Ministro diz que classe privilegiada deve sanar problema que é injusto. Discriminação requer ação afirmativa para negros, indígenas e pobres, diz
Ana Carolina Moreno e Paulo Guilherme – Do G1, em São Paulo
Políticas de ação afirmativa, como as cotas raciais e sociais, serão necessárias “enquanto houver racismo”, afirmou o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro. Em entrevista exclusiva ao G1 na quinta-feira (30), em São Paulo, o ministro, que nesta semana completa um mês à frente do Ministério da Educação, disse que a desigualdade que resulta da discriminação de negros e indígenas “é uma realidade empírica”.
“Isso requer medidas. E a medida mais adequada se chama ação afirmativa, que pode incluir ou não cotas, mas que é muito importante”, afirmou o ministro.
O MEC adotou em agosto de 2012 a política de cotas sociais e raciais no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Em 2013, as universidades federais e institutos tecnológicos destinaram 12,5% das vagas para alunos de escolas públicas e, dentro deste universo, um percentual para estudantes autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. Em 2014, 25%. Em 2015, 37,5%. Em 2016, 50% das vagas serão para cotistas (veja ao final dessa reportagem um exemplo da distribuição das vagas pela lei das cotas).
Levantamento feito pelo G1 em 2014 apontou que, em 90% dos cursos do Sisu, os negros tiveram nota de corte menor entre os cotistas, e os alunos de rede pública passariam sem cotas em 11% dos cursos ofertados.
Professor aposentado de filosofia e ética da Universidade de São Paulo, Janine Ribeiro não se posicionou oficialmente nem a favor nem contra a implantação de cotas raciais e sociais na USP, que atualmente passa por um momento de pressão dos movimentos negros, estudantis e sindicais para ampliar sua política de ação afirmativa.
Atualmente, a USP dá bônus para estudantes da rede pública, e um bônus extra caso o estudante se encaixe na categoria PPI (preto, pardo ou indígena). “A USP se convenceu da importância de você favorecer o aluno egresso do ensino público. Mas até hoje, em termos de cotas raciais, ela foi tímida. Mas isso, de qualquer forma, está sendo colocado em discussão”, disse o ministro.
Leia a seguir trecho da entrevista de Renato Janine Ribeiro ao G1:
Qual é a sua opinião sobre as cotas?
Vamos falar no geral primeiro. Cotas são uma medida que é para ser provisória. Haverá cotas enquanto houver racismo. Quando você tiver realmente uma igualdade étnica, quer dizer, quando ninguém for discriminado por ser negro, ou descendente de negro, ou indígena, ou outros casos… Quando isso tiver sido superado, você não vai precisar de cotas. Agora, é uma realidade empírica que quando você vai, nos ambientes, vamos dizer, mais destacados, seja do dinheiro, seja da cultura, seja do poder, você encontra relativamente muito poucos negros ou descendentes de indígenas. Então, isso requer medidas. E a medida mais adequada se chama ação afirmativa, que pode incluir ou não cotas, mas que é muito importante.
O governo federal adotou como política que você tem uma certa reserva por grupo sobre metade das vagas. No caso da USP, Unesp, Unicamp, que são autônomas, que não são obrigadas a seguir a lei federal, elas sofrem uma pressão, e elas estão um tempo incorporando algum sistema desses.
A USP se convenceu da importância de você favorecer o aluno egresso do ensino público. Mas até hoje, em termos de cotas raciais, ela foi tímida. Mas isso, de qualquer forma, está sendo colocado em discussão.
Qual é a sua opinião sobre as cotas especificamente na USP?
Eu, apesar de professor da USP, prefiro não tomar um partido veemente de um lado ou de outro. Mas é claro que, se nós tivéssemos para o negro, para o pobre, para o aluno de escola pública, para o indígena, um tratamento respeitoso, não seria necessário cota. E por outro lado, eu falei de grupos que, com frequência, sofrem muito. Realmente sofrem, de haver crimes contra eles, haver um preconceito intenso, gente que diz que são pobres porque são preguiçosos. Então, diante disso tudo, o fato de numa prova de admissão, num vestibular, um cotista ter nota 90, e um não-cotista ter nota 100, apenas quer dizer que os dois são iguais. Não são diferentes.
O cotista precisou estudar muito mais, precisou ser muito bom, para chegar ao nível de uma pessoa que pertença à população mais privilegiada. Que é grande. O número de brancos no Brasil é enorme. Mas para eles a vida é mais fácil do que para um negro, ou outro. Então, o argumento de qualidade contra as cotas não vale.
Um bom aluno discriminado deve ser comparado com um aluno não discriminado muito bom. Porque ele teve que enfrentar toda uma agenda injusta, desnecessária, até mesmo infame, que nós que aqui estamos nunca tivemos que enfrentar.
Acho que essa questão, sabe, a gente tem que deslocar um pouco. Questão de cotas não é mais uma questão de favorecer tais ou quais populações. Questão de cotas é a responsabilidade dos favorecidos historicamente em sanar um problema que é injusto.
Como assim?
Nós que aqui estamos não somos culpados pelo racismo. Mas somos responsáveis. Ser culpado quer dizer, nós teríamos instaurado o racismo? Não. Isso vem de longe. Claro, quem é racista hoje é culpado. Mas nós temos uma vasta população hoje que não é racista, mas que às vezes não dá muita importância a isso, quando deveríamos dar.
Esse é um ponto básico de justiça social. Nós temos pessoas que estão bem e que às vezes não percebem que, numa sociedade desigual, injusta, você estar bem muitas vezes é algo que se fazer como num balanço de criança. Quer dizer, um sobe e outro desce. Nós temos que acabar com isso. Isso é um princípio ético.
Exemplo de distribuição de vagas pela lei de cotas (Foto: Divulgação / MEC)
Foto: Manifestação em favor de cotas raciais na USP (Divulgação/Bruno Bocchini/USP 7%)