Remanescente de um quilombo do século XIX, grupo preserva cultura. Povoado mantém expressões mais ricas apesar do avanço da modernidade.
G1 PI
“Aqui a gente sempre viveu da roça e as coisas eram difíceis, mas hoje a situação mudou muito”. A frase é de dona Idelzuíta Rabelo da Paixão, 61 anos, uma das moradoras mais tradicionais do povoado Mimbó, comunidade remanescente de quilombo situada no município piauiense de Amarante, distante 170 km de Teresina. O quilombo do Mimbó, como é conhecido, está localizado próximo a um riacho de mesmo nome, onde escravos fugitivos da região de Oeiras se refugiaram ainda no século XIX.
Dona Idelzuíta é neta de Martin José de Carvalho, um dos escravos fugitivos. A idosa conta que muita coisa mudou na comunidade ao longo dos tempos, mas que a tradição do povo negro permanece viva entre os descendentes. E foi ela uma das grandes responsáveis pela mudança, tendo sido a pioneira em levar educação aos quilombolas. “Fui a primeira professora do quilombo. A educação foi fundada aqui em 1971”, disse a precursora. Segundo ela, as dificuldades foram imensas no início e não existia apoio.
“Os pais tinham que vender coco babaçu para poder comprar aqueles cadernos de caligrafia para os filhos. Os alunos sentavam todos no chão para assistir as aulas e só viemos ter apoio da prefeitura em 1981”, disse a ex-professora. Dona Idelzuíta conta que assumiu a missão de ensinar para ajudar a comunidade, mesmo ela própria tendo pouco estudo. “Eu não estudei muito. Dei aula, mas só estudei os quatro anos do fundamental”, completou a professora. A realidade, segundo ela, melhorou muito com o passar dos anos.
Atualmente, o núcleo da comunidade possui cerca de 150 moradores que vivem da agricultura de subsistência, da pesca e da ajuda de programas sociais do governo. Apesar das dificuldades ainda enfrentadas, a líder comunitária Martha Paixão conta que o quilombo possui diversos serviços. “Aqui nós temos sinal de celular e um posto de saúde. Quando alguém adoece mais gravemente, ligamos para o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) em Amarante”, falou. “Um médico cubano atende na unidade duas vezes por semana”, completa.
Cultura e manutenção da tradição
Apoio e conhecimento
No mês de novembro, uma turma de estudantes do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí (UFPI) visitou a comunidade do Mimbó. Coordenados pela professora Ana Regina Rego, os estudantes promoveram uma campanha de arrecadação de roupas e livros para a comunidade. A entrega do material foi recebida com festa e animação pelos moradores com as 1.498 peças de roupas e calçados e 920 livros entregues aos quilombolas.
Ana Regina finaliza destacando a importância da comunidade do Mimbó para o estado do Piauí. “Representa um povo forte e resistente e que conseguiu preservar, pelo menos parcialmente, sua cultura e suas tradições. Creio ser importante para a difusão da história e da memória do Piauí e de todos nós”, disse.
De acordo com a Fundação Cultural Palmares, órgão ligado ao Ministério da Cultura (Minc), o Piauí possui atualmente 81 comunidades remanescentes de quilombo em seu teritório. Desse total, 65 socilitaram a regularização fundiária de suas terras junto a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Piauí (Incra).