Por Fiocruz/PE
No dia 27 de abril na Fiocruz/PE, em Recife foi organizada a “Oficina de Articulação da Luta pela Justiça Ambiental no Território da Transposição do Rio Francisco”. Organizada pela FIOCRUZ foram convidadas várias entidades e movimentos sociais envolvidas na questão, como sindicatos de trabalhadores rurais, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), além de entidades ligadas aos povos indígenas e quilombolas além de outras instituições e ONGs que trabalham com o tema, como a Fundação Joaquim Nabuco.
Durante a oficina foram compartilhadas e discutidas as experiências de pesquisadores da Fiocruz e outras instituições, de trabalhadores, sindicalistas e de movimentos sociais acerca dos inúmeros impactos que vêm sendo produzidos sobre o território, o meio ambiente e as populações que vivem e trabalham nas áreas aonde as obras, iniciadas em 2007, vêm sendo implementadas.
Segundo o Governo Federal, o projeto asseguraria o abastecimento de água nos principais centros urbanos das áreas mais secas do Nordeste Setentrional, além de atender comunidades locais (325) que residem a uma distância de cinco quilômetros da margem dos canais dos Eixos Norte e Leste, ou seja, 21 municípios sendo 11 em Pernambuco, cinco no Ceará e cinco na Paraíba.
De acordo com o Relatório de Impacto Ambiental (Rima) sobre a transposição, dos 49 impactos ambientais previstos 38 foram considerados negativos. Eles geraram compromissos do governo federal com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) através de 38 programas ambientais, os chamados condicionantes. Tais programas possibilitariam um maior conhecimento e proteção do bioma Caatinga em seus aspectos ecológicos e sociais, além da melhoria de condições de vida de comunidades indígenas e quilombolas na região impactada. Contudo, observa-se o descumprimento ou adiamento de inúmeros dos compromissos assumidos.
Durante a realização da oficina levantou-se um quadro dramático e invisibilizado no atual debate público nacional, regional e local, dos impactos em diversos grupos sociais decorrentes da implantação do projeto da transposição. Dentre os grupos mais atingidos destacam-se indígenas, quilombolas, agricultores familiares, camponeses e assentamentos da reforma agrária, além de populações locais, em especial crianças, jovens, mulheres e idosos.
São vários os impactos relatados, que violam direitos humanos fundamentais. Dentre eles destacam-se a violência sexual, a prostituição infantil, a gravidez de meninas adolescentes, o abandono de paternidade e o consumo de drogas estimulados por trabalhadores das obras; o pagamento de indenizações irrisórias; a perda dos meios de produção e cessão de renda dos trabalhadores rurais; o reassentamento precário de agricultores das áreas atingidas nas chamadas Vilas Produtivas Rurais e que, passados vários anos, as áreas produtivas sequer foram demarcadas, e ainda, a trágica condição desses trabalhadores reassentados que perderam a terra e o trabalho, pois sequer conseguem se aposentar pelo INSS; os casos autorreferidos de depressão e uso de medicamentos; as explosões frequentes que racham casas, secam açude e fontes de água, destroem plantações de palma, matam e espantam animais, sem sequer haver ressarcimento aos agricultores locais; máquinas que destroem cercas impossibilitando a criação; a não regularização da terra indígena Pipipã e dos territórios quilombolas, apesar de previsto no EIA/Rima; a violência cultural com o povo Truká, Kambiwá e Pipipã, bem como os quilombolas, que receberam casas de alvenaria, sem consulta prévia, rompendo com uma longa tradição de rituais nas casas de taipa; a construção de barragem na comunidade Quilombola sem consulta e, sequer informação prévia; a entrega de escolas e postos de saúde, construídos inadequadamente, sem consulta aos gestores de educação e saúde de vários municípios; entre outros.
O quadro atual em várias comunidades mais impactadas, conforme referido, é de tristeza e casos de depressão. Infelizmente esse lado tende a ser invisibilizado nas propagandas ou mesmo críticas aos problemas de gestão das obras que atualmente mais aparecem na mídia e nos debates públicos.
Enfim, trata-se de uma longa lista de descumprimentos de acordos previstos no licenciamento da obra e de violações de direitos fundamentais. O Governo Federal, principal agente responsável pelos compromissos, tem repassado para as empresas privadas, engenheiros e assistentes sociais das empreiteiras a responsabilidade de ouvir as comunidades, suas queixas e demandas as quais, na maioria das vezes, não geram ações nem soluções satisfatórias.
Diante disso, há um cenário de incerteza e preocupação quanto ao futuro, inclusive com relação à promessa de ampliação no acesso à água para as populações e comunidades mais atingidas, com o temor que se confirme a apropriação privada da água para o agronegócio na região, em detrimento do convívio com o semiárido, da agricultura familiar e da agroecologia, do direito à terra e ao trabalho.
Durante a oficina foi discutida a necessidade das instituições, entidades e diversos movimentos sociais se solidarizarem com as populações atingidas e aprofundarem essa discussão, difundindo informações sobre os problemas e atuarem para mudar o dramático quadro. Em breve espera-se a construção coletiva de um manifesto assinado por inúmeras organizações, além da divulgação de um documentário sobre o problema que será lançado em junho em Recife pela Fiocruz. Prevê-se também a produção de um relatório pela Fiocruz sobre o problema e a realização de um amplo seminário para o debate até o final do ano com denúncias, demandas e propostas de encaminhamento.
Ao final a oficina apontou a necessidade de envolvimento de amplos setores da sociedade por justiça ambiental na implantação do projeto da transposição e para enfrentar o acesso justo e sustentável à água, quando da fase de operação do projeto.
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Contato: André Monteiro, Fiocruz/PE – [email protected]
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.