Por Gabriel Brito, no Correio da Cidadania
A causa indígena brasileira encontra-se num ponto culminante de sua história. De um lado, o capitalismo avança ‘como nunca antes’, conquistando todos os recantos nunca explorados economicamente, sob forte apoio estatal; de outro lado, as centenas de povos indígenas atingiram um nível de mobilização e unidade inédito. Dentro de tal contexto, conversamos com Sassá Tupinambá, da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), a respeito da recém-encerrada Semana Nacional de Mobilização Indígena.
“Não tivemos nenhum avanço (nas reuniões com o governo). A principal bandeira dos povos e organizações indígenas é a demarcação das Terras Indígenas (TI), essa é a centralidade da nossa luta. E o governo já deixou bem claro que não vai demarcar terras. Pelo Brasil todo há processos concluídos de demarcação, mas ficam engavetados: uma parte no gabinete da presidente, outra parte no gabinete do ministro da Justiça”, criticou Sassá.
Para ele, não resta alternativa alguma aos indígenas brasileiros, cada vez menos dispostos a esperar pela morosidade de um judiciário alheio às concepções e modos de vida dos povos originários, de forma que a ação direta virou sua grande arma. Além do mais, Sassá denuncia que o poder togado está mancomunado com os mesmos interesses dos financiadores de campanha do legislativo e executivo, inclusive voltando atrás em decisões de terras indígenas já homologadas.
“A única perspectiva, de fato, é através da luta. E das retomadas. A única possibilidade de os índios conquistarem suas terras e verem-nas demarcadas é pela retomada. A perspectiva é só essa, porque, do outro lado, o que temos? A PEC 215 e a Portaria 303 da AGU, que se baseia nas condicionantes da homologação da TI Raposa Serra do Sol. Nisso, também entra o STF, que vem anulando terras já demarcadas, baseando-se nas condicionantes de Raposa Serra do Sol. Tivemos cinco derrubadas de Terras Indígenas”, explicou.
A entrevista completa com Sassá Tupinambá, gravada nos estúdios da webrádio Central3, pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: O que você achou da Semana Nacional de Mobilização Indígena, realizada entre os dias 13 e 19 de abril em Brasília, pela Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros?
Sassá Tupinambá: Foi muito importante, principalmente pra dar visibilidade à luta indígena e mostrar, também, que não é uma luta fragmentada ou regionalizada. Reunimos 1500 indígenas de todo o Brasil na capital do país. Porém, não tivemos êxito prático, porque o governo não quis diálogo, não quis conversar em momento algum.
Correio da Cidadania: Não houve nenhum diálogo interessante, não ficou nenhuma abertura para um avanço nas políticas públicas voltadas aos índios brasileiros?
Sassá Tupinambá: Nada interessante, nenhum diálogo. Tanto que a Apib se pronunciou com uma nota cujo título é: “tímida resposta do governo federal não agrada povos indígenas”. Assim, não tivemos nenhum avanço. A principal bandeira dos povos e organizações indígenas é a demarcação das Terras Indígenas (TI), essa é a centralidade da nossa luta. E o governo já deixou bem claro que não vai demarcar terras. Já perdi a conta de quantas terras esperam homologação, principalmente em Mato Grosso do Sul e Bahia. Pelo Brasil todo há processos concluídos de demarcação, mas ficam engavetados: uma parte no gabinete da presidente, outra parte no gabinete do ministro da Justiça.
Correio da Cidadania: O que achou da homologação da terra indígena Arara, na Volta Grande do Xingu, nesses últimos dias? Trata-se de manobra maliciosa?
Sassá Tupinambá: Desde 1988, estamos esperando demarcações no Brasil, com conflitos e reivindicações em todo o país. A Terra Arara é habitada por dois povos e, apesar de aguardarem há muitos anos pela demarcação, essas terras demarcadas não eram prioridade pra demanda indígena. Só no MS temos 12 terras esperando demarcação, relativas aos povos Guarani Nhandeva e Kaiowá. Só eles esperam por 12 terras, fora os Terena, Kadiwé, entre outros povos na mesma situação.
Na Bahia, desde 2009 está pronta a documentação da TI Tupinambá. O processo está concluído, já passaram os prazos e até hoje o ministro da Justiça não homologou a terra. No Amazonas, tivemos também a homologação da TI Setemã. Enfim, o governo demarca áreas que não são do interesse do agronegócio. Isso está bem claro: não há interesse do agronegócio. Pode vir a ter interesse de madeireiro, da mineração, mas hoje o principal interesse de tirar os índios de suas terras e negar os processos de demarcação é do agronegócio. Um dos grandes financiadores das campanhas da última eleição…
No Congresso da ONU, já se colocou a necessidade de tratar a questão dos povos indígenas na América Latina. E os povos indígenas brasileiros denunciaram o atual governo, por não realizar as demarcações das terras. A demarcação de três terras pequenas onde o agronegócio e os padrinhos de campanha do governo não têm interesse não resolve nada. É só pra falarem que estão demarcando alguma coisa.
Correio da Cidadania: Quais as perspectivas de conquista das demais Terras Indígenas reivindicadas pelos diferentes povos, inclusive aquelas cuja homologação já fora permitida no passado? Ainda é possível alguma expectativa com o governo Dilma?
Sassá Tupinambá: Nenhuma. A única perspectiva, de fato, é através da luta. E das retomadas por conta própria. A única possibilidade de os índios conquistarem suas terras e verem-nas demarcadas é pela retomada. Aqui em São Paulo tem o povo Guarani M’bya fazendo retomada, e estão sofrendo despejos, como vemos no Jaraguá (zona oeste da capital). Os guarani de Parelheiros (extremo sul) também estão nessa situação. Há retomadas do mesmo povo no litoral, em São Vicente, Santos, Itanhaém, Peruíbe… Tem retomada no Vale do Ribeira… Na Bahia, vários povos têm feito retomada, só os Tupinambá já fizeram mais de 100. O povo Pankararu está em processo de desintrusão das terras, já fez retomadas e desintrusão por conta própria… O povo Guarani Kaiowá é o maior exemplo, com suas retomadas e resistência.
A perspectiva é só essa, porque, do outro lado, o que temos? A PEC 215 e a Portaria 303 da AGU, que se baseia nas condicionantes da homologação da TI Raposa Serra do Sol. Nisso, também entra o STF, que vem anulando terras já demarcadas, baseando-se nas condicionantes de Raposa Serra do Sol. Tivemos cinco derrubadas de Terras Indígenas: Yvy Katu, dos Guarani e Kaiowá (Japorã, fronteira de MS com o Paraguai); Guyraroká, dos Guarani Kaiowá (MS); Porquinhos, dos Canela-Apãniekra (MA); Limão Verde, dos Terena (Aquidauana, MS); e Tuxá (Rodelas, BA)
Não há perspectiva de demarcação de terras, pois não é a vontade desse governo. E tampouco é do interesse do Estado brasileiro. Precisamos ter isso claro quando falamos de governo anti-indígena. São 515 anos de resistência, de guerra de genocídio e etnocídio.
Correio da Cidadania: Depois de tudo o que discutimos, qual o balanço que você faz sobre essas políticas de 2003 pra cá, ou seja, desde que o PT chegou ao governo federal?
Sassá Tupinambá: Como dito, só nos resta a luta, pois esse governo já deixou bem claro que não tem interesse em demarcar as Terras Indígenas. Seu interesse está no agronegócio, na implementação dos projetos do IIRSA (Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana) aqui no Brasil. Assim, está favorecendo a mineração, a indústria e o agronegócio. Esse é o interesse do governo Dilma. O compromisso com o projeto IIRSA favorece muitos financiadores de campanhas, como as construtoras, que vão fazer as hidrelétricas, as rodovias, ferrovias, portos…
A conjuntura é favorável somente para a luta. Os povos indígenas não podem recuar, temos de avançar. E avançar na luta é fazer retomadas e também entrar com ações no judiciário. Juntar os advogados indígenas que são muitos, como a Joênia, que é uma excelente advogada indígena, o Arão Guajajara, o Luis, a Rodira Tupinambá… Temos excelentes advogados indígenas e advogados aliados que dão conta de fazer o enfrentamento no judiciário, desde juízes até ministros, juízes federais, estaduais etc.
Em relação aos 12 anos de governo do PT, juntando-se os três governos iniciais e o quarto mandato, não foi ultrapassado o número de demarcações feitas em governos com menor tempo de duração. O Lula fez poucas demarcações e a Dilma fez essas três agora, para inglês ver. Para os povos indígenas, é um dos piores períodos recentes. Até porque foi um período frustrante. Havia uma esperança, em 2002, de termos terras demarcadas, inclusive por terem sido feitas promessas nesse sentido. Mas o que tivemos, a partir de 2007, foi o avanço da produção de cana-de-açúcar em terras indígenas. O que tivemos em 2009 foi o avanço de plantio de eucaliptos em Terras Indígenas. Em 2010, o que tivemos foi Belo Monte, usinas no rio Tapajós, no rio Madeira… Foi isso que a gente teve. Foi assim que o governo petista cumpriu com sua promessa de campanha.
É histórico nesse país os povos indígenas serem traídos. Nunca foram vencidos, sempre traídos. A Confederação dos Tamoios venceu os portugueses e depois foi traída pelos próprios portugueses. Diversas lutas de lá para cá vêm sendo traídas pelo Estado brasileiro em função dos interesses do governo, da elite do agronegócio, da elite da mineração, e por aí vai. Portanto, tal governo foi só mais um entre vários traidores dos povos indígenas.
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Gabriel é jornalista do Correio da Cidadania e colaborador da webrádio Central3.
Destaque: reproduzida do Correio da Cidadania