Líderes comunitários e o público em geral se reuniram no dia 16 de abril para discutir as UPPs nas favelas do Rio
Sarah Jacobs – Rio On Watch
O evento foi organizado pelo portal de notícias Viva Favela (um programa da ONG Viva Rio) como o primeiro de uma série de debates acerca das questões que afetam atualmente as favelas do Rio.
Entre os palestrantes estavam Repper Fiell, rapper e ativista do Santa Marta, Davison Coutinho, estudante de mestrado, jornalista e morador da Rocinha, e William de Oliveira, ex-presidente da Associação de Moradores da Rocinha. Ubiritan Angelo, coordenador do Viva Rio e ex-comandante da Polícia Militar, também participou do evento.
O debate foi iniciado com uma questão polêmica feita pelo moderador Carlos Costa: “Quais seriam hoje os pontos positivos do projeto de pacificação?”
Enquanto o ex-oficial da PM Ubiritan Angelo prontamente respondeu a questão proposta–dizendo, por exemplo, que os níveis de violência e criminalidade nas favelas diminuíram–os outros participantes encontraram certa dificuldade em respondê-la. William de Oliveira referiu-se com otimismo, e de forma cautelosa, sobre o futuro das UPPs: “Alguns moradores ainda acreditam que há esperança”.
Repper Fiell, entretanto, não estava disposto a enxergar por esse lado positivo: “Não tenho esperança não”. Ele questionou o porquê de um dia sem tiroteio em uma favela pacificada ser encarado como um grande feito, quando isso deveria ser parte da vida cotidiana dos moradores. “É um direito nosso!”
A discussão sobre os efeitos positivos da pacificação tem sido frequentemente retratada na mídia, potencialmente dando uma imagem enganosa desse processo. Fiell disse que o canal de notícias Globo News permaneceu um mês no Santa Marta nas primeiras etapas da UPP, e ele acredita que distorceu a percepção do público sobre o que ele chamou de “uma pacificação com violência”. Rafael Sousa, do Complexo do Lins, da platéia, concordou, relembrando a quantidade de “propaganda e marketing” orquestrada pela mídia no início da ocupação da UPP no Lins. Isso permitiu que a UPP “vendesse uma imagem falsa” do processo.
Os participantes falaram sobre a crescente falta de apoio às UPPs em suas comunidades. Davison Coutinho resumiu a sua reação: “É um pouco triste você passar pela comunidade, por mais que você não concorde com os projetos da pacificação, e ouvir os moradores dizerem que preferiam como era antes”. Diversas pessoas falaram de moradores que se sentem excluídos do processo de pacificação em suas comunidades. “Os maiores apoiadores das UPPs deveriam ser os moradores”, disse William de Oliveira.
Um dos motivos para a falta de apoio à pacificação parece ser a desilusão com as promessas feitas na época em que as UPPs foram instaladas. Uma dessas promessas–a de remover os traficantes das favelas–foi denunciada como uma “grande mentira” por Fiell. William de Oliveira concordou: “O mais vergonhoso é que a gente vê o estado presente num local onde o crime organizado continua, em alguns lugares até mais forte que era antes”.
Outra promessa–de que a ocupação policial traria uma melhoria dos serviços públicos e da qualidade de vida das favelas–foi descrita como uma “piada”.
Fiell resumiu esse fato referindo-se ao Santa Marta, onde foram prometidas melhorias em moradia, saúde e saneamento básico durante a ocupação policial. Ele desafiou a platéia a ir lá e comprovar o não cumprimento dessas medidas, referindo-se às numerosas casas de madeira, e outras construídas de forma insegura, que ainda existem na comunidade, e à baixa qualidade do saneamento básico. “Isso fez com que as pessoas desacreditassem e perceberem que era mais um projeto político para enganar as pessoas”.
Os participantes também discutiram como as mudanças que acompanharam a chegada das UPPs nas favelas foram negativas, incluindo os problemas relacionados à alta dos preços das casas, o fenômeno de gentrificação e as restrições feitas pela polícia ao direito dos moradores de circular livremente por suas comunidades.
A violência policial também foi citada como uma grande preocupação. “A gente nunca sabe quando a bala perdida vai achar alguém que conhecemos”, disse William de Oliveira, fazendo uma pequena referência aos recentes assassinatos cometidos pela polícia no Complexo do Alemão. Os debatedores chegaram a falar sobre o fato da violência ser uma realidade diária em suas comunidades.
A conclusão foi que apenas a ocupação policial não é a solução para a melhoria da qualidade de vida nas favelas do Rio. “Polícia, polícia, polícia, polícia. Já chega de polícia. Já chega de guerra”, disse Davison Coutinho, lamentando a falta de outros projetos e serviços na Rocinha. Por exemplo, ele mencionou que a PUC Rio tem trabalhado na comunidade, mas em escala pequena.
Davison Coutinho abordou um tema-chave nos momentos finais do debate–a necessidade de uma mudança de atitude em relação às favelas na cidade. “Enquanto a favela continuar a ser vista como um problema, não vamos adiante”. Uma forma de mudar as atitudes é abraçar e incentivar a mobilização comunitária e o engajamento. Fiell concordou: “Não acredito numa polícia que traz paz com armas. Eu acredito na mobilização do cidadão”.