Fórum inicia diálogo tenso, porém crucial, para reforma da UPP no Complexo do Alemão

Asha Nidumolu – Rio On Watch

Moradores do Complexo do Alemão, líderes comunitários, pesquisadores, autoridades do governo, membros da sociedade civil e jornalistas se encontraram na ultima quinta-feira, 9 de abril, para discutir osrecentes conflitos no Complexo do Alemão e debater soluções para a extrema violência que tornou-se rotina dentro da comunidade. O fórum foi organizado pelo jornal O Dia, junto com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESec) e o Instituto de Estudos da Religião (ISER).

Aproximadamente 200 pessoas participaram do encontro que foi realizado na Glória, na Zona Sul do Rio. O evento durou quatro horas e recebeu cerca de 30 moradores do Complexo do Alemão. A reunião foi transmitida ao vivo no canal do YouTube da ONG Viva Rio e pode ser assistido na íntegra aqui.

Enquanto o sucesso do programa da UPP varia de comunidade para comunidade, a situação de violência urbana e brutalidade policial no Complexo do Alemão é particularmente preocupante, depois de três meses de constante conflito desde o início deste ano. O fórum foi realizado uma semana após a morte de Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, atingido na cabeça por um tiro disparado por um policial da UPP enquanto brincava na porta de sua casa, e de um período de 24 horas no qual pelo menos cinco pessoas foram mortas pela polícia.

O fórum foi mediado pelo jornalista André Balocco do jornal O Dia e começou com um minuto de silêncio em homenagem a Eduardo e aos outros moradores que foram mortos recentemente. O assunto do debate rapidamente se direcionou para a falta de projetos sociais e de apoio do governo no Complexo do Alemão. Lúcia Cabral, do CESec e fundadora da ONG Educap, discursou sobre como programas sociais e culturais continuam com dificuldades, já que o governo opta por gastar seus recursos enviando mais policiais para a comunidade, deixando o trabalho social nas mãos das ONGs que já têm dificuldades para encontrar o financiamento necessário. Lúcia enfatizou a importância de programas sociais que inspirem novas gerações e que as mantenha longe do tráfico de drogas, frisando que estes programas “são o caminho para construirmos uma população jovem saudável”. Muitos membros da comunidade concordaram que programas sociais servem como prevenção contra a violência na comunidade.

Alan Brum Pinheiro, líder comunitário e diretor do Instituto Raízes em Movimento, também abordou a severa escassez de programas sociais e apresentou propostas que já foram acordadas pela comunidade durante meses de consulta popular para os investimentos do PAC que nunca foram realizados. A proposta pedia por projetos de saneamento básico, a construção do campus universitário do IFRJ no Complexo do Alemão e melhorias no Parque Serra da Misericórdia.

A atmosfera do encontro tornou-se tensa quando uma moradora do Complexo do Alemão contou suas dificuldades diárias com a UPP e suas preocupações como mãe morando em um comunidade militarizada. Moradores denunciaram o toque de recolher estabelecido pelos policiais da UPP e disseram que alguns espaços públicos foram ocupados pela polícia, tornando impossível o uso destes espaços pelos moradores. De acordo com os moradores que se pronunciaram, o comércio tem que fechar as 22:00 horas e as pessoas não são livres para circular na comunidade depois desse horário. Este fato cria um grande problema para trabalhadores e estudantes que não podem viver suas rotinas sem restrições. Alan Brum enfatizou que essa é uma violação dos direitos humanos já que “os jovens estão sendo privados do seu direito de ir e vir”.

Além do toque de recolher, os moradores criticaram a ocupação da UPP dos espaços culturais e educacionais. Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, descreveu como partidas de futebol, eventos culturais e até eventos relacionados as escolas foram restringidos pelo comandante da UPP. Junior Perim, do Circo Crescer e Viver, acrescentou que a UPP frequentemente proíbe eventos previamente autorizados pelo governo estadual e federal. Eduardo Alves, do Observatório de Favelas, frisou que o trabalho da polícia é manter as pessoas seguras nas ruas, e não tirar as pessoas das ruas para mantê-las seguras.

A frustração com a Polícia Militar foi expressa por vários moradores, incluindo Daiene Mendes, do jornal comunitário Voz das Comunidades, que destacou seu sentimento de medo sempre que um policial está por perto. Eduardo Alves disse que a presença de tantas armas e unidades policiais indicam uma sociedade com insegurança e medo. Raull Santiago levantou outro assunto complicado, sugerindo que a UPP também foi abandonada pelo Estado e que ela também precisa reavaliar seu papel nas favelas. Ao invés de impor mais regras aos moradores, a UPP deveria repensar quem e quais são os reais problemas do Alemão. A UPP também precisa perceber que um dos maiores problemas hoje é a falta de suporte do Estado nos programas de pacificação nas favelas.

A tensão chegou em seu clímax quando Leonardo Silva, morador e ativista do coletivo Ocupa Alemão interrompeu um policial da UPP –enquanto ele discursava que os moradores deveriam clamar “fora traficantes”– para expressar sua revolta com a hipocrisia da polícia: “A conclusão do nosso grupo é que a UPP tem que sair do Alemão.  Enquanto vocês não forem para Presidente Vargas, para dentro da PM, para dentro do Estado tirar traficante –porque na favela não tem traficante, na favela tem varejista– eu quero que a UPP saia sim de lá! Não tem que ficar lá! Eu quero a polícia fora da favela sim! Porque quem tá pagando sou eu. Quem tá pagando são meus amigos. Quem tá pagando é o Eduardo e quem pagou foi a família dele. Então, enquanto vocês e a sociedade não se organizarem, eu não vou esperar a polícia se desmilitarizar! Eu não vou esperar por essa polícia que foi criada há mais de um século pra acabar com revoltas populares –e continua sendo isso– e proteger os senhores de engenho, e continua fazendo o que sempre fez na favela. Eu não vou esperar isso. Vocês arrumem a bagunça de vocês! E quando arrumar a gente volta a conversar mas até lá eu quero sim que a polícia saia da favela. Não tem que ficar lá não!”

Durante o encontro, os oradores continuaram questionando a falta da regulação do Estado e seu envolvimento no programa das UPPs. O presidente da Anistia Internacional no Brasil, Atila Roque, acusou o governo estadual e federal de sustentarem um silêncio vergonhoso em relação aos evento recentes no Complexo do Alemão e expressou todo seu desapontamento com a falta de desculpas para as famílias que tiveram parentes mortos.

Alan Brum falou da contradição do discurso dos policias da UPP, no qual oficiais dizem que eles representam o Estado e que eles estão ali para aplicar a lei, mas ao mesmo tempo eles alegam falta de poder para oferecer soluções para problemas públicos demandados pelos moradores. Muitos moradores sugeriram que os soldados da UPP tiveram pouco treinamento e que o Estado lhes incumbiu funções que eles não são capazes de exercer.

Em geral, o fórum se mostrou bem sucedido em apontar problemas específicos que os moradores do Complexo do Alemão gostariam de ver resolvidos, assim como identificar áreas chaves nas quais a comunicação entre a UPP e os moradores pode ser melhorada. O coronel Robson Rodrigues, chefe da Polícia Militar, estava presente e se desculpou pelas recentes mortes. Adilson Pires propôs um encontro nas próximas semanas dentro do Complexo do Alemão enquanto Teresa Cosentino, Secretária de Assistência Social, prometeu dois fóruns tanto para o Complexo do Alemão assim como para a Maré com todos os Secretários do Estado presente. Pedro Strozemberg, do ISER, sugeriu uma série de oficinas para desenvolverem propostas para o Governo do Estado. Ele enfatizou que tanto os moradores como os agentes da UPP são vitimas da situação atual e que é importante que os dois lados trabalhem juntos.

No final do evento, Raull Santiago ilustrou a complexidade da atual relação entre os oficiais da UPP e os moradores do Alemão: “Quando algumas pessoas chegam num protesto e dizem: “Fora UPP!”, tenha certeza que elas não estão olhando para cada um de vocês e querendo que alguém morra. Elas estão querendo que venham outras coisas, que mais coisas cheguem dentro do Complexo de Alemão, e que não precise, que entre a minha ideia, em um diálogo com alguém, tenha uma arma no meio dos dois”.

Formas de agir em relação aos tópicos debatidos acima:

Assista o debate na integra para saber mais.

Petição para formalizar e proteger o Parque Estadual da Serra da Misericórdia (pela ONG ecológica do Alemão Verdejar).

Vote no Coletivo Papo Reto para o prêmio anual BOBS (melhor ativismo online), para aumentar sua visibilidade e reconhecimento público pelo seu esforço.

Curta e siga Instituto Raízes em Movimento, Coletivo Papo Reto, Verdejar, Ocupa Alemão, Observatório de Favelas, Voz das Comunidades e Anistia Internacional Brasil.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.