Por Folhapress
Insatisfeitos com o primeiro júri popular integrado apenas por indígenas realizado dentro de uma aldeia, líderes de tribos do norte de Roraima se reuniram e decidiram punir os condenados à sua própria maneira.
Na prática, a decisão dos índios macuxis anula nas aldeias o resultado anterior do júri. O novo resultado pode inclusive ter efeito jurídico e ser reconhecido pela Justiça daquele Estado.
O júri foi decidido no último dia 23 de abril após um acordo entre a Justiça e os índios para levar o julgamento à reserva. No banco dos réus, estavam dois macuxis acusados de tentativa de homicídio contra um membro da mesma etnia, mas de aldeia diferente.
Apesar de um deles ter sido absolvido e outro condenado a uma pena leve, que cumpre em regime aberto, as lideranças se assustaram com a maneira exaltada que a acusação e defesa conduziram o júri. Os macuxis classificaram a arguição da defesa e dos promotores como “desrespeitosa” e “brutal”.
Uma semana depois do júri, em evento fechado, decidiram aplicar uma pena seguindo seus próprios costumes. Na nova decisão, os dois réus, e mais um terceiro que teria incentivado a briga, foram expulsos da aldeia por dois anos. Eles terão que fazer trabalhos comunitários em outra aldeia e não podem participar dos eventos da comunidade.
“Consideramos o júri positivo [de abril], mas demos o nosso jeito depois”, afirmou Júlio Macuxi, um dos representantes da comunidade. Abertamente, os índios dizem que o julgamento aprofundará discussões internas sobre a solução dos problemas, mas não gostaram do comportamento das autoridades no evento.
O Ministério Público do Estado também entrou no caso e quer anular a decisão do júri do dia 23. Caso isso ocorra, a Justiça pode, por exemplo, realizar um novo júri ou reconhecer o resultado do tribunal dos macuxis que expulsou os réus da aldeia.
CONTRA BEBIDAS ALCOÓLICAS
“A defesa elogiou o vendedor de bebida alcoólica aos índios e também certos invasores das nossas terras. Esse tipo de atitude contraria a nossa prática e expectativa de que autoridades devam dar exemplos de boa fala e boas atitudes”, criticou, em nota, a coordenação regional do Conselho Indígena.
O juiz que organizou o tribunal, Aluizio Ferreira, afirma que “já havia alertado” aos índios que seria assim. Segundo ele, apesar da decisão interna, o júri cumpriu seu objetivo. “A ideia nunca foi a reprodução do ato e sim produzir uma reflexão dos dois olhares, tanto da comunidade indígena quando do Judiciário”, disse.
RACISMO
Os indígenas também recorreram ao Ministério Público Federal para evitar que o laudo antropológico que consta no processo seja divulgado ou utilizado para fins de pesquisa. Em representação protocolada no órgão, dizem que o documento tem passagens “racistas” e que desconhecem a cultura da região.
A reclamação cita principalmente o trecho em que o antropólogo Ronaldo Lobão se refere à origem do termo “canaimé”, entidade maligna e temida pelos habitantes das serras, onde estão a maioria das aldeias macuxis.
Os índios dizem que o texto dá a entender que “todos os moradores [inclusive os índios] da região seriam canaimé”.
A Procuradoria diz que analisa o pedido dos índios. Por e-mail, Ronaldo Lobão disse que não teve acesso ao conteúdo da representação e só se posicionará quando tiver acesso ao seu conteúdo.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental pelo CIR.