Por Edilene Santiago no Diário da Amazônia
A exploração ilegal de recursos naturais, principalmente de diamantes, nas terras dos índios Cinta-Larga – Parque Aripuanã e Reserva Roosevelt – continua desafiando a justiça brasileira. O Governo Federal não tem atuado à altura do problema que há mais de uma década tem ameaçado o povo indígena de extinção. Essas constatações estão registradas em um dossiê de 270 páginas elaborado pelo Ministério Público Federal (MPF/RO).
Numa entrevista exclusiva ao Diário, o procurador da República, Reginaldo Trindade – responsável pela elaboração do dossiê – disse que as autoridades precisam agir com rapidez e rigor para impedir o avanço do garimpo ilegal em território Cinta Larga. Segundo Trindade, o MPF/RO recebeu uma informação de que, atualmente, há cerca de dois mil garimpeiros em atividades ilícitas naquelas terras. “Mais uma vez estamos sobre um barril de pólvora que vai explodir a qualquer momento”, alerta.
ATIVIDADES
No dossiê constam textos inéditos em que o procurador Trindade descreve os problemas da nação indígena Cinta-Larga; uma planilha com o registro das atividades realizadas nos últimos 10 anos; e um DVD que documenta as ações já executadas. Há também a cópia de uma ação judicial proposta contra a ex-diretoria da Funai, evidenciando a inadequada atuação na defesa daquela comunidade indígena.
DIVERSAS RECOMENDAÇÕES E AÇÕES CIVIS PÚBLICAS
O procurador Reginaldo Trindade acompanha a situação dos índios Cinta-Larga desde quando atuava como promotor estadual no município de Espigão do Oeste. Em 2004 mudou-se para Porto Velho – ano em que a exploração das pedras se tornou mais intensa e foi registrado o massacre dos garimpeiros. Intermediário dos índios junto aos não-índios, Trindade é autor de um grande número de recomendações e ações civis públicas a favor dos Cinta-Larga e tem buscado apoio para que o Governo Federal cumpra o que vem prometendo.
Em 2004, depois do massacre, foi assinado um compromisso avalizado pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para a formação de uma força-tarefa com representantes de vários ministérios para que os índios pudessem viver com dignidade e o garimpo fosse fechado. Da força-tarefa, só foi cumprida a parte que se referia à repressão, com a formação de cinco barreiras policiais. “Os Cinta-Larga estão sendo dizimados com o veneno da omissão”, alega o procurador, alertando para o fato de que o crime organizado está suprindo a lacuna deixada pela ausência do poder público nessas terras indígenas.
GRUPO COMPLETA DOIS ANOS EM DEFESA DOS ÍNDIOS
A ausência do poder público, para mediar o conflito e defender os verdadeiros donos da terra, deixou incerto os direitos de ocupação do local em que os índios sempre viveram. Em razão disso, o MPF/RO resolveu criar uma parceria com a sociedade denominada Grupo Clamor – Cinta-Larga: Amigos em Movimento pelo Resgate, com o objetivo de melhorar a vida da comunidade e cobrar ações efetivas do Governo Federal para minimizar as condições em que vivem os índios Cinta-Larga. Várias iniciativas já foram realizadas pelo Clamor: ações de saúde, expedição de documentos, concessão de benefícios sociais e previdenciários e orientações educativas.
O grupo Clamor – que completou dois anos de formação, na última quinta-feira (16) – é composto pelo procurador Trindade (autor do projeto) e por representantes da sociedade civil: professores, estudantes, funcionários públicos. Atualmente tem cerca de 30 pessoas que se envolvem diretamente com os assuntos ligados aos indígenas e mais de 100 inscritos que participam do movimento através da internet.
Para a coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Ivaneide Bandeira, garantir os direitos dos índios que ocupam o sudoeste da Amazônia brasileira, em parte dos estados de Rondônia e de Mato Grosso, não é tarefa fácil. Ela registra que são várias as deficiências em que se encontram os índios Cinta-Larga. Falta de assistência à saúde, educação, inexistência de projetos de geração de renda, extração ilegal de madeira – além do garimpo ilegal de diamantes – que já resultaram em várias mortes na comunidade. “Garantir o direito dos índios, sempre foi uma tarefa complexa, principalmente, em razão dos interesses econômicos e políticos”, reconhece Ivaneide.
MAIS DE UMA DÉCADA OUVINDO PROMESSAS VAZIAS
Não se sabe ainda qual é a capacidade de produção da mina de diamantes descoberta na década de 1960 e explorada a partir de 1999, na TI Cinta-Larga, localizada em Espigão do Oeste, a cerca de 500 quilômetros de Porto Velho. Nem dá para calcular o tamanho do prejuízo que as pedras já provocaram para aquele povo indígena. “Eles continuam pobres, mas com fama de ricos, e passaram a ser tratado como bandidos desde quando houve o conflito e morreram 28 garimpeiros, em 2004”, constata Ivaneide.
Desde 1999, o garimpo funciona de forma cíclica. O Governo negocia ações e investimentos na agricultura, na educação, na saúde e outros serviços sociais e o garimpo é desativado. Passado um período, mais uma vez o Governo não cumpre o prometido e a exploração recomeça. Cansados de promessas vazias, os índios há muito tempo não acreditam mais nos projetos políticos. “A falta de compromisso das autoridades vem minando a paciência dos índios, que lutam com dificuldades para defender a cultura e as terras que herdaram dos ancestrais”, constata o procurador Reginaldo Trindade.
ESTUDOS E DIAGNÓSTICOS ETNOAMBIENTAIS
No primeiro semestre do ano passado a Kanindé concluiu o mapa do etnozoneamento da Terra Indígena de Roosevelt (TI). O trabalho foi desenvolvido durante dois anos, a partir do Diagnóstico Etnoambiental Participativo e Etnozoneamento da respectiva TI, em parceria com a Funai e o Conselho do Povo Cinta-Larga. A coordenadora da Kanindé explica que o projeto faz parte de uma série de atividades que tem como objetivo central discutir as categorias de uso, ocupação e estratégia de segurança territorial.
O etnozoneamento visa fortalecer os Cinta-Larga que habita a TI Roosevelt e ampliar os conhecimentos agroecológicos desse povo. O projeto foi elaborado e desenvolvido com a participação da própria comunidade indígena, que acompanhou as divisões das zonas de monitoramento ambiental, de ocupação, de coleta e de reserva. “O processo de etnozoneamento é um passo fundamental para o planejamento da gestão da terra, pois desperta um sentimento de soberania territorial”, assegura Ivaneide.
O Diagnóstico Etnoambiental Participativo e o Etnozoneamento, bem como o Plano de Gestão, se bem utilizados, são ferramentas eficazes tanto para as comunidades indígenas como para as organizações, orientando-as na utilização dos recursos naturais. De posse dos estudos e diagnósticos etnoambientais, torna-se possível avaliar e garantir que os projetos destinados às TIs busquem o desenvolvimento econômico consciente, além de gerar conhecimento sociocultural legado às futuras gerações.
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Destaque: Garimpo na TI Cinta Larga. Foto Fabio Souza