Dilma volta a abraçar essa proposta.
Embora essa proposta não tenha força social, nesse momento, para se colocar, o tema insatisfação com o sistema política é talvez o único que, junto com a corrupção, dá liga nas manifestações, para falar simbolicamente, do dia 13 de março e do dia 15 de março. Se você pegar esses dois dias, são pólos ideológicos completamente opostos, um pedindo o enforcamento da Dilma e do Lula e o outro defendendo. Só têm duas coisas que os juntam e unem: contra a corrupção e insatisfação com o sistema político, até porque as pesquisas demonstram que o Congresso Nacional tem uma popularidade abaixo da Presidenta, mesmo entre aqueles setores [contra a Dilma].
E qual a avaliação das propostas que o Congresso tem para a reforma política?
Toda essa insatisfação política gerou uma situação que exige uma resposta por parte do Congresso, que [somente] utilizará o nome reforma política. A questão de fundo é que o Congresso não quer fazer uma reforma política verdadeira, porque ele foi eleito com essas regras políticas e, evidentemente, a composição eleita com essas regras não tem interesse em mudar nada, a não ser o que seja absolutamente cosmético, ou que aprofunde regras que o elegeram. Ninguém vai votar em regras que impediriam que eles fossem reeleitos. Essa é a situação.
Então por que o Congresso, ou melhor, o Cunha está jogando tanto esforço nessa movimentação?
No bojo de toda essa luta, a OAB entrou com uma ação de inconstitucionalidade dizendo que, se só pessoa física vota, a Constituição não permitiria a doação de empresa, de pessoa jurídica. O entendimento é simples.
O Supremo abriu a sessão, votaram seis ministros pela inconstitucionalidade, um ministro votou contra, o próximo a votar era o Gilmar Mendes. Ele pediu vistas e está segurando há um ano e dois meses, mais ou menos, essa votação. A questão é que formou-se uma grande pressão social em torno da bandeira “Devolve, Gilmar”. O processo já está decidido e o Gilmar segura, tudo leva a crer, em um esquema casado com setores do PMDB, especialmente com Eduardo Cunha e o Temer.
A única coisa que interessa na Câmara dos Deputados agora é votar a constitucionalidade da doação empresarial. Que que eles querem? Botar isso como cláusula constitucional. Se eles conseguirem, a decisão do Supremo perde eficácia, porque mesmo que proclamada a inconstitucionalidade, ela vai valer para antes da cláusula constitucional [incluída pela PEC]. Eles precisam fazer isso com uma certa rapidez, porque esse projeto, se aprovado na Câmara, tem que ir pro Senado, voltar do Senado e dar tempo de ser promulgado antes de outubro, para valer para as próximas eleições. Se não correria o risco de ser inconstitucional a doação empresarial, porque o Gilmar Mendes já anunciou que vai devolver [a Adin] em junho. Então precisa ser votado. É a única que eles querem votar, mas se eles botassem só isso na votação, ia ser um presente para nós, ia ser muito fácil bombardear: “PEC da Corrupção”, “isso daí é um farsa”. Então, o que eles estão fazendo? Estão criando uma “reforma política”.
Então todas as outras questões são secundárias?
Essa coisa do “distritão” – se São Paulo é um distrito, os setenta deputados mais votados é os que vão. Hoje, têm 44 deputados federais, dos diversos partidos, que não se elegeriam se o modelo fosse o “distritão”. Esses 44 já estão contra: uma bancada independente da definição partidária. Então, eles têm muita dificuldade [em passar essa proposta].
Eu acho que o Cunha vai usar o “distritão” como “boi de piranha”, para desviar a atenção do tema da doação empresarial. O Cunha vai botar pra votação no Plenário a partir de terça [26]. O primeiro ponto que ele quer votar é justamente o “distritão”, mas se esse é o assunto mais complicado, mais polêmico, por que começar com ele? Porque é o boi de piranha. Ele pode até perder.
Mas aí ele fala: “tá bom, recuou disso, agora vamos para o próximo”. O próximo é doação empresarial, que é o que interessa. Pode ser até que discuta doação em terceiro lugar, coloque a coincidência de eleições em segundo. “Tá vendo, a reforma política está avançando”. Aí ele não revela seu verdadeiro intuito que é a doação empresarial.
Não há chances do modelo distrital misto acabar passando?
É muito difícil chegar em um consenso quanto ao modelo de distrital. O “distritão” causa repúdio, mas o misto tem mais de uma proposta. A primeira conta que o deputado faz é: “eu vou me dar bem ou não?”. A única proposta que dá liga é manter o atual. “Nesse atual eu sei que eu me elejo”. Todos eles têm medo. Vai ser misto, uma parte na lista do partido: “será que eu entro na lista do meu partido?”. Em qualquer coisa que for mexer, aumenta o número de descontentes.
E como a luta pela Constituinte se põe a partir desse cenário novo?
A Constituinte vai voltar à carga porque vai se aprovar uma reforma pífia, que não responde aos anseios. Ou ela tem cara de pizza, na melhor das hipóteses, ou sai uma contra reforma política, e a gente vai denunciar, apontar que isso é pra garantir a corrupção que está para morrer com a decisão do STF. Qualquer coisa que saía dali não vai resolver a insatisfação com o sistema político. A bandeira de que só uma Constituinte pode mudar as coisas vai ganhando corpo nos debates.
Acho que vai começar a ter um senso comum de que esse Congresso não vai se auto-reformar, que é o que a gente já vinha dizendo. A Constituinte vai voltar conquistar o imaginário. Ou a gente esquece isso [a reforma política], aprende a lidar com o sistema político, e vai ser cada vez mais difícil, porque tende a piorar, ou a gente tem que pautar uma Constituinte.