Comoção e revolta se misturam por assistirmos quase que impotentes a mais um assassinato de indígena no nosso Estado. Comoção, porque um jovem e estimado pai e líder reconhecido do povo Ka’apor perde de forma violenta a sua vida. Deixa um vazio que outros jamais poderão preencher. Revolta, porque poderia ter sido evitada a morte desse homem.
Os sinais de alarme haviam sido lançados há muito tempo. Denúncias tinham sido feitas no Ministério Público Federal, na Polícia Federal e em outros gabinetes da burocracia estatal e estadual. Há meses os Ka’apor da Terra Indígena Alto Turiaçu, especialmente na região de Santa Luzia do Paruá e Centro do Guilherme estavam vivendo o drama e a humilhação de verem seus direitos de ir e vir cerceados pela população local incentivada e apoiada pelos madeireiros e uma parte da classe econômica e política que atuam na região.
Nenhuma medida institucional efetiva foi tomada. Os Ka’apor estavam pagando o preço de intervir lá onde o estado vinha se omitindo. Correram o risco de ver ameaçada sua integridade física porque os defensores da lei estavam do lado de quem a descumpre sistematicamente.
Houve, como em outros casos similares, uma inversão de papeis: o cidadão é ameaçado por defender diretos e não por desrespeitá-los! As decisões que os Ka’apor haviam tomado, ultimamente, de eles mesmos defenderem o patrimônio ambiental de suas terras de forma enérgica, – mas sem produzir algum tipo de baixa, – foi ditado não pelo gosto do conflito e do confronto, e sim, pela omissão hedionda e pela histórica inércia estrutural do estado em defender um patrimônio que é, inclusive, ‘propriedade sua’.
Hoje a região do Centro do Guilherme é notoriamente conhecida como sendo espaço que acolhe e protege plantadores e traficantes de entorpecentes, onde há um criminoso conluio das instituições que acolá representam o ‘estado’ em promover crimes ambientais e outras ilegalidades. Não é por acaso que o município está incluído entre os que têm os piores índices de desenvolvimento humano! O assassinato de Eusébio só vem a expor de forma mais patente conflitos, omissões, cumplicidades, ausência institucionais naquela região do Maranhão.
Diante desse quadro que é por demais conhecido, várias propostas de intervenção institucional têm sido avançadas, embora nunca realizadas. Consideramos a situação daquela região gravíssima e exige uma resposta coordenada e sistemática, e não pontual, por parte do estado e em todas as suas três esferas.
Atrevemo-nos a avançar as seguintes propostas de caráter imediato, deixando para outra oportunidade as de caráter mais estruturante:
- Instauração imediata de inquérito para que a Polícia Federal possa chegar aos responsáveis da autoria material do homicídio de Eusébio Ka’apor, bem como de seus eventuais mandantes e cúmplices.
- Intervenção imediata por parte da Secretaria Estadual de Segurança para afastar preventiva e temporariamente todos os policiais do Centro do Guilherme e apurar suas eventuais cumplicidades, omissões e abusos de que os índios os acusam. A permanência deles no local poderá ‘sujar e manipular’ indícios e provas. Com isso não se quer condená-los de antemão, mas tão somente garantir uma investigação livre e imparcial.
- Que o governador demonstre a atitude e a responsabilidade desse novo Governo, nomeie uma comissão institucional, inter-disciplinar, com o intuito de debater com todos os setores da sociedade do Centro do Guilherme e com os Ka’apor as diferentes e históricas problemáticas regionais, e formular algumas políticas básicas e imediatas de caráter sócio-educacional e produtivo em que nem a madeira indígena e nem a maconha sejam contempladas como fontes de renda local.
- Que o Governo Federal dê imediata, maciça e prolongada assistência às aldeias Ka’apor, em todos os níveis, de forma que eles possam recuperar urgentemente o sentimento de segurança, de auto-confiança e sentir que o estado está assistindo e apoiando, e que não está jogando contra eles como tem acontecido até agora.
Acreditamos que seja algo possível e realístico. Tampouco implicaria em novos gastos adicionais para que as instituições, mais uma vez, usem isso como pretexto, e adiem o seu dever de acompanhar e facilitar o crescimento social e humano de cada cidadão.
São Luís, 04 de maio de 2015
Instituições
- Missionários Combonianos Brasil
- Rede Justiça nos Trilhos
- CIMI – MA
- Alternativas para o Cone Sul (Pacs)
- Associação Carlo Ubbiali
- Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária (AMAR)
- Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Araucária (APROMAC)
- Associação de Saúde Ambiental (TOXISPHERA)
- Bicuda Ecológica
- Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
- Centro de Estudos e Pesquisa para o Desenvolvimento do Extremo Sul (CEPEDES)
- CIMI Norte II
- Comissão Pró-Índio de São Paulo
- Comitê Metropolitano Xingu Vivo
- Conselho Pastoral dos Pescadores
- CPT- Marabá
- Criola
- Fase
- Fórum Amazônia Oriental (FAOR)
- Fórum Carajás
- Fórum dos Atingidos pela Indústria do Petróleo e Petroquímica nas Cercanias da Baía de Guanabara ( FAPP-BG)
- GEDMMA / UFMA (Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão)
- Grupo de Trabalho Racismo Ambiental da RBJA
- Instituto Terramar
- Núcleo Tramas – Trabalho, Meio Ambiente e Saúde da Universidade Federal do Ceará
- Observatório de Conflitos Urbanos e Sócio-ambientais do Extremo-Sul do Brasil
- Pastorais Sociais da Diocese de Marabá
- Paróquia São Daniel Comboni – São Luís – MA
- Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)
- Rede Jubileu Sul
Outras pessoas físicas
- Anivaldo Padilha
- Dom Guilherme Werlang (presidente da Comissão Episcopal para Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz)
- Frei José Alamiro Andrade Silva
- João Alfredo Telles Melo (Professor de Direito Ambiental / vereador pelo PSOL em Fortaleza
- Leonardo Boff (Teólogo, ecólogo e escritor)
- Ruth Maria Scaff
- Verena Glass (Xingu Vivo para Sempre)
- Tania Pacheco (Combate Racismo Ambiental)
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Foto: Reprodução Cimi
Realmente precisamos dar atenção à essa tensão…