Por Angela Figueiredo*, em População Negra e Saúde
Resolvi escrever este texto hoje, sábado, dia 11 de abril, uma manhã chuvosa no recôncavo baiano, explicitando os motivos do meu apoio a candidatura de Ana Rita Santiago ao cargo de reitora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Inicialmente, o meu apoio ocorreu em resposta ao Pânico Moral que se estabeleceu na UFRB, após o nome de Ana Rita – uma mulher negra, professora, doutorado em letras pela universidade Federal da Bahia, autora de livros e artigos e ex- pró-reitora da PROEXT – ter sido cogitado para ocupar o cargo de reitora da UFRB.
Fiz uma breve apresentação da candidata, pois, acredito que do ponto de vista formal, Ana Rita preenche os critérios para pleitear o cargo: formação acadêmica e experiência administrativa. Contudo, do ponto de vista simbólico, a associação negativa atribuída à cor e ao gênero desabilita e desqualifica para alguns/algumas a sua candidatura. Visto que as imagens estereotipadas que incidem sobre as mulheres negras “perpetuam uma iconografia de representação da negra que imprime na consciência cultural coletiva a de que ela está neste planeta principalmente para servir aos outros” (HOOKS, 1995,p. 468).
Segundo Cohen (1987), “ o pânico moral partiria de um problema social (as diferenças de poder e estatuto que caracterizam a organização social capitalista), para o qual a ação desviante constitui a resposta/solução encontrada pelos grupos excluídos ou marginalizados. A esta resposta/solução segue-se a reação social que, mobilizada pelos media e pelos grupos de interesse, dramatiza o problema e cria condições para a polarização social e agravamento do conflito, confirmando os estereótipos iniciais. O que constitui, então, um pânico moral? ‘uma condição, episódio, pessoa ou grupo de pessoas emerge para ser definido como uma ameaça aos valores e interesses sociais, a sua natureza é apresentada de uma maneira estilizada e estereotípica […]” (Cohen, , 1987: 9; apud Machado, 60; 2004).
Refiro-me ao pânico moral por que pretendo destacar a proliferação de discursos advindos de setores conservadores de esquerda e de direita revelados através do medo de que a UFRB viesse a se transformar em uma universidade negra. Mas, afinal, o que isso significa? Em que medida a candidatura de uma mulher negra, transformaria esta universidade, em uma universidade negra? De maneira análoga, a condução da universidade por um homem branco, transforma a universidade em uma universidade branca? Por que o sujeito universal ainda permanece associado ao homem branco? Por que os membros de grupos étnico-raciais, ou, membros de “minoria” estão condenados a sempre representar um ponto de vista menor e nunca a expressão de um conjunto mais amplo? Por que as demandas de grupos historicamente destituído de poder sempre representam uma ameaça à paz? Enfim, estas são questões que precisam ser discutidas com vistas à diluição do medo da diferença. Ou, será que o respeito à diferença só é eficaz em sua dimensão discursiva.
Abaixo elenco alguns pontos que explicitam o meu apoio à candidatura de Ana Rita:
Apoio a candidatura de Ana Rita porque acredito em seu compromisso político, social e acadêmico.
Apoio a candidatura de Ana Rita porque acredito na democracia e na importância do debate e da construção de propostas alternativas para a condução desta universidade.
Apoio a candidatura de Ana Rita porque aprendi com o feminismo negro (Gonzales, 1983; Collins, Bairros, 1995) a importância da desconstrução das imagens estereotipadas sobre as mulheres negras e sobre o valor de procedermos a uma inversão simbólica do lugar que tem sido historicamente reservado aos negros e negras em nossa sociedade.
Apoio a candidatura de Ana Rita, pois, acredito, que esta é sem dúvida uma boa oportunidade para colocar em xeque os nossos discursos sobre equidade de gênero e raça e sobre as especificidades históricas e sociais de uma universidade localizada no recôncavo baiano.
Apoio a candidatura de Ana Rita porque sou consciente da importância de iniciativas como essas que permitam de maneira efetiva a desconstrução de estereótipos que associam a imagem das mulheres e dos negros e negras a incompetência e inabilidade intelectual.
Apoio a candidatura de Ana Rita porque levo a sério a importância de descolonizarmos o conhecimento, as representações do poder e do saber.
Apoio a candidatura de Ana Rita porque busco coerência entre a minha reflexão e produção intelectual e a prática e convoco a todxs a fazer o mesmo exercício.
Referências bibliográficas
BAIRROS, Luiza. “Nossos feminismos revisitados” in: Estudos Feministas, vol. 3, n 2, Universidade Federal do Rio de Janeiro p. 458-463, 1995.
COLLINS, Patricia Hill. The black feminist thought. London, Routledge, 2000.
MACHADO, Carla. Pânico Moral: Para uma Revisão do Conceito. In: Interacções número 7. pp. 60-80, 2004. Disponível em:file:///C:/Users/Usuario%201/Downloads/125-392-1-PB.pdf, acesso em 10.04.2014
HOOKS, Bell . Intelectuais negras. Estudos Feministas, Rio de Janeiro, vol. 3, n 2, IFCS/UERJ e PPCIS/UERJ p.464-479, 1995
FIGUEIREDO, Angela e GROSFOGUEL, Ramon. Por que não Guerreiro Ramos? Novos desafios a serem enfrentados pelas universidades públicas brasileiras. Ciência e Cultura, vol 59, n 2, São Paulo, junho 2007.
GONZALEZ, Lelia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Ciências Sociais Hoje 2, ANPOCS, Brasília, p.223-244, 1983.
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* Antropóloga, professora e pesquisadora CAHL, ex-coordenadora do PPGCS/UFRB, Professora do POSAFRO/UFBA e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Estudos de Gênero, Raça e Subalternidade – Coletivo Angela Davis.